Esse texto é a continuação de um post anterior chamado “A vida com bebê prematuro no hospital” (para ler, clique aqui) . Após 12 semanas (84 dias) no hospital, a coordenadora da UTI Neo Natal chega e pergunta: vocês querem ir hoje para casa? A pergunta que eu sonhava em ouvir há semanas. Com o tempo, fui observando outras famílias passarem pelo processo de despedida do Nicu e sonhava com o dia que chegaria a nossa vez. E finalmente chegou.
A saída do hospital
Na semana anterior os médicos me disseram que meu filho iria para casa com oxigênio, que era a única coisa que ainda o mantinha lá. Fizeram o teste do ar para ver quanto ele precisaria e fizemos um treinamento para se acontecesse alguma emergência e como manejar o galão de oxigênio e toda parafernália que vinha com ele. Outra coisa que fizemos dias antes da alta: eu levei ele comigo para os quartos que têm no hospital, uma espécie de treinamento de como será nossa vida em casa. A amamentação estava estabelecida como relatei neste texto aqui.
Esperávamos sair no sábado, mas ouvir aquelas palavras um dia antes foi bom demais para ser verdade! Nos preparamos e nos despedimos: com meu bebê numa cápsula de carro que era imensa demais para ele, com oxigênio, muita ansiedade e medo, mas com a sensação de que a vida estava começando, cruzamos a porta de saída da UTI.
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Foi tanta felicidade que é difícil descrever. Saímos de lá e fomos buscar minha filha mais velha na escolinha. Não tínhamos preparado-a, nem nós estávamos preparados! A carinha dela quando o viu no carro foi um mix de surpresa e choque. E em casa ela estava curiosa e com orgulho ao pegá-lo no colo pela primeira vez. Minha filha tinha dois anos e três meses e meu mais novo, três meses.
Exatos dois anos de diferença e a sensação que eu tive foi que minha filha tinha crescido e amadurecido e com o passar dos dias eu vi minha menina assumir o papel de irmã mais velha.
A chegada em casa
Nas primeiras duas semanas dele em casa, minha irmã e sobrinha estavam comigo e foi tudo mais fácil. Elas deram toda atenção que minha filha precisava enquanto eu cuidava do bebê.
A coisa realmente pegou quando me vi sozinha com duas crianças em um dia frio de inverno. Trazer o segundo filho para casa é um grande ajuste para todos na família. Mas para minha filha… eu vi o sofrimento que foi a adaptação, principalmente pelo irmão ser tão frágil e cheio de cuidados.
Os primeiros meses do Daniel em casa foram muito difíceis. Não só pelo fato de ter dois, mas eu precisa ir ao hospital duas vezes por semana. Ele tinha muitos especialistas para ver e isso consumia demais nossos dias.
E claro, havia a questão respiratória. Tive que me adaptar a observar se ele estava respirando normalmente ou usando força extra, se estava resfriado ou não, se levávamos no hospital ou não. E não foram poucas as vezes que ele teve bronquiolite e precisou ser internado, uma delas com uma pneumonia séria que nos deixou quase dez dias no hospital.
A adaptação da família e a culpa de mãe
Uma coisa que é bem característica de quem tem prematuro em casa é que se aprende a identificar os sinais de dificuldade em respirar, work of breathing em inglês. Eu inclusive tive uma máquina que mede os sinais vitais dele em casa! Minha filha de três anos e meio tem em seu vocabulário palavras como oxigênio, lubrificante, cateter, válvula, saturação.
Fora a questão dos cuidados físicos, tivemos que readaptar a casa, a nossa rotina e a minha filha. Tínhamos um novo membro na família e nem sabíamos mais direito o que fazer com a nossa vida. Por ser prematuro e estarmos no meio do inverno, acabamos nos isolando para a segurança dele.
Isso também significou minha filha ficar mais em casa e ter que aprender o que é dividir. Inúmeras vezes eu senti culpa por não dar atenção para ela, e também por deixá-lo lá dormindo e mal interagir com ele (mas recém-nascidos só dormem mesmo, né?)..
Muitos dias eu levava minuto a minuto. Minha filha estava completamente perdida e eu não sabia como me dividir. Eu me sentia um fracasso como mãe, como mulher e amiga. Já que não conseguia nem falar com minha família e amigas direito.
Porém com o tempo as coisas foram ficando mais fáceis. Um mês após o Daniel estar em casa, ele saiu do oxigênio durante o dia, melhorando muito nossa qualidade de vida. A parte mais difícil eram os mil resfriados e bronquiolites que ele pegou no primeiro ano, levando-nos direto de volta ao hospital.
Essas idas ao hospital eram muito difíceis. Minha filha sentia muita falta de nós, eu não dormia direito longe de casa e dela, minha casa virada do avesso. Teve uma vez que o Daniel estava com mais um episódio de bronquiolite e eu comentei que iríamos para o hospital. Minha filha começou a chorar desesperada, me abraçou e disse “não mamãe, eu também preciso de você”. Olha, só de escrever isso eu já estou com os olhos cheios de lágrimas!
O que mudou na nossa vida com bebê prematuro
Muita coisa mudou na nossa vida com a prematuridade. Mesmo antes do corona, as viagens que tanto amamos fazer estão canceladas por sabe-se lá quanto tempo. Ir visitar a família nem pensar! Muito provável que mesmo quando formos liberados para ir, não poderemos ficar em São Paulo por conta da poluição. Eu resolvi não voltar de licença maternidade e ficar em casa com ele por mais um tempo, para que ele cresça e desenvolva mais os pulmões.

Muitas voltas ao hospital.
Comecei a me estressar com coisas que nunca pensei, como vacinas. Um resfriado normal para uma criança pode trazer grandes riscos para meu filho. E nos isolar no inverno para evitar que ele fique doente. Isso trouxe uma solidão extrema.
Eu sei que a maternidade em geral traz culpa, mas quando se tem dois e um precisa mais de nós, a culpa arde no peito o tempo todo. Quero falar mais sobre isso em um próximo texto – a ansiedade pós-parto com filho prematuro.
Do mesmo jeito que ter minha filha é uma luz na nossa vida – pois em meio à neblina que é a prematuridade ela traz o sol, a vida e tanto amor – o coração está sempre divido entre cuidar dele e dar a ela uma infância normal.
O que eu tento fazer é tratar tudo com a maior naturalidade possível. Lemos livros sobre ter irmão doente e criamos momentos só nossos mesmo quando ele não está muito bem. Com o tempo, criamos o nosso normal, que sem dúvida é muito diferente do que imaginávamos. Tiramos os cinzas e adicionamos cores aos dias, mesmo os mais sombrios. Pois se tem uma coisa que sentimos é gratidão por estarmos juntos.
2 Comentários
Aline só imagino o quão difícil deve ter sido esses primeiros meses. Um bebê que precisa do máximo da atençao e a filha que chegou primeiro, aos dois anos já ter de compreender que não resta tanta atençao para ela. Mas eles compreendem. A gente, adulta, se culpa mas eles sentem que a mãe faz o melhor que pode.
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