O contexto do assunto: semana passada aqui na Austrália, um garoto de nove anos que nasceu com achondroplasia, um tipo raro de ananismo, sofreu bullying (ameaça, intimidação ou importar alguém) na escola. Sua mãe, desesperada sem saber mais o que fazer, gravou um vídeo dele aos prantos expressando sua raiva perante a vida, aos bullies. Claro que como toda mãe, ela jurou que o protegeria. Para ler mais clique aqui.
A gota d´água
O vídeo é difícil de ver, eu chorei, choramos todos com a fragilidade de uma criança falando que queria tirar a própria vida pois não aguentava mais toda dor. Ele tem nove anos.
A mãe é ativista e vem há anos trabalhando e chamando atenção para discriminação quanto a raça (ela é aborígene e nem quero tocar no assunto em como eles são discriminados aqui) e para vida com uma criança com necessidades especiais.
Ela descreve o que eles vivem, o medo que ela tem de perder o filho que fala em se matar todos os dias e o impotência de não saber mais o que fazer. Ela ainda fala que as políticas anti-bullying da escola não estão funcionando, nos levando a crer que os pais das crianças que cometeram o bullying foram notificados e que a escola está ciente. O vídeo foi publicado em sua rede social e se tornou viral, sendo amplamente divulgado e compartilhado.
Yarraka Bayles já apareceu em noticiário falando sobre as dificuldades de ser mãe e de ser uma pessoa anã e trazendo um pouco de consciência e informação para sociedade. Ela é defensora orgulhosa de sua cultura aborígene e mãe de mais outras três crianças.
A repercussão do caso
A repercussão foi imensa, vários atores e personalidades mandando mensagens de apoio a ele e um ator americano que também nasceu com ananismo, montou uma página do Go Fund (plataforma de arrecadação de fundos) para ajudar a arrecadar dinheiro para levar Quaden para Disney e realizar um dos seus maiores sonhos.
O capitão do time de futebol australiano entrou em contato com Yarraka, mãe do Quaden, perguntando se ele gostaria de entrar com o time na partida contra o time Maori, Neo Zeolandês no sábado. Dois times indígenas. Um dos maiores sonhos de Quaden é jogar fotty, como dizemos futebol aqui. Mas sua mãe, em sua sabedoria disse “eu sei e ele sabe que jamais conseguirá realizar esse sonho e eu não minto para ele, então isso é o mais próximo que ele chegará a realizar esse sonho e ele sabe disso”.
Em entrevista mais tarde naquele dia, Yarraka disse que seu filho mencionou que o dia tinha começado como o “pior de sua vida” e estava terminando como “o melhor”. Que amostra de realidade essa não?
Quaden tem nove anos e lida diariamente com uma realidade que poucos conhecemos. Por conta do ananismo, ele tem alguns problemas de saúde e já passou por diversas cirurgias para melhorar sua qualidade de vida. Além de conviver com todas as sequelas físicas, ele ainda convive o psicológico e emocional, adicionando os bullyings.
E sua mãe, vendo tudo e fazendo o que pode, em um desses momentos de revolta, pede para ele se pode filmar e publicar para mostrar para todo o mundo os efeitos do bullying e implora que os pais eduquem seus filhos, amigos, parentes e parem de apontar e humilhar quem é diferente deles.
Leia também: Como lidar com o bullying?
Sim, você leu bem. Ela pediu para ele se podia filmar. Essa mãe, que jurou proteger seu filho e sofreu calada tantas vezes, e que certamente confortou seu filho tantas outras, fala nessa entrevista, que pede para ele se pode publicar qualquer coisa antes de fazê-lo, pois de acordo com ela “ele parece frágil, mas ele tem nove anos e consegue perfeitamente falar por si só”.
Pense você: uma mãe vê seu filho que tem sérios problemas de saúde e uma necessidade especial aparente, chegando em casa da escola chorando, com ódio do mundo e dela também por não conseguir fazer nada para sua dor parar. Com desejos suicidas. Essa mãe já falou com escola, fortaleceu seu filho, luta diariamente para conscientização e nada disso dá resultados. Ela, desesperada (você ouve o choro e o desespero em sua voz), e com medo de perdê-lo, resolve fazer algo extremo.
O que acontece depois é um desdobramento de admiração, apoio a essa família, realização do sonho do Quaden que entrou em campo com seu time de rugby, uma discussão infinita sobre bullying e como educar nossos filhos para um mundo diferente.
E aí o inacreditável aconteceu. Um boato que aquela criança era na verdade um ator e tudo não se passava de uma fraude, que sua mãe era uma aproveitadora e a família é cheia da grana. Veja detalhes aqui.
