Autismo na Estônia: uma abordagem diferente.
Coração de mãe não se engana
Vocês já devem conhecer aquela máxima que diz: uma mãe sempre sabe. O que vocês podem não entender é que se trata da mais pura verdade. Desde o primeiro ano de vida do meu filho mais novo, Guilherme hoje com 3 anos, senti que havia algo diferente. Percebi que alguma coisa o incomodava e o deixava inquieto, mas como “mãe especial” de primeira viagem ainda não conseguia ler nas entrelinhas.
Guigui se irritava com muita facilidade, não me olhava nos olhos quando mamava, não atendia quando chamado, não olhava para onde apontávamos e também não conseguia apontar para indicar algo que queria. Com onze meses de idade seu vocabulário era composto por apenas três palavras, não brincava ou sequer tinha interesse de estar perto de outras crianças, não gostava de pentear ou de cortar o cabelo, dentre muitos outros sinais que me deixavam a dúvida de que ele poderia estar dentro do espectro autista. Foi então que, ainda no Brasil, começamos a nossa saga pela procura de um especialista que pudesse nos ajudar a decobrir o que acometia o nosso pequeno.
O primeiro profissional que nos foi recomendado pela pediatra foi um neurologista infantil, que por sua vez tem autoridade médica para diagnosticar e indicar tratamentos para problemas neurológicos na infância. É importante destacar que para um diagnóstico confiável de autismo é necessária a intervenção de outros profissionais, tais como: psicóloga, psiquiatra, terapeuta e fonoaudióloga, todos especilistas na área clínica.
No nosso caso, por falta de informação, nos atamos apenas ao neuropediatra, o que acabou por nos levar a um diagnóstico previamente errôneo de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade). Mas como disse anteriormente, mãe sabe, mãe sente e por isso não conseguia ter paz no coração, pois ficava sempre com a sensação de que as peças não se encaixavam e que ainda não estávamos no caminho certo. Logo após isso, veio a oportunidade de mudar de país e de tentar uma abordagem diferente.
Para ler mais sobre o tema: Autismo na Inglaterra.
O diagnóstico
No Brasil é muito comum o diagnóstico tardio, apenas aos seis ou sete anos de idade, o que dificulta um pouco o tratamento, visto que as funções neurológicas da criança já estão bem mais maturadas do que nos seus três primeiros anos de vida. Muito disso se deve ao fato de que no país não é comum a avalição médica estruturada em grupo e com profissionais bem preparados e, com isso, muitos casos de autismo podem ser confundidos com outras síndromes, traumas ou severos problemas de comportamento.
Na Estônia o processo de diagóstico foi bem diferente do que experienciamos em nossa terra natal. Aqui, buscamos ajuda no Tallinna Lastehaigla, especificamente no Children´s Mental Health Center, onde pudemos contar com o suporte de uma equipe de especialistas composta por: neuropediatra, psicóloga, psiquiatra, terapeuta, fonoaudióloga e gastroenterologista. O processo que precedeu o diagnóstico consituiu-se das seguintes etapas:
1. Entrevista clínica com os pais: a equipe se concentra nos detalhes do desenvolvimento inicial da criança e sua relação social com a família;
2. Aplicação de testes cognitivos: permitem avaliar as diferentes facetas do desenvolvimento da criança (desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento de habilidades motoras e de comunicação);
3. Observação clínica e avaliação física: feita durante uma internação de duas semanas para investigação de distúrbios no desenvolvimento físico e intelectual (por exemplo: atraso na fala, problemas de interação social, desenvolvimento mental não condizente com a idade ou falta de coordenação motora).
Após quase dois meses de intensa avaliação recebemos enfim o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) e com ele um plano de ação que diz respeito aos serviços de reabilitação necessários para o desenvolvimento do nosso filho, além do que precisaríamos lançar mão para atender às suas necessidades no campo educacional.
É importante ressaltar que a equipe médica sempre sugere que seja feita uma reavaliação da condição da criança a cada quatro meses para saber se é necessária alguma intervenção ou mudança no plano de ação.
Posso afirmar categoricamente que o perído mais difícil pelo qual passamos em todo o processo de investigação clínica do nosso pequeno foi a aceitação de sua condição. O medo do futuro, do que seria dele quando nós pais não estivéssemos mais aqui e de tudo que ele iria enfrentar em meio a um mundo tão indiferente às diferenças tomava conta de mim como mãe. O que eu ainda não sabia era que existia sim vida após o diagnóstico de TEA e que, embora não haja cura, existe tratamento, o que pode levá-lo a ter uma vida mais confortável e independente.
O tratamento e a escola especial
Com o diagnóstico em mãos seguimos para “Social Insurance Board” e lá nos foi disponibilizado o que aqui chamam de “Disability Card”, que é um cartão que nos permite ter acesso a tratamento gratuito, matrícula em escola especial ou regular que tenha sistema de inclusão, benefícios e direitos exclusivos.
