Este mês vou apresentar a história da Munique Miranda, que faz a diferença na minha rede de apoio e quem me estimulou a buscar uma avaliação para a Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) para o meu filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Munique mora nos EUA desde 2017. É uma pessoa que tem o dom de dar a volta cima e está sempre otimista. Nos EUA, ela se reinventou para dar o melhor para seus filhos, além de apoiar outras mães com filhos com autismo e deficiência auditiva. Foi nos eventos para a comunidade brasileira com filhos com o TEA que conheci a Munique. Nesta entrevista, ela nos conta a sua caminhada até chegar à Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA).
MMA: Como você ficou sabendo do diagnóstico de deficiência auditiva do seu filho?
Munique: Assim que ele nasceu, foi realizado um exame que se chama Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), popularmente conhecido como teste da orelhinha*. Esse exame é realizado em até 48 horas após o nascimento do bebê, com o objetivo de detectar de forma precoce perdas auditivas congênitas. Infelizmente, não tivemos uma resposta satisfatória. A nossa primeira fonoaudióloga, Flávia Miranda Fernandes, nos encaminhou para fazer um outro exame, Potencial Auditivo do Tronco Cerebral (BERA), no qual tivemos o diagnóstico de surdez bilateral profunda.
O implante coclear foi realizado com quantos anos?
Ele foi realizado com 1 ano e 4 meses. Foi um dia de muita alegria para nós! Foram cinco horas de cirurgia e cinco horas de sorrisos largos aguardando o nosso vencedor voltar do centro cirúrgico!
Por que você decidiu fazer o implante coclear no seu filho? Quais eram as suas expectativas?
Eu gostaria que ele tivesse mais acessibilidade. Ele poderia ter uma vida dentro da “normalidade”, caso fosse usuário da comunicação alternativa Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Porém, ele teria que superar mais obstáculos para acessar necessidades básicas, como escola. Nem todo mundo sabe LIBRAS. Eu também quis dar a ele a possibilidade de ouvir. E, claro, se caso ele não fizesse questão, depois de compreender a utilidade da audição, ele poderia abrir mão do implante coclear. No entanto, eu teria dado mais uma possibilidade de escolha para ele.
Após o diagnóstico do autismo, eu me senti muito feliz com a nossa decisão de optar pelo implante, uma vez que com essa “ferramenta” podemos acessá-lo mais facilmente. Com a audição, temos menos uma barreira para a nossa interação, sabendo que uma das maiores dificuldades do TEA é a comunicação social.
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Alguma dica para as mães que acabaram de receber o diagnóstico de deficiência auditiva?
Eu tenho um respeito muito grande pela comunidade surda. Acredito na potência da comunicação por meio de LIBRAS, mas infelizmente em alguns países o acesso ao mercado de trabalho, acesso às universidades e às escolas em geral é ainda difícil demais. É uma decisão muito pessoal, quando se diz respeito a permitir que um filho tão pequeno enfrente uma cirurgia. Pessoalmente, no meu caso, vejo que foi uma das melhores decisões que tomei. A minha dica é para que caminhem em busca do implante coclear e deem a opção de escolha ao seu filho!
Quando chegou o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista?
Começamos a desconfiar com 2 anos e 6 meses, pois os comportamentos que o meu filho tinha desde pequenininho se confundiam dentro do diagnóstico de surdez. Com 2 anos e 6 meses, começaram as estereotipias (comportamentos repetitivos) e então tivemos a certeza de que tinha mais alguma coisa. Aos 3 anos, ele foi diagnosticado com TEA.
Por que decidiu largar tudo e vir para os EUA?
Viemos com o desejo de dar aos nossos filhos uma vida com mais possibilidades.
Como foi a adaptação dos seus filhos no novo país?
São três filhos e cada um teve uma experiência. O meu filho mais velho optou por voltar e está feliz no Brasil. Não se adaptou! Creio que por conta da idade, pois chegou aqui com 16 anos. O meu filho mais novo está completamente adaptado, ele tem 7 anos. Ama a Califórnia e quer ir ao Brasil somente para visitar a família. Já para o meu filho com TEA e deficiência auditiva, atualmente com 9 anos, foi mais uma das montanhas que ele precisou subir na vida. Diante das mudanças, a regressão dele foi enorme, descemos muitos degraus da nossa escada no mundo atípico. No entanto, com a doçura e determinação deste vencedor, ele está alcançando lugares que nunca imaginávamos que ele um dia pudesse chegar. Ele está se desenvolvendo muito bem!
Você vem estudando sobre Comunicação Alternativa e Aumentativa (CCA). Poderia nos explicar o que é?
A Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) é uma área da Tecnologia Assistiva que ajuda indivíduos sem fala, com prejuízos em sua comunicação e ou dificuldade de falar ou escrever de forma funcional. Utilizam cartões com fotos, pranchas de comunicação com imagens pictográficas, sistemas de troca de figuras, vocalizadores como o Dynavox e outros recursos disponíveis para auxiliar a comunicação receptiva e expressiva. Às vezes nos perdemos no desejo de ver nossos filhos falando e nos fechamos para entender o processo no qual a fala acontece. É bem mais complexo do que imaginamos. Antes da fala se faz necessário a aquisição do subsistema da língua, que inclui o sistema fonêmico, semântico, pragmático. Mais importante do que a fala em si é a criança se comunicar de forma funcional!
Com quantos anos pode-se iniciar?
Iniciamos a CAA quando meu filho tinha 8 anos, pois não tínhamos o conhecimento. A comunicação dele mudou de forma substancial! Começamos com o uso de um Ipad e o aplicativo chamado LAMP- Words for life, pois ele tem muita facilidade no manejo de eletrônicos.
Como escolher a melhor CAA?
