Adoção do Brasil para a Itália: uma história de amor e superação
Hoje vou contar para vocês uma história de amor e superação. Uma história de família que fala do amor de pai, mãe e irmãos. Amor de verdade!
Já comentei em outros textos sobre o primeiro dia de aula dos meus filhos aqui na Itália. Naquele meu primeiro dia de “mãe brasileira expatriada de primeira viagem” eu estava tentando me comunicar sem falar o idioma local e me sentia mais perdida do que agulha em um palheiro. E eis que apareceu um anjo na minha frente, em meio àquela falação de mães que eu pouco entendia, me perguntando num português perfeito, porém com sotaque italiano: “Oi, você é brasileira? Precisa de ajuda?”.
Vocês não têm ideia do tamanho da minha felicidade naquele momento! Abri aquele meu sorriso mais largo possível e pensei: “Obrigada, meu Deus!”. Ali foi o início de uma grande amizade. Conheci a italiana com o coração mais brasileiro da face da Terra: a Gaia. Ela havia morado no Brasil com o marido e filhos, tendo a terceira filha lá e voltado para Itália em 2016 com o seu quarto filho, um brasileirinho muito especial: o Miki.
O encontro de Gaia e Miki no Brasil
Gaia passou 10 anos no Brasil trabalhando como missionária em um abrigo para menores no interior de São Paulo. Acolhia todo tipo de crianças e jovens que o Juizado da Comarca designava para a instituição: desde menores infratores até crianças e jovens afastados de suas famílias por decisões judiciais. Até aquela data nunca havia chegado aos seus cuidados um bebê. Mas, em uma certa noite, recebeu uma ligação informando que havia um bebê de oito dias à sua espera.
“Com a ordem judicial, fui buscar essa criança de oito dias que foi abandonada pela mãe ao nascer e vítima de uma tentativa de venda ilegal. Ao trazê-lo para o abrigo, eles me apresentaram como um bebê que mamava e dormia. Eu o levei em meus braços como um filho, com ternura e o mesmo amor infinito. Ele era tão indefeso. Eu percebi que a sua barriguinha estava um pouco volumosa, além do normal, e isso me preocupou desde o primeiro momento. Eu mostrei para as enfermeiras, mas elas me disseram que estava tudo bem. Como não sou médica, erroneamente confiei nessa resposta precipitada.
Fui para casa com aquele embrulhinho, como um troféu. Ficou em nossa casa por prudência, para evitar o contato com outras crianças acolhidas, a fim de evitar resfriados e outras enfermidades. Ele pesava apenas dois quilos e meio e tinha passado por uma gravidez bastante agitada, devido ao alcoolismo e à dependência química de sua mãe, que vivia na rua. Nós achávamos que em questão de semanas alguma família generosa iria adotá-lo, porém, em vez disso, outras surpresas nos foram apresentadas.
Descobrimos que aquela barriga inchada era devido a uma infecção que o estava devorando. Ele tinha não só o fígado e o pâncreas ampliados, mas também um princípio de edema que com o passar dos dias se tornou uma enorme massa de água e soro com cerca de dois litros. Imagine esse volume todo em uma criança que mal pesava três quilos! Os líquidos estavam esmagando todos os órgãos vitais, danificando-os irreversivelmente.
Septicemia, choque séptico refratário, cardiopatias, todas as conseqüências da sífilis congênita (não diagnosticada ao nascimento), outras complicações neonatais e infecções hospitalares parecia que o levariam embora. Vivíamos há 80 dias na UTI entre reanimação, coma, entubação. Durante vários meses, Miki viveu graças às máquinas. Em frente aos nossos olhos desesperados passava uma infinidade de complicações: ataques cardíacos, ataques respiratórios, convulsões, todas por pneumonia bilateral. O oxigênio teve que ser elevado ao mais alto nível possível para lhe permitir respirar. Apareceu um fungo na urina. Permaneceu com hipotermia por uma semana e… a cereja do bolo: uma parada renal. Mas, milagrosamente, a intervenção da diálise peritoneal deu-lhe de volta o sopro da vida.”
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Segundo Gaia, que é de tamanha espiritualidade e religiosidade, pelo olhar de sua fé e crença, Miki é filho de um milagre:
“Todos os dias no hospital algumas crianças se iam, alguém perdia a luta para a vida, mas Miki não. Quem pode decidir quando uma vida vale a pena ser vivida? Um juiz, um médico? Ninguém. Só Deus. A doença deixou consequências muito graves para o funcionamento cerebral de Miki. As sequelas foram classificadas como devastadoras. Elas eram a assinatura da sífilis e tudo o que o acompanhou: uma atrofia cerebral com lesões concentradas principalmente no hemisfério direito e na área do córtex, redução maciça da matéria cinzenta, sutura dos ossos do crânio. Para as probabilidades, aquele miúdo viveria como um vegetal ou, no máximo, em uma cadeira de rodas, com gastrostomia, tubos de oxigênio e várias sondas.
