Música e autismo: uma combinação favorável para a aprendizagem
Complete para mim: – Se você está feliz, bata ….. Bateu palmas? Você pelo menos sorriu? Você canta ou já cantou essa canção para os seus filhotes? Alguma música te aflora sentimentos?
Eu adoro cantar, mas não tenho ritmo, não sou afinada. Porém, continuo cantando para o meu guerreiro. Deixo ele sempre completar a última sílaba. Já a minha filha está um pouco mais crítica com o avançar da idade, e já vai falando aquele: para mãe! Com certeza ela me entregaria o troféu abacaxi do Chacrinha, ou se fosse júri no The Voice, não deixaria eu passar para a próxima fase.
Tanto minha filha como o meu filho possuem aula de música na escola americana. É comum fazer parte do currículo ou de atividades extra-curriculares por aqui. No ano passado, vi a minha filha cantando na apresentação natalina no final do ano. No ano letivo de 2019-2020, ela escolheu o violino para aprender a tocar. Infelizmente, devido à pandemia as aulas de violino foram interrompidas, mas a de música (canto) continuaram de forma online pelo ZOOM e com muita motivação.
Já com o meu filhote, o qual estuda numa escola especializada para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e quadro assemelhados, a música também faz parte do currículo escolar, porém parece ter algo mais.
Posso dizer que a música é realmente transformadora para as crianças com TEA e outras neurodiversidades, quando se trabalha com uma intenção e objetivos. Tive a oportunidade de acompanhar as classes durante esse período de ensino remoto (duas vezes por semana por meia hora via ZOOM), crianças prestavam atenção na professora de música, imitavam os gestos da mesma, emitiam sons, completavam partes da música, e eu não via oscilações de humor. Um detalhe com grande significado: a aula tinha um planejamento, estrutura e apoio visual para a criançada. Era uma alegria. A professora parecia uma regente com total domínio da sua orquestra. Era uma encantadora de crianças, e a sua magia era a música. Uma simples observação maternal.
Em busca de respostas para a minha observação materna
Uma das palestras que tive o prazer de assistir aqui em Los Angeles foi do fundador do projeto americano Music for Autism (Música para Autismo), o psiquiatra Dr. Robert Accordino. Na palestra que proferiu, ele fez um resgate de vários estudos sobre autismo e música. Ele iniciou a sua fala relembrando sobre o artigo do psiquiatra Leo Kanner, escrito em 1943. O artigo descreve as características autísticas de 11 crianças. De acordo com o palestrante, seis crianças apresentavam interesses ou habilidades musicais. A partir do artigo de Kanner, pesquisas sobre autismo e música começaram a surgir.
Se você quiser conhecer o artigo do psiquiatra Leo Kanner, Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo (Autistic Disturbances of Affective Contact), clique aqui.
Dr. Accordino et al escreveram o artigo “Procurando o potencial da música: um exame crítico da pesquisa em musicoterapia com indivíduos com autismo” (Searching for music’s potential: A critical examination of research on music therapy with individuals with autism). Nesse artigo escrito em 2007, os autores fazem uma revisão de capítulos de livros e artigos científicos sobre Musicoterapia e Autismo.
Os artigos descritos relatavam como os pacientes se desenvolviam por meio da música nas seguintes áreas: comunicação, habilidades sociais e comportamentos. Interessante ver relatos sobre o aumento do contato visual, aumento da iniciação de contatos sociais, diminuição da ansiedade e de comportamentos inadequados na espera durante a terapia e outros.
Dr. Gustavo Gattino, brasileiro, autor do livro Musicoterapia e Autismo: teoria e prática (2015), revela que a musicoterapia tem a capacidade de reduzir comportamentos inadequados e autoestimulação. Pode-se trabalhar a comunicação, linguagem, a parte motora, percepção das emoções e outras. Recentemente Dr. Gattino conversou com o professor Dr. Lucelmo Lacerda, estudioso brasileiro da Educação Especial. Clique aqui para acessar a conversa.
Projetos musicais para pessoas com TEA
Aqui nos Estados Unidos há o projeto “Music for Autism” que foi fundado em 2007. O projeto iniciou-se em 2002 no Reino Unido. Atualmente tem em Los Angeles, Nova York, Washington D.C., Houston e Maryland. O objetivo é promover um ambiente no qual os indivíduos com TEA possam participar com suas famílias e que possam também interagir com os músicos profissionais locais, por meio de experiências enriquecedores e prazerosas para todos. Se quiser conhecer mais sobre o trabalho, acesse aqui.
Quando penso sobre a minha cidade natal Brasília, lembro do lindo projeto da banda de “Rock Time Out!” O projeto foi idealizado pelo psicólogo Paolo Rietveld em 2017. Na banda, todos os quatros componentes são diagnosticados com TEA.
