Programa Individualizado de Educação nos Estados Unidos
A chegada num novo país é experiência desafiadora. Novas regras e costumes desconhecidos são fator de estresse para todos. A adaptação torna-se ainda mais complexa para famílias com crianças pequenas. Pergunte para qualquer imigrante. Com certeza, ele lhe dirá que os primeiros meses não foram fáceis e que a adaptação só chegou após muitas tentativas, num jogo de erro e acerto.
Para famílias com crianças com deficiência, os desafios são ainda maiores. Apesar de já se saber lidar com todo tipo de barreira e dificuldade no país de origem, o novo ambiente com o seu sistema próprio de funcionamento desafia com os novos conhecimentos adquiridos. Queria, por isso, compartilhar a nossa experiência com a redação do “Individualized Educational Program” IEP (Programa Individualizado de Educação), etapa inescapável para a matrícula das crianças com necessidades especiais nos Estados Unidos.
O que é o Programa Individualizado de Educação?
Esse processo é um desafio para os pais norte-americanos. Basta acessar um buscador na Internet com o termo “IEP” para descobrir as angústias e os conflitos entre pais e distritos escolares em torno dos serviços oferecidos. A experiência pode ser frustrante, especialmente se os pais não conhecerem o sistema e tiverem que “lutar” pelos filhos em outro idioma. Queria, assim, explicar um pouco sobre o IEP e contar como a nossa família vem lidando com esse tema fundamental para o nosso filho que tem transtorno do espectro autista (TEA).
Para receber atendimento adequado às suas necessidades educativas especiais e individuais nos Estados Unidos, o aluno deve ter um Programa Individualizado de Educação (IEP em inglês). Trata-se de documento escrito pela equipe de Educação Especial da escola, juntamente com os responsáveis do estudante. Ele descreve o desempenho educacional e funcional do aluno e suas necessidades para que se desenvolva.
O IEP apresenta também os objetivos que o estudante deve alcançar anualmente, bem como o tipo de serviços e suporte que receberá para que tenha êxito, entre outros: terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia escolar, audiologia, orientação e mobilidade, educação física adaptada, atendimento domiciliar ou hospitalar, atendimento para doenças crônicas, e aconselhamento e treinamento para os responsáveis.
O IEP objetiva igualmente indicar o tipo de atendimento para o estudante. Existem algumas opções que são discutidas na própria reunião do IEP: educação regular, educação regular com atendimento por especialista em sala de recursos, classe especial com currículo regular ou com currículo alternativo e, por fim, escola especial.
Para o estudante ter um IEP, o seu professor deve indicá-lo para a avaliação. Essa apenas ocorrerá se os responsáveis autorizarem. Assim que autorizada, inicia-se o processo de coleta de dados. Com os dados analisados, verifica-se se o estudante faz parte do público-alvo da Educação Especial.
A minha experiência com o IEP na Califórnia
Quando soube que seríamos transferidos para os Estados Unidos, a minha primeira ação foi reunir os laudos médicos do meu filho com TEA e o histórico escolar com tradução juramentada para o inglês. O meu objetivo era que ele recebesse todos os atendimentos necessários para o seu desenvolvimento, como fonoaudiologia, terapia ocupacional, professor especializado e assistente na sala de aula.
Devido aos laudos médicos brasileiros, de início, ele foi matriculado numa classe especial com outras crianças com outras deficiências. Já na primeira semana, tive uma entrevista com o professor, que informou que o meu filho seria avaliado para verificar se qualificaria para os atendimentos especializados na escola. Não basta um laudo médico.
O desconhecimento dos comandos verbais em inglês fez o meu filho reagir com comportamentos inadequados. Isso acelerou o processo de avaliação do IEP. Em poucos dias, recebemos o pedido de autorização para a avaliação.
Com a autorização assinada, iniciou-se o processo avaliativo. Preenchemos, em casa, diversos questionários sobre o desenvolvimento da criança e escalas de comportamento. Concomitantemente, o pequeno era avaliado pela psicóloga escolar, fonoaudióloga e professor de educação física adaptada na escola. Nós também fomos entrevistados pela fonoaudióloga e enfermeira da escola.
Leia mais sobre Transtorno de Espectro Autista e Autismo na Estônia: uma abordagem diferente
Após um mês, recebemos relatório da psicóloga escolar com a conclusão de que ele seria elegível para a Educação Especial e o convite com o agendamento da reunião de IEP com a equipe especializada.
Finalmente, chegou o dia da reunião. Eu e meu marido estávamos ansiosos e felizes. Era o que queríamos: atendimento individualizado e especializado. Fomos recebidos pela vice-diretora da escola. Entramos em seu escritório e todos os profissionais que atendiam o meu filho nos aguardavam. Estava presente, igualmente, um intérprete de português.
Todos se apresentaram e assinamos uma lista de presença com a indicação da função de cada um. Foi nesse momento que conheci alguns dos profissionais que estavam acompanhando o meu filho.
A vice-diretora leu, por obrigação legal, um resumo sobre as normas e objetivos do IEP. Explicou as funções de cada um dos presentes e ressaltou que os pais seriam parte da equipe. A nossa voz teria o mesmo peso que a dos demais.
Cada profissional tinha um relatório descritivo sobre o meu filho. À medida que liam os pontos negativos, eu enfatizava os pontos positivos e explicava como fazia em casa e na escola brasileira.