Mas não! Graças ao trabalho de reabilitação quando obteve alta, Miki em oito meses já se sentava (mais ou menos, mas ele se sentava). Aos 18 meses, ele estava rastejando e aos 22, estava andando!”
Muita luta, superação e vitórias
Que luta, quanta superação! Mas essa história não termina por aí. Gaia e sua família, após tudo que viveram com Miki nesse período, obviamente se apaixonaram, amaram e se doaram de coração a ele. Não existia mais nas cabeças e corações dessa família quaisquer condições de viverem separados. Assim, entraram com o pedido legal de adoção. Entretanto, precisavam passar por uma fila de mais de 40 casais a sua frente.
“Eu sempre senti um certo constrangimento na frente de crianças com atrasos mentais. Eu não sabia como me relacionar com eles, o que dizer… Eu estava lutando. A ponto de que, para ser honesta, em nossa missão duas meninas viviam com este tipo de problemas e quando eu olhava para elas, pensava: “Mamma Mia, se um dia eu tiver um filho como eles eu não saberei como fazer…”. Pobre tola, eu não sabia o que a vida me ensinaria em breve.
Miki é um caso muito mais grave do que o das duas meninas, com limites mentais e até mesmo físicos notáveis. No entanto, mesmo com todos os seus “atrasos”, nós escolhemos ter esperado por ele, sofremos durante todo o tempo do processo de adoção, vendo que qualquer um na frente de nós na fila poderia levá-lo embora. Tremíamos com o pensamento de perdê-lo, nós sonhamos e quisemos o nosso filho com todo o nosso coração. Do jeito que ele era”
E acreditem, passaram-se mais de 40 casais, conforme o devido processo legal exigia, e Miki foi dispensado por todos, vindo a permanecer no seio de sua família que lhe acolhera, cuidara e que tanto lhe amava. Daquele momento em diante, Miki era um filho legítimo.
Miki e sua família na Itália

arquivo pessoal da mãe
Miki hoje tem 5 anos e mora na Itália com sua família. Ele pula, brinca, dança, canta, corre, dá cambalhotas, anda de bicicleta, nada sem boias, mergulha, come de tudo, entende italiano e português perfeitamente e também se expressa nas duas línguas. Ah, é fã de Bob Marley e adora uma coca-cola!
“A vida nos ensina, Deus nos ensina a abrir nossos corações. Cabe a nós recebê-lo e aprender que o amor cobre tudo, cura tudo, resolve tudo. Hoje, quando eu penso naquelas duas meninas eu digo: “Se Miki se tornar como elas, eu serei a mulher mais feliz do mundo!
Provavelmente, se eu tivesse me perguntado friamente se queria adotar uma criança com uma encefalopatia grave, eu teria definitivamente dito que não. Porém, quando aquela criança saiu do papel e veio para a nossa família, ele literalmente caiu do céu, ninguém resistiu a ele. Todos, por unanimidade, incluindo as crianças, lutamos para que ele ficasse conosco. É um cansaço? Sim, definitivamente. É difícil às vezes? Sim, é claro! Mas nada se compara à alegria que Miki trouxe à nossa família, à beleza do seu sorriso, à energia e ao desejo de viver que todos os dias ele transmite para nós. Nada se compara à sua pureza, simplicidade e beleza. Miki é o nosso sol e nós, os planetas que giramos em torno dele. Miki hoje corre, mesmo se torto, cavalgando seu próprio caminho! Miki hoje sorri para a vida e contagia a todos com a sua alegria. Miki hoje nos torna um pouco melhores. Todos os dias, um pouco.”
5 Comentários
Que história linda e que atitude dessa família! Parabéns.
Gaia e Gianluca são grandes amigos nossos. Acompanhamos a chegada do Miki e fomos testemunhas desse milagre. Ela não contou a melhor parte… qd estava no hospital angustiada por estar deixando sua família sozinha por tanto tempo e vendo q a criança estava sofrendo muito, fez um pedido a Nossa Senhora… ou a Senhora leva logo o Miki ou cura ele imediatamente, pois não tenho mais forças para suportar tanto sofrimento… no dia seguinte o Mike teve uma melhora incrível e logo teve alta…não me lembro muito bem dos detalhes, mas foi assim… Louvado seja Nosso senhor Jesus Cristo e sua Santa Mãe Maria.
Tatiana, que história mais linda! Que abençoada essa Gaia, desde o nome até o coração! Obrigada por me encher de luz :-*
bela história de amor incondicional.
Parabéns a todos os envolvidos. Obrigada por compartilhar.
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