Aqui você pode escolher o tipo de escola e o centro de tratamento que melhor atenda às necessidades especiais do seu filho. Escolhemos inicialmente uma escola especial, que atende um máximo de quatro crianças por sala e que conta com uma professora qualificada para cada dois alunos, conforme nos foi sugerido pela equipe médica que nos acompanha. E até então nossa escolha vem dando bons resultados.
O tratamento, que por sua vez é baseado na metodologia ABA , ocorre três vezes por semana em uma clínica de reabilitação e segue em continuação todos os dias na escola com os professores e profissionais da área e em casa conosco.
ABA refere-se ao termo em inglês “Applied Behavior Analysis” (Análise do Comportamento Aplicada). Essa linha de análise trabalha com comportamentos que podem ser observados e modificados através de intervenções específicas. A iniciativa ABA tembém existe no Brasil, mas o grande problema é que é um procedimento novo, demorado e bastante caro por lá.
Vida após o diagnóstico

Concientização do Autismo
Conter as lágrimas enquanto escrevia esse texto não foi fácil. Tive um flash back de tudo o que vivenciamos no início de nossa caminhada, toda a sensação de insegurança, medo e frustração. Hoje estamos mais maduros e serenos para entender nossa nova condição como família e, assim, seguir sempre buscando o melhor para o nosso filho, seja onde e como for.
O que tenho a dizer para aqueles pais, que assim como nós, estão lutando por um diagnóstico, um bom tratamento e uma vida digna para seus filhos especiais é que não desistam. A batalha pode ser árdua e muitas vezes exaustiva, mas a certeza de que todo e qualquer esforço por eles vale a pena nos dá força e coragem para continuar seguindo em frente.
19 Comentários
Que texto lindo. Só admiração por essa maezona que tanto me inspira. Parabéns amiga👏👏
Obrigada pelo carinho. 🙂
Ptriscilla quanta maturidade em um texto tão esclarecedor.Parabens pela mãe que o Gui deu ao mundo.😘
Obrigada Dri. 😊😘
Filha amada, sei da tua luta, tua garra e tuas conquistas. Quilherme é privilegiado pois é cercado de cuidados, dedicação, amor e muito carinho. Siga nessa batalha ela grandiosa e linda.
Que lindo! Que feliz de ver tanto Amor entre vocês… A força mais curativa de todas. Continuem, a caminhada de evolução é infinita. O orgulho que ele terá (tem) de vocês será imenso.
Obrigada. Vamos continuar sim =*
Texto lindo,traz muita carga de emoção.Convivo com algumas outras mães de autistas aqui no Brasil e sei dos relatos das dificuldades.Voce é uma vencedora do Guigui também.Parabens por seu compartilhamento.
Obrigada. Fico muito feliz de em compartilhando nossa experiência ajudar assim outras famílias também. Beijos
Priscila, minha amiga, saudade de vocês. Lendo teu texto me vi passando pela novena do diagnóstico do José Luiz, que só com 7 anos, e muitos direcionamentos errados, tivemos a confirmação de Asperger, já o Arthur, desde cedo já estamos com as terapias, mas não se preocupe com o futuro, pois agora as coisas só irão melhorar. Bjim.
Oi Dani, saudades de vocês também. Realmente é uma luta mas o importante é jamais desistir. Você está fazendo muito bem em começar cedo o tratamento do Arthur, pois muitos dos sintomas são bastante amenizados com uma interveção assim. Vão melhorar sim, amém. Beijos
Que lindo mãe e que exemplo. Parabéns ! Sou neuropsicologa e no Brasil até dia e diagnóstica crianças com alterações neurobiologicas em uma clínica multidisciplinar em SP e infelizmente, os bons serviços são custosos. A nossa maior dificuldade era encaminhar as crianças a um colégio parceiro que nos entendía e que praticasse e seguisse uma linha de habilitação eficaz. Assim, a intervenção praticada na Estônia é digna de admiração a ser seguido.
Abraços.
Isso mesmo Marcela. Infelizmente no Brasil os custos com um bom tratamento ainda são muito altos, o que faz com que o atendimento não seja estendido a todas as crianças, jovens e adultos autistas que precisam dele. E a chamada educação inclusiva ainda deixa muito a desejar também, pois nem todas as escolas abraçam verdadeiramente a causa. Tenho fé que um dia todos terão acesso um tratamento digno, como aqui na Estônia. E obrigada pelo carinho. =)
Que lindo mãe e que exemplo. Parabéns ! Sou neuropsicologa e no Brasil atendia e diagnósticava crianças com alterações neurobiologicas em uma clínica multidisciplinar em SP e infelizmente, os bons serviços são custosos. A nossa maior dificuldade era encaminhar as crianças a um colégio parceiro que nos entendía e que praticasse e seguisse uma linha de habilitação eficaz. Assim, a intervenção praticada na Estônia é digna de admiração a ser seguido.
Abraços.
Amigaaaaaa!!!!! Emocionada com o seu texto!!! Muito feliz que você está no caminho certo! E que maravilha aí, heim?! E o Aba é tudo de bom!!!! Bjo! Saudades! Teísa
Obrigada Tê. Beijos
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