Como é ser mãe cadeirante na Suíça.
Moro há 13 anos em Genebra, na Suíça, e nunca imaginaria o que o futuro me reservava. Aos 22 anos e recém chegada do Brasil, fui diagnosticada com uma doença rara que atinge a medula espinhal e o encéfalo. Esta doença aos poucos foi tirando minha mobilidade. Foi assim que, aos 30 anos, comecei a fazer uso da cadeira de rodas. Foi e é extremamente difícil aceitar essa mudança progressiva na minha vida. Psicologicamente é bem complicado, ainda mais que fui perdendo a mobilidade aos poucos. Coisas que eu fazia há dois anos atrás, hoje não faço mais. Sendo mãe de três crianças e hiperativa, tive que reaprender a viver. Estou sempre me adaptando ao meu novo eu.
Sempre viajo ao Brasil e desde que comecei a usar a cadeira para me locomover, pude notar muitas diferenças entre os dois países. Os suíços são geralmente frios e indiferentes, aqui é aquele famoso “cada um por si”. Já o Brasil tem mais calor humano, aquela alegria de viver e um jeitinho pra tudo.
Abaixo, falarei sobre alguns exemplos do que pude observar entre os dois países:
Atendimento prioritário e empatia
No Brasil todas as repartições públicas são obrigadas a dispensar atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência física, lactantes, gestantes, idosos acima de 65 anos e a pessoas com crianças de colo. Na Suíça isso não existe. Faça a fila como todo mundo!
Quando eu ainda conseguia caminhar ia ao banco, supermercado e outros locais públicos e esperava como todo mundo na fila, indo além da minha condição física, mas sem nenhum privilégio. Fiz isso o quanto pude. E nesta época usava uma bengala, mas eles não sentem necessidade alguma de te dar prioridade. Aqui, eu sou ”igual” perante a sociedade.
Já no Brasil, as empresas de transporte coletivo, por exemplo, têm a obrigação de reservar assentos devidamente identificados. Na Suíça o ônibus, o metrô e o trem têm um lugar reservado para os cadeirantes. Agora, para idosos, gestantes e crianças de colo, vai da boa vontade de cada um.
Acesso ao transporte público
Quando uso o transporte coletivo, o que é muito raro, já vi motorista fazer cara feia, pois eles precisam descer e tirar a rampa para que eu possa ter acesso. Já teve um que não desceu, que fingiu que não me viu, o que é muito difícil, pois não passo despercebida em lugar nenhum. Estas situações são traumatizantes e marcam a gente. Há pessoas completamente indiferentes às necessidades dos outros, é você que tem que aprender a digerir as situações e não levar pro lado pessoal. Hoje, tenho um carro adaptado e faço tudo com ele. Isso me evita esse tipo de situação que me machuca bastante.
Quando viajo de trem bala ou interestaduais, tenho que ligar com 48 horas de antecedência para avisar que sou cadeirante. Assim, um funcionário vem me ajudar e colocar a cadeira em um local adequado.
O acesso nas ruas
Onde moro a maioria das ruas e calçadas são acessíveis, as portas são automáticas ou com a maçaneta um pouco mais baixa. Também é possível pedir uma chave exclusiva para deficientes em uma associação para pessoas com necessidades especiais, que dá acesso a estacionamento gratuito, banheiros adaptados e elevadores para cadeiras de rodas.
Tratamentos de saúde e adaptação pessoal
Os tratamentos de saúde que disponho na Suíça em nada se comparam ao que teria acesso se estivesse no Brasil. A medicina é de ponta, melhores tratamentos possíveis, infelizmente sem chances de cura. Tenho tratamento adequado mas sinto falta do nosso calor humano brasileiro. Escolhi viver na Suíça por diversas razões e uma delas é que o homem da minha vida é suíço.
Ultimamente, tenho evitado sair sozinha, pois não estou acostumada com essa nova condição e ainda vejo o mundo como um bebê. Tenho que reaprender muita coisa e assimilo de outra forma tudo que me rodeia. Tento sair sempre que posso com o meu marido, pois sei que ele estará ali pra me ajudar se for necessário. Hoje o mundo representa pra mim uma verdadeira selva. A partir do momento que eu saio de casa a atenção é redobrada. Ainda sinto medo de cair da cadeira, de me machucar, uma adaptação que ainda não foi feita. Evito shopping, supermercados e aglomerações em geral quando estou sozinha.
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Estou me acostumando com essa nova condição física e as pessoas nem sempre prestam atenção. Já recebi porta na cara, aliás, na cadeira. Várias vezes o elevador veio cheio e com todo mundo me olhando e sem ninguém sair para que eu pudesse entrar. Muitas pessoas colocam o carro na vaga de cadeirante “só por cinco minutos”. Já briguei, gritei, me revoltei, mas depois aceitei que não posso mudar o mundo. Hoje em dia tento apenas sensibilizar as pessoas ao meu redor. Se conseguir sensibilizar ao menos uma pessoa, já é um grande passo.
Sei que não podemos e nem devemos parar de viver quando vemos um cadeirante ou alguém com alguma deficiência, mas acho que todos deveriam ter um pouquinho de atenção, de amor, de cuidado, de empatia pela situação do outro. Por sermos diferentes já temos que nos aceitar e criar nosso ”espaço” no mundo. Aceitar o que nos foi predestinado não é tarefa fácil, a vida é assim. Estamos em constante adaptação.
Ser mãe cadeirante
Muitos me julgaram dizendo que eu era louca de ter filhos na minha situação, mas são meus filhos que me dão forças para continuar e lutar por melhorias.
Meu filho mais velho tem treze anos e ainda está digerindo essa “nova” mãe. Nada como o tempo para colocar as coisas no lugar. Já o segundo, de 8 anos, lembra de mim só assim: com a bengala ou com a cadeira de rodas, então é mais fácil processar essa informação. Pra ele sempre estive “dodói”. A minha caçula de 2 anos e meio aprendeu a se segurar na cadeira de rodas antes mesmo de andar. Ela sempre senta no meu colo quando saímos, o que chama mais a atenção das pessoas.
Sou grata pela vida e por tudo que o que tenho aprendido. Não vou dizer que é fácil, já tive esgotamento físico e emocional por querer ser uma “super mãe” cadeirante, o que não dá. Aprendi a respeitar os meus limites.
É uma luta diária, constante, mas não mudaria uma vírgula na história da minha vida. Ela é a minha força e a minha essência.
5 Comentários
Bravo pela coragem! Ser Mae nunca é facil. Podes te considerar uma pessoa muito especial , uma mulher muito forte.
Obrigada pelas palavras. Abraços, Renata
[…] O texto abaixo, foi escrito para minha coluna no site Brasileirinhos pelo mundo […]
[…] devido à doença degenerativa que tenho, mas nada grave (escrevi um pouco sobre minha condição aqui). Assim que a minha filha nasceu comecei a preparar nossa viagem para a […]
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