Leia mais: Lidando com o bullying no Canadá
Eu fiz um post no facebook do meu blog e recebi alguns comentários que fiquei sem acreditar. Uma amiga inclusive me mandou uma mensagem me alertando da fraude e outra falando para apagar pois era um absurdo eles quererem dinheiro (sendo que nem foi a família que organizou dinheiro nenhum), e muitas críticas a atitude da mãe.
Fui pesquisar e conforme ia lendo mais sobre o caso, sobre a mãe, mais me comovia, mais me simpatizava e mais admirava essa mulher corajosa que enfrentou todas as críticas com uma classe que eu jamais teria.
Lendo alguns comentários e críticas em relação a ela, Yarraka, alguns muito pesados e cruéis, foi me dando um nó no estômago. Eu não vou reproduzir os comentários pois não quero perpetuar coisas horríveis que foram ditas para uma mãe desesperada pelo bem-estar de seu filho. Ela, mesmo naquele desespero, chorando e disse ter pedido autorização para ele antes de tudo, antes de qualquer post e ai eu penso: quantas mães fazem isso? Pedem autorização para seu filho antes de postar algo sobre ele em mídias sociais expondo sua vida, uma vida que não é nossa?
Vamos pensar sobre o assunto?
E não tenho aqui intenção de discutir se ela agiu ou não corretamente pois para mim, ela fez o que achou que deveria ser feito na hora, porém gostaria de falar sobre o fato de tanto, todos os dias mães julgarem tantas mães achando que ela deveria fazer assim, não fazer assado.
Se tem uma coisa que aprendi com a vida em meus quase 40 anos é que não existe nunca uma verdade. Li um livro uma vez que dizia que existem sempre pelo menos três verdades: a versão de um, a de outro e o que realmente aconteceu. E outra coisa: se não tem algo positivo a dizer, não diga nada. Por que tantos comentários negativos julgando a atitude de uma mãe desesperada?
Quando vi o vídeo eu senti a tristeza e desperto não só naquele gurizinho de nove anos passando por coisas horríveis, que pode acontecer com qualquer um de nós, mas eu ouvi a voz daquela mãe também. Por que não somos mais solidárias umas com as outras e acreditamos que do mesmo jeito que algumas pessoas acham um absurdo criança pequena ver TV, levar bebê para escola, dar mamadeira e tantas outras decisões que tomamos pensando no melhor para nossos filhos, para outras mães, o que nós fazemos não funciona. E está tudo bem, pois somos diferentes e nossos filhos são pessoas diferentes.
Por que, ao invés de criticar a Yarraka não conseguimos abraçá-la, mesmo que virtualmente, e dizer: “estamos juntas. Sua dor é a minha dor. Eu vou educar meu filho para que ele nunca faça isso com ninguém”?
Mais empatia, por favor!
Somos pais e pais dão a vida pelos filhos. Eu dou minha vida pelos meus e eu só consigo imaginar a dor dela em não conseguir proteger seu pequeno amado filho de um mundo tão cruel. E sabe, às vezes mesmo com todas as ferramentas que damos a nossos filhos, eles tomam decisões que não conseguimos entender. Essa mãe vive a realidade de um filho com tendências suicidas. Imagina o que é isso? Seu filho, a pessoa que você mais ama no mundo e dá a vida, te falando todo dia que quer morrer?
Como minha mãe sempre me ensinou que pessoas são pessoas e nascem de formas, cores e jeitos diferentes e essa diversidade que faz o mundo tão interessante, eu ensino para meus filhos. Minha mãe acolhia o mundo, e para ela, diversidade era um assunto bem sensível também. Ela viu o preconceito por suas irmãs, uma delas com síndrome de down.
Eu só queria abraçar você, Yarraka. E você Quaden. Repetir em seus ouvidos que estamos juntas e para você, menino forte, que se depender de mim, nenhuma pessoa que cruzar a vida dos meus filhos passará pelo que você passou. Enxugue suas lágrimas, menino lindo e vamos lutar por um mundo mais gentil para todos. Você já esta fazendo uma baita diferença.
Observação: A família recusou o dinheiro arrecadado pelo go fund e indicou seis instituições de caridade para que os $700 mil doláres fossem distribuídos. Leia mais aqui.
2 Comentários
Aline, teus textos sao um balsamo para a alma. Sempre consegues encontrar a oalavra e a reflexao certa.
Estou 100% de acordo contigo, é dever dos pais transmitir aos aeus filhos, a empatia, a solidariedade e o amor aos outros para que eles nao se transformem em cruéis julgadores.
Ah Zandra, obrigada querida :).
Assim que penso. POdemos mudar isso educando nossos filhos e agir se eles forem os julgadores ou bullies. E nós, darmos exemplo.
Beijos