O bebê não veio com saúde perfeita. E aí ?
Existem coisas na vida que é impossível saber sem viver. Maternidade é uma delas. É impressionante o que tem de pessoas que não são pais opinando e se achando no direito de dizer como ou o que pais deveriam fazer com seus filhos.
Eu fico muito triste quando vejo ou recebo essas opiniões e palpites. Sei que muitas vezes as pessoas fazem por amor, mas não deixa de soar como uma crítica ao que estamos fazendo. E sinceramente, já tenho culpa demais na minha cabeça para ainda ter que receber mais essa.
Uma coisa que me marcou que ouvi logo que minha filha nasceu de uma psicóloga infantil foi:
Se você não tem nada de positivo a dizer para uma mãe, não diga nada”.
Olha que frase mais poderosa e foi tão verdadeira para mim. Fez tanto sentido. E daquele dia em diante eu mudei. Passei a prestar atenção no que falava para as pessoas e pensando sempre em ser positiva.
Muitas vezes esses comentários vêm no meio de conversas sem assuntos específicos, o que em inglês chamamos de “small talk” (jogar conversa fora). Conversas para não ficar sem assunto ou ficar em silêncio. Depois de ser mãe e conviver com amigas e amigos com opiniões diferentes sobre a vida, desejos e sonhos diferentes, eu mudei muito minha forma de se comunicar com os outros. E hoje, valorizo demais o silêncio.
O silêncio, antes sentido com desconforto, hoje me traz paz. Mil vezes um silêncio sincero do que jogar conversa e palavras por ai. Um professor de filosofia disse uma vez que quando falamos algo, assim que sai da nossa boca não nos pertence mais mas pertence a quem os ouve.
Olha que reflexão: assim que sua opinião sai da sua boca, ela pertence a quem a ouve, ou seja, não é mais seu. Quantas vezes falamos algo sem querer ou querendo dizer outra coisa mas sai errado? Ou quantas vezes até sai certo de nossas bocas, mas chega como uma bomba nos ouvidos das pessoas?
A palavra tem um poder incrível. Ainda bem que hoje em dia se tem muito mais discussão e consciência aos padrões e expressões que falamos, que saem da nossa boca. Por exemplo, perguntar para um casal quando eles vão se casar. Ou quando terão filhos. Ou quando terão o segundo filho.
E ai você deve estar pensando: “Qual o problema em fazer essas perguntas?”
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Vou falar isso com muito amor: porque você, nem eu, nem ninguém tem nada a ver com a vida dos outros. As pessoas se casarão quando quiserem, terão filhos quando e SE quiserem e quantos quiserem.
A verdade é que não sabemos da vida do outro e não sabemos o peso que perguntas e desejos simples podem impactar no outro. Não sabemos se a pessoa quer casar e não sabemos se uma quer casar e a outra não. Ou seja, veja o constrangimento que sua curiosidade causa.
Ou pior que isso, se o casal não pode ter filhos. Ai vai alguém perguntar: “E quando vocês terão filhos?”, sem ter a menor ideia das lágrimas, da luta, das perdas por trás daquele sorriso triste e a resposta que vem. E pasme, nem todo mundo quer ter filhos. Ah, a liberdade…
Tenho amigos que têm um filho e sofreram a infertilidade após o primeiro. Tentaram engravidar por quatro anos sem sucesso. E outro casal que sofreu três perdas de bebê, todos com mais de 12 semanas de gestação. Pensa então na dor que sua pergunta causa em um simples “quando vem o segundo?”.
O meu filho não veio com saúde. E aí?
E nessas reflexões da vida, na minha família, o que ninguém mais fala aqui quando alguém engravida é “o importante é que venha com saúde”, ou “se vier com saúde está tudo bem” e suas variações.
Bem, meu bebê não veio com saúde. E aí? E essa frase me perseguiu durante a gravidez e muitas pessoas não sabiam o que estávamos passando. Quantas pessoas que desejaram ao meu filho “que venha com saúde”, e sabíamos desde 20 semanas de gestação que ele teria complicações.
Eu sei que as pessoas falam por amor, mas não dói menos. E vou além…. qual o problema se o bebê não vier com saúde? Será menos amado?
Eu acho que o começo da culpa e da aceitação esta aí, nesse “desejo”. Desejo pelo perfeito. Pelo parceiro/a perfeito. Pelo namoro perfeito. Pelo casamento dos sonhos (sonhos de quem, já que tem quem não sonhe em casa). A gravidez perfeita e óbvio com saúde, o parto perfeito. Amamentação sim, mamadeira, não.
As pessoas esquecem que somos diferentes uns dos outros. Para mim, não vir com saúde nunca foi um problema. Quando namorava meu marido, tivemos essa conversa. E respeito quem pensa diferente, claro. Porém, para mim nunca foi problema.
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E ai, quando meu filho nasceu, ele não veio com a saúde, ele veio com muitos desafios que só nos fazem crescer como pessoas, como famílias e admirar a sua coragem de enfrentar a vida.
Para nós, o bebê não vir com saúde significa nos entregar a nossa fé, amar mais ainda e agradecer cada minuto juntos. Durante toda gravidez do meu filho, ouvi dos médicos que as chances dele sobreviver era pequena, que tudo era imprevisível. E sabe, ele é incrível, mesmo não tendo vindo com saúde é muito amado.
Ouvir das pessoas “o importante é que venha com saúde” quando sabíamos que ele não viria não foi fácil. E como nunca sabemos a vida dos outros, aprendi com meu filho que temos que ter cuidado com o que dizemos.
Esse final de semana mesmo, estava conversando com uma amiga que quer ter mais um filho mas tem medo dele não vir com saúde. Olha que doideira. E eu disse “então, o Dani tem um probleminha de saúde e está ai”. E o silêncio se instaurou.
E se o bebe não vier com saúde? E aí?
2 Comentários
Aline parabéns pó seu texto. Meu primeiro filho.nasceu com um tumor chamado hemangioma no lábio superior, eu não sabia falte antes dele nascer. O amor é o mesmo, ficamos mais forte, aprendi muito sobre a doença, amo o meu primeiro filho com a mesma intensidade, com sua doença aprendi a lidar com as diferenças a aceitar que nem tudo acontece como nos queremos. . Também aagradeço a Deus por ter me dado meu filhote do jeitinhonque ele é e muita sabedoria para lidar com esta situação. Tudo nesta vida tem um sentido . Obrigado por compartilhar sua história.
Tenha um domingo feliz😘
Luciana,
Exatamente isso. Amamos igual, até mais se bobear pois o senso de proteção de querer poupa-los do mundo de uma forma leonina e intensa, é demais não é?
Somos tão mais fortes do que imaginamos. E não importa se vem ou não com saúde.
Eu imagino o susto de você descobrir quando ele nasceu. Espero que esteja bem.
Obrigada pelo comentário.
Beijos