Cada profissional da equipe apresentou os seus objetivos a serem trabalhados, assim como os serviços e acomodações. Também foi indicado o tipo de atendimento ou modalidade de Educação Especial. Saímos com objetivos traçados e com o número de minutos de atendimento semanal em fonoaudiologia, terapia ocupacional e educação física adaptada.
Infelizmente, achei muitos dos objetivos aquém das capacidades do meu filho. Contudo, nervosa, não reagi com a veemência necessária. Senti–me decepcionada como mãe. Estava insegura e não sabia os limites possíveis de minha reação. Apesar de muita preparação prévia, descobri que não estava pronta para aquele momento que definiria aspectos tão importantes para o futuro do meu filho.
Dicas para pais enfrentarem uma reunião de IEP
Com mais convivência com a Educação Especial norte-americana, depois de fazer parte de grupos de mães, além de estudar mais o tema, compartilho algumas dicas para ajudar os pais a “enfrentarem” uma reunião de IEP. Alguns itens importantes:
- Pais não são obrigados a assinar imediatamente o IEP proposto, nem aceitar os objetivos apresentados, e podem interferir sempre que necessário durante a reunião. Podem levar para casa o documento e revisá-lo;
- Terapeutas e especialistas que atendem o estudante em outras instituições podem ser convidados, porém os pais devem avisar à escola com antecedência sobre a sua presença;
- É fundamental conhecer os termos corretos em inglês da Educação Especial, estudá-los na página eletrônica do distrito escolar.
- O programa de atividades nas férias (“Extended Year Program”) e o apoio de transporte devem estar incluídos no IEP;
- Caso a equipe utilize muitas siglas, peça o significado de imediato;
- Não deixe que os pontos negativos dos relatórios desestruturem você e sua família emocionalmente. Eles são descrições apenas de um momento de vida da criança. Demande que os profissionais apresentem nos relatórios o que a criança consegue fazer, os aspectos positivos;
- É possível contratar especialistas (“advocates”) para acompanhar as reuniões. É bom ter alguém especializado sem envolvimento emocional ao seu lado;
- Os pais são as pessoas que mais conhecem e acreditam no potencial das suas crianças e, portanto, suas opiniões DEVEM ser consideradas na reunião.
Eu e meu marido somos os melhores especialistas sobre o nosso pequeno e, hoje, estamos mais preparados para os IEPs que ocorrem anualmente. De fato, a última reunião, há quatro meses, foi um sucesso! O meu campeão tinha atingido os objetivos determinados, e recebeu outros de acordo com as suas capacidades e necessidades! Fomos escutados e agora nos sentimos parte da equipe!
9 Comentários
[…] nos Estados Unidos quando se faz a reunião do IEP (Individualized Education Program) é possível pedir o Extended School Year (ESY), ou seja, um […]
Olá! Sim, é possível pedir o Extended School Year, o qual acontece em meados de Julho. Depende do Estado e também a deficiência do estudante. Pelo o que tenho pesquisado, esse programa se aplica em sua maioria, em casos de crianças com Transtorno do Espectro Autista moderado ou severo. Não se esqueça de pedir durante a reunião do IEP, ou peça uma revisão do IEP, caso acredite que o seu(sua) filho(a) tenha direito.
[…] Leia também sobre Escola Charter na Califórnia e Programa Individualizado de Educação nos Estados Unidos […]
Os dois textos são excelentes. É muito interessante como funciona as escolas Charters aqui nos Estados Unidos.
[…] O fim não chegou. Sei que a quarentena vai ser longa. Ainda não recebi uma resposta se teremos o Extended Program Year (Programa nas férias para crianças com deficiência para a manutenção da aprendizagem). Sugiro a leitura do texto Programa de Ensino Individualizado. […]
Oi Raquel, sou pedagoga, pós graduada em Ed. especial, trabalho na Prefeitura de SP., gostaria de investir na carreira profissional, e me especializar ainda mais nessa área, vc vê campo nos Estados Unidos, faria o inglês e algum curso voltado para área inclusiva. Estou perdida nesse quesito, pois todas as buscas levam a faculdades, gostaria apenas de cursos…vc poderia me ajudar?.
Oi, Claudia! Tudo bem? Aqui nos Estados Unidos tem campo de trabalho na área da Educação Especial em escolas ou agências. Para trabalhar na área é necessária a validação dos diplomas de graduação e especialização. Os professores para atuarem na escola precisam do Special Education Certification que pode ser de um College ou University. Para trabalhar em agências (clínicas de Análise do Comportamento Aplicada – ABA) precisa da certificação do curso de Registered Behavior Technician – RBT. Fique à vontade para entrar em contato comigo: teamaebrasil@gmail.com
Oi Raquel, sou mãe solo e o meu filho tem 10 anos. Diagnosticado aos 4 anos com autismo.
Estamos em processo de mudança para a Flórida. Estava lendo o seu relato e me preocupei com um detalhe;
Estarei sozinha com ele, o pai não faz parte da nossa rotina e estamos separados há 6 anos.
Será que terei dificuldade em participar do programa por conta dessa peculiaridade?
Meu inglês não é lá essas coisas, posso solicitar um intérprete nas reuniões?
Obrigada
Oi, Raissa. Pode solicitar interprete com antecedência e o IEP traduzido para português. Qualquer dúvida, pode me acionar, tá? Estou no IG para nos ajudar. Abraços, Rachel