Time out é um procedimento utilizado na Análise do Comportamento Aplicada(ABA), porém “time out” aqui é “dar um tempo” (time) para os jovens “fora”(out) do consultório, para oportunizar a socialização, vivenciar a sociedade como todos os adolescentes neurotípicos.
Os três psicólogos que trabalham com a banda aplicam o procedimentos da ABA. Os psicólogos observaram ganhos surpreendentes em vários repertórios dos jovens: trabalho em equipe, tempo de espera e habilidades. Um outro aspecto que os terapeutas perceberam foi a autoconfiança.
Tive a oportunidade de assisti-los algumas vezes enquanto eu morava em Brasília. Jamais irei esquecer esses jovens se socializando e se expressando em cima do palco! Camisetas de bandas de rock e bandanas estilo Axl Rose estavam presentes nos roqueiros! E o meu filho na platéia dançava como se eu o levasse para todos os shows e concertos do mundo! Para conhecer um pouco do projeto e a minha música preferida da banda, acesse aqui.
Leia também A batalha de ser mãe de criança autista e Transtorno do Espetro Autista
Outro projeto que eu sou fã de carteirinha é “Uma sinfonia diferente”. O projeto foi criado em Brasília pela musicoterapeuta Ana Carolina Steinkopf, em 2015. Atualmente, o projeto existe também em Porto Alegre (RS) e São Luís (MA).
“Uma Sinfonia diferente” tem como objetivo trabalhar o desenvolvimento das habilidades sociais e linguagem/comunicação em pequenos grupos durante o ano por meio da musicoterapia. Conta com o apoio de voluntários nas áreas de psicologia e terapia ocupacional. Os voluntários ficam no projeto desde o primeiro dia até a apresentação final. Uma das preocupações é a manutenção do vínculo das crianças com os voluntários.
Os pequenos grupos são formados em função da idade cronológica. Para cada grupo é construído um plano terapêutico, sempre observando as necessidades de cada indivíduo, pois como já sabemos no TEA cada um é único.
O projeto utiliza também a Análise de Comportamento Aplicada (ABA) como um aliada nas sessões: reforços sociais e modelação são bastantes utilizados entre outros procedimentos. Eles trabalham de forma multidisciplinar, com psicólogos, fonoaudiólogos e outros profissionais.
O pais também fazem parte do projeto: são orientados a como lidar com os comportamentos inadequados e a como trabalhar com aquisição de novos comportamentos em casa.
Devido ao isolamento social, eles continuam no Instagram no @usdbsb para manter o vínculo com as crianças!!! E eu descobri que todo mundo está convidado a participar! (Marque na agenda! Terças e quinta-feiras, às 19 horas, horário Brasília).
A apresentação final é a culminância de todo um trabalho anual. Fui em duas apresentações quando eu morava em Brasilia. Foram lindas!!!
Percebi que as pessoas que fazem parte do musical se tornam uma grande família!!! Nos dois concertos que eu fui, no final todo mundo estava dançando. Para mim foi muito gratificante ver as crianças e famílias celebrando o desenvolvimento das crianças! Quer conhecer mais sobre o projeto? Clique aqui e aqui.
Para participar do projeto, tem que se inscrever. Fique sempre de olho na webpage e no Instagram. As vagas se esgotam rapidamente!
Qualidade de vida para todo mundo
O que esses três projetos tem em comum? Os três projetos demonstram que quando a música é trabalhada como ferramenta, com um propósito e planejamento, é possível proporcionar qualidade de vida para as pessoas com TEA e outros tipos de neurodiversidades. Cada um dos projetos utiliza a música como um instrumento, dentro das suas áreas de expertise. Os três projetos promovem a inclusão social tanto para as pessoas com TEA quanto para as famílias.
Por aqui, continuarei cantando e o meu filhote acrescentando a ultima sílaba! Panelas e colheres de pau serão retiradas do armário! Quero ver ritmo…e o troféu abacaxi? Se me trouxerem, eu descasco e faço um suco delicioso!
Existe algum projeto musical para pessoas com TEA na sua cidade? Compartilhe com a gente!
4 Comentários
Também incentivo muito as crianças na música. Como você ganharia o prêmio abacaxi mas sigo cantando e cada um tem sua play list e segue fazendo aulas on-line. Acredito muito nos benefícios da música para todos. Força nas aulas on-line querida!
Querida Raquel, seguimos nas aulas on line, terapias on line, isolamento…sem previsão de volta.
Vejo o quanto o filhote tem desenvolvido com os estímulos musicais.Gostaria que outras crianças com Transtorno do Espectro Autista tivessem a mesma oportunidade. Aprendi muito fazendo o texto. Tenho um outro olhar sobre a música!
Obrigada pelo carinho,
Rachel
É isso ai Rachel, nunca deixe de cantar!
Lindo texto!
OI, Verônica! Obrigada pelo feedback sobre o texto! Vou continuar cantando sim!!! Espero um dia escutar a voz do meu pimpolho! Um abraço virtual!