Verão chegando no Brasil, todo mundo louco para viajar, visitar os familiares, pular as ondinhas no Ano Novo. Não nego que, quando penso no Brasil nesse período, lembro das minhas viagens com os meus pais, das praias do Nordeste, da prancha de isopor que assava a barriga, do cheiro de Hipoglós no nariz e do sininho do vendedor de picolé. Era mágico, pois eu tinha liberdade de entrar no mar, furar aquelas ondas gigantes, levar “caldo”, e contar quantos segundos ficava sem respirar debaixo da água.
Aprender a nadar foi necessário. Guardo na memória até hoje o dia em que me afoguei numa piscina em busca de um colchão de ar. Ele se deslocava com o vento em direção à parte funda da piscina. Os meus pais estavam distraídos e ainda bem que não entrei para as estatísticas.
Mais recentemente, num desses retornos ao Brasil, fomos convidados para um churrasco. Nem tive tempo de cumprimentar o anfitrião. Meu filho com Transtorno do Espectro Autista, na época com 4 anos, foi correndo em direção à piscina e pulou. Ele já estava na natação, então soube segurar na borda. Foi num piscar de olhos.
Com a minha filha, também tive uma experiência. Chamou o avô para entrar na água, enquanto eu estava no mar com o meu marido e meu filho. Quando vi os dois caminhando em direção ao mar, nós acenávamos e gritávamos para que nos esperassem.
Em segundos, a primeira onda os desequilibrou, levando-os. Eu agarrei a minha filha pelos cabelos. O vovô ficou assustado e a minha filha ainda mais. Aquele dia também a marcou.
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No meu ponto de vista, locais com praia e piscina são os melhores para viajar com a criançada. Elas não saem da água, divertindo-se bastante. A atividade física aumenta o apetite das crianças que dormem a noite inteira.
Ao mesmo tempo, as idas à praia ou à piscina pode ser estressante, especialmente quando a criança não sabe nadar, sem noções de segurança no meio líquido. Por mais atentos e cuidadosos que sejam os responsáveis, a água é traiçoeira. A atenção deve ser redobrada.
Neste texto, quero apresentar algumas pesquisas e incentivar os responsáveis a investir em aulas de natação para as crianças. Saber nadar traz segurança e tranquilidade para todos. Além disso, a natação é atividade de suma importância para o desenvolvimento global das crianças, pois envolve coordenação motora, fortalecimento do tônus muscular, respiração, habilidades sociais, entre outros.
Dados tristes, mas necessários para reflexão
De acordo com a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA), em média, 16 brasileiros morrem afogados diariamente, com 52% das mortes na faixa etária de 1 a 9 anos de idade. Afogamento é a 2º causa de óbito em crianças de 1 a 4 anos, e a 3ª em crianças de 5 a 14 anos. Crianças menores de 9 anos se afogam mais em piscinas públicas e em residências, enquanto maiores de 10 anos em águas naturais (rios, represas e praias). Cerca de 44% dos afogamentos ocorrem no verão.
Os dados referentes a crianças com Transtorno do Espectro Autista são ainda mais preocupantes. De acordo com os dados publicados na revista de Injury Epidemology (2017), no artigo Characteristics of unintentional drowning deaths in children with autism spectrum disorder, pelos Drs. Li e Guan, a deambulação de crianças com autismo está vinculada a 76,9% dos afogamentos. É muito comum que crianças autistas escapem da atenção dos responsáveis, saindo de casa e vagando sem uma direção definida. Quando a casa é próxima de uma piscina, lago ou rio, essas crianças correm sério risco de afogamento.
As conclusões dos Drs. Li e Guan se baseiam em levantamento de mais de 17 mil documentos de janeiro de 2000 a maio de 2017 num banco de dados (The Lexis-Nexis Academic), utilizando as palavras chave: autismo, autista, menina e menino. O objetivo foi verificar os incidentes mais comuns em crianças até 15 anos com o Transtorno do Espectro Autista nos Estados Unidos.
Dr. Li explicou à publicação DailyHealth News que a probabilidade de crianças com autismo se afogarem é 160 vezes maior do que em crianças neurotípicas. Na mesma entrevista, Dr. Li ressaltou que a aprender a nadar é imperativo para a sobrevivência das crianças com autismo.
Quer ler mais sobre o assunto, leia também o artigo Autism Greatly Boosts Risk of Drowning.
Como diminuir o risco de afogamento
A pesquisa citada acima apresenta como orientações para os responsáveis de crianças com autismo a necessidade de supervisão constante para evitar que a criança escape e vague por áreas perigosas. Sugere também aulas de natação assim que a criança receber o diagnóstico, bem como treino para sobrevivência no meio aquático. Além disso, o uso de grades de proteção ao redor das piscinas constitui medida de segurança importante. Em alguns estados nos EUA, as grades são obrigatórias em piscinas residenciais e públicas, inclusive hotéis.
Escolinhas de natação em Los Angeles
A forma como são organizadas as aulas de natação para as crianças também varia de país para país. Aqui em Los Angeles, apesar de ser uma cidade costeira com praias famosas como Malibu e Santa Mônica, tive alguma dificuldade em encontrar escolas de natação para as crianças.
Demorei para entender que os parques públicos com piscina oferecem aulas de natação para a comunidade. Com preço diferenciado para residentes do bairro e não residentes, pode-se ter aula em turma ou individual. As aulas de natação geralmente são oferecidas em quase todas as estações do ano, exceto durante o inverno. É preciso estar atento, pois há sempre muita procura e as vagas se esgotam rapidamente. Escolas privadas de natação podem igualmente alugar raias nas piscinas públicas e oferecer aulas em dias e horários determinados.
Algumas poucas instituições privadas contam com piscinas próprias e oferecem aulas de natação. A YMCA, por exemplo, oferece aulas de natação para crianças. Clique aqui para saber mais.
No caso dos meus filhos, após muita pesquisa, encontrei uma escola especializada no atendimento a crianças com atrasos no neurodesenvolvimento. A escola oferecia aulas em piscinas públicas.
Por que escolhi uma natação especializada para os meus filhos em Los Angeles
Tive a experiência de matriculá-lo na natação com outras crianças quando menor. Foi muito bom para a socialização do pequeno guerreiro e para imitação. Porém, com o passar do tempo, o meu nadador começou a se frustrar e a ter comportamentos inadequados, pois não entendia que devia esperar a sua vez de nadar ou de praticar outra atividade dentro da turma. Houve mesmo episódios de autoagressão.
Alguns pontos me fizeram decidir pela natação especializada naquele momento:
- a presença de professor de natação habilitado para trabalhar com crianças com atraso no neurodesenvolvimento;
- número reduzido de alunos por raia;
- instrução direta e individual para o aluno;
- planejamento de aula individualizada de acordo com as necessidades do nadador;
- aula contínua inclusive no inverno;
- possibilidade de a irmã neurotípica participar da aula. Este último ponto favorece para que o meu filho copie a sua irmã (que é uma figura de referência) e que ambos interajam, num momento de atividade em comum.
Benefícios da natação
As aulas de natação são fundamentais para a segurança de todas as crianças e para a maior tranquilidade dos responsáveis. A natação é útil para o desenvolvimento global das crianças. A deficiência, no caso o transtorno de espetro autista, não é um obstáculo para a prática da natação. Na verdade, é uma razão adicional para a sua prática.
2 Comentários
Rachel querida adoro a maneira clara que escreve! Por aqui estamos quase no verão e precisamos redobrar a atenção . Bjs com carinho
Obrigada Raquel!!! Sempre temos que estar atentos! Beijos