É importante verificar as habilidades de cada criança no momento da escolha da CAA. Se essa criança tem atraso motor, talvez a LIBRAS não seja o mais apropriado. Já se essa criança tem dificuldades com tecnologia, o uso de um Ipad talvez não seja a melhor opção no momento. O Picture Exchange Communication System é uma das opções mais usadas. São cartões com pictogramas ou com fotos, a depender da capacidade de abstração das imagens pela criança. Na minha experiência pessoal, logo após o início do uso da CAA, a vocalização das palavras começou a surgir! Hoje, após 6 meses de CAA, o meu filho é capaz de usar a fala em 40% de seus pedidos. Ainda não é uma fala perfeita, mas o nosso mundo se TRANSFORMOU!
Como assim se transformou?
Os gritos, as birras, a ansiedade, tudo isso diminuiu em quase 100%. Por causa dessa minha experiência pessoal, e minhas leituras, eu recomendo que as famílias com filhos com TEA e não-verbais busquem um profissional de fonoaudiologia e peçam ajuda para a iniciação deste processo o quanto antes. Sempre gosto de lembrar que quanto mais cedo fizermos as intervenções necessárias, melhor. Tem uma frase da Temple Grandin que diz: “Se um sistema de comunicação adaptado para a criança não for colocado em prática, o único recurso dela será o comportamento”.
Muitas famílias têm medo de inserir o CAA pois acreditam que pode atrasar a fala. Como você vê essa questão?
Essa história de atrasar a fala é um mito! Eu só fui entender sobre isso depois que estudei sobre o assunto. Antes eu tinha muito medo, já que o meu desejo sempre foi ver o meu filho falando. Na verdade, com a implementação do CAA, a possibilidade da fala aumenta devido à aquisição de linguagem. As palavras começam a ter sentido e a formar um dicionário no cérebro! A criança começa a experimentar o poder da comunicação de forma funcional e entende o motivo pelo qual ela precisa se esforçar para isso. Com a comunicação e a linguagem ampliada nasce a possibilidade da fala! O CAA está mudando a história do meu filho e o clima da nossa casa, pois as birras e as crises diminuíram muito!
Você escreveu um texto sobre ser apenas mãe e não utilizar a palavra atípica. Pode explicar melhor?
Acho que os rótulos acrescentam mais peso do que soluções. A ideia de um mundo inclusivo nos possibilita ser quem somos, independentemente de raça, cor, opção, ou qualquer situação que nos faz estar distante da “normalidade”. Essa tal normalidade, que para mim é irreal pois somos todos diferentes. Se somos todos diferentes, a acessibilidade deveria ser para todos.
O título de mãe atípica, ou de criança especial, nos impõe a lutar por um espaço que já deveria nos caber, que já deveria nos aceitar, que já deveria nos incluir de forma fluida, leve. SER HUMANO na forma mais íntegra da palavra. Essa é a minha ideia, o que arde dentro de mim e a causa que eu luto! A inclusão não é um favor, mas um direito!
Alguma mensagem para as mães com filhos com deficiência?
A maternidade é como uma caixa de presente, daquelas bem embrulhadas, linda! E o seu filho é o seu presente! Não importa se ele tem alguma deficiência aparente ou se ele tem uma deficiência que não é perceptível. Pode ser que tenham comportamentos inadequados, ou qualquer outra dificuldade. Os filhos são a geração seguinte, são oportunidades de crescimento, são a nossa evolução, a nossa continuidade. Eles são seres humanos que nos impulsionam da forma mais amorosa e prazerosa a lutar por dias melhores. A mensagem que quero deixar é o que aprendi por meio da minha vivência: aproveitar esse PRESENTE nas suas formas de expressar, ao máximo possível! Desfrutando cada segundo e possibilitando o melhor para ele(a) e para toda a família.
Agora entendo o nome do seu Instagram @vencedores.autismo. Parabéns pelo seu filhote, ele realmente é um vencedor!
8 Comentários
Realmente lindo! Excelente entrevista.
Obrigada Ana Tereza! Eu acredito que é muito importante darmos voz o mais cedo possível para as crianças com Autismo! Aqui nos Estados Unidos, eles iniciam a comunicação alternativa desde a educação precoce. Um barato ver os pequeninos se comunicando!
Um abraço virtual,
Rachel
Parabéns Munique!! Vc é uma guerreira em todos os sentidos!! Gratidão e muiiiiiito Orgulhosa de vc!!🥰🙌
Querida Fátima, conhecer a Munique aqui em Los Angeles foi um grande presente para mim. Nunca vi pessoa tão determinada, lutadora e com um coração enorme. Fiquei muito feliz dela ter feito a entrevista, pois a história do seu filhote é linda! Realmente é um vencedor!
Ola Rachel, saudades! Que intrevista linda! Amo ler seus artigos até mesmo porquê é uma forma de nos sentirmos próximas não obstante os km que nos separa. Amo me aproximar das experiências de vida das familias que simplismente acolhem os filhos, os abraçam e fazem parcerias com eles. Eu também não gosto das palavras” atipica e especial”. Somos únicos e irrepetiveis, com características que podem facilitar ou dificultar nossa convivencia e adaptação social. Mas todo ser humano é assim. Parabéns pra você e todas as mães que vivem os desafios da maternidade e da vida com amor e criatividade. Um abraço pra você e todas as mães do mundo por acreditarem e investirem no seus filhos.😘😘😘
Obrigada Irmã Lia, a Munique me fez refletir sobre o atípico e especial. Tenho muitas saudades das nossas conversas sobre Análise do Comportamento e autismo. Um abraço virtual,
Rachel
Amei! Parabéns a todos envolvidos na entrevista.
Obrigada Pollyana pelo carinho! Um abraço virtual!