Irmãos de crianças com deficiência: um cuidado mais do que especial
Com o primeiro filho(a), cada chupeta que cai no chão a gente guarda na bolsa, lava e esteriliza. Para o segundo(a), a gente joga uma “aguinha”. Para por aqui, pois não tive mais um bebê, talvez com o terceiro eu esfregaria a chupeta na minha camiseta e entregaria de volta. Parei com dois pequenos, apesar de gostar de crianças.
Fui criada numa família de quatro filhos. Cada um tem uma personalidade diferente, uma forma de pensar e de agir, apesar de termos sido criados no mesmo ambiente. Apesar de fazermos parte do mesmo núcleo familiar, os momentos de vida eram diferentes, assim como a situação econômica familiar e o rigor na criação. Uma coisa que não mudava era a sinceridade. Sempre nos explicavam o que estava acontecendo, mas de acordo com nossas dúvidas.
Acredito que a relação interpessoal de adultos com crianças deve ser sincera, dessa forma estabelecemos uma relação de confiança e empatia. Repito o que aprendi com os meus pais no meu lar e nas minhas relações familiares.
Assim que a minha filha nasceu, logo em seguida começamos a peregrinação em busca de um diagnóstico para o filhote. O medo de ter mais uma criança com Transtorno de Espectro Autista (TEA) estava presente em mim. Posso dizer que, nos dois primeiros anos, não curti a minha bebê como deveria, eu procurava algum traço que pudesse indicar um possível atraso no seu desenvolvimento. Artigos científicos comprovam essa possibilidade, clique aqui para saber mais.
Ter uma criança neurotípica numa família que tem alguém com deficiência não é tão simples. Ainda mais quando mudamos de país. Temos que ter um olhar diferenciado na relação no núcleo familiar. E muitas vezes estar atento aos comentários externos, principalmente de terceiros na escola.
O primeiro aspecto que quero destacar é o apoio. Nós, responsáveis, tendemos apoiar quem necessita mais, com isso o tempo que passamos juntos com a criança com deficiência é maior do que com a outra criança. Outro aspecto importante é a idealização dessa criança perfeita. Talvez projetamos o nosso desejo nessa criança: a responsabilidade de ser alguém no futuro, que talvez o outro não possa ser, ou que terá que se esforçar muito mais para se tornar independente, autônomo e ou viver sem apoio a longo prazo.
Destaco que estes pequenos também têm os seus anseios, desejos, sentimentos, questionamentos, dificuldades e potencialidades como todo ser humano e que não devem ser anulados pelo fato de não terem uma deficiência.
Outro ponto a refletir é a responsabilização pelo futuro cuidado do(a) irmão(ã) com deficiência. A criança neurotípica também tem essa preocupação. Ressalto que temos que incentivar o papel de irmão(ã) e não de cuidador (a). A criança deve aproveitar a fase do desenvolvimento a qual pertence. Não é equívoco ajudar de forma fraterna, se for de forma salutar.
Leia também: Acompanhamento escolar para crianças com dificuldades na França
Desde pequenina, minha filhota sabe que o irmão tem TEA, assunto que ela me via estudando e conversando com os terapeutas, meu esposo, amigos e familiares. O assunto com o tema deficiência sempre esteve presente no meu lar devido a minha profissão. Ela participava nas festas das escolas públicas inclusivas do distrito escolar em que eu trabalhava. Os brinquedos que não utilizava mais, eram doados para uma escola especializada perto de casa. Sempre nos acompanhou nas terapias. Sempre que possível, matriculo os dois em atividades esportivas. Tento ao máximo envolvê-los em atividades de lazer juntos.
Não abro mão dos profissionais que atendem o meu filho para explicarem sobre o comportamento dele e como lidar. Muno-a de informações para entender as situações que vivencia. Apesar de tudo, já escutou na escola que frequenta que o irmão é estranho. E do seu jeitinho explicou o que era o autismo.
Dúvidas são comuns: Será que ele me ama?Autismo tem cura? Por que ele é deficiente? Por que ele não faz as coisas sozinho? E todas são respondidas de forma sincera. O que não sei responder, pesquisamos juntas.
Para ter o seu tempo, incentivo convidar as amigas para virem aqui em casa, saímos juntas enquanto o irmão está na terapia. Conversamos e brincamos enquanto esperamos numa sala de espera. Incentivo passear com os familiares (avós e tios) quando nos visitam. Muito comum também fazermos o “dia das meninas”. Vamos aos lugares que temos vontade de ir, sem o irmão: uma livraria, um café ou cinema. Assim, ela pode ter o seu tempo e a atenção parental. Eu posso estar mais próxima dela.
Autismo e o relacionamento de irmãos
No artigo com o título O impacto do Autismo nos irmãos, de FERRAIOLI & HARRIS (2009), por meio de uma revisão de outros artigos, os autores descrevem o relacionamento entre irmãos em fases do desenvolvimento. Quando pequeninos, podem engajar em brincadeiras, pois não há um distanciamento muito grande nas habilidades. Já a partir dos sete anos até os 11 anos, já começam a entender mais sobre o TEA, tratamentos e comportamentos. Na adolescência, a vergonha e constrangimento por causa do irmão podem estar presentes. Em alguns casos, começam a compreender a possível perda dos pais. Na vida adulta, surge a preocupação real sobre a perda dos pais e o cuidar do irmão com TEA. Leia mais sobre o assunto aqui.
Num estudo sobre o relacionamento de crianças americanas de origem européia e indiana com seus irmãos com TEA, SAGE & JEGATHEESAN (2010) sugerem que o envolvimento dos pais em prover conhecimento para os seus irmãos sobre o TEA é importante para nutrir o relacionamento entre eles. Clique aqui para acessar o artigo mencionado acima.
Indico o livro “Irmãos Especiais”, de Powell & Ogle (1992) em português, baseado em pesquisas e relatos sobre o tema, inclusive possui algumas orientações para as famílias lidarem com essa relação entre os irmãos. Algumas, eu utilizo como mencionei acima.
Aqui nos Estados Unidos grupos de apoio para irmãos(ãs) são comuns. Muitas vezes precisamos de apoios externos especializados. A demanda que a família enfrenta diariamente quando se tem alguma pessoa com TEA ou quadro assemelhado é enorme, por isso faz-se necessário esses serviços. Segue um link de uma organização americana chamada Sibling Support.
Se você conhecer oficinas para irmãos de crianças com TEA no Brasil, deixe nos comentários. E aproveite os seus pequenos! O tempo passa muito rápido!
6 Comentários
Trabalho nessa área cerca de 15 anos e o conhecimento é sempre a melhor saída, não há dúvida sobre a responsabilidade que recai no irmão/irmã com desenvolvimento típico, acredito que o diálogo e os momentos com cada um fazem toda a diferença.
Oi, Ana Tereza! Obrigada por ter lido o texto. Diálogo é muito importante e a definição dos papéis também: Cuidadora X irmã. Um grande abraço virtual, Rachel
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Oi muito bom, queria seu telefone g pra conversar sobre a Califórnia, recebemos convite pra Califórnia, em receio,;porque nosso filho autista não tem irmão
Oi, Viviane! Estou à disposição para conversar com você! Segue o meu email teamaebrasil@gmail.com ou mande uma mensagem no meu Instagram: Rachel Botelho. Passo tudo o que aprendi por aqui! Um abraço virtual,
Rachel
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