Os Estados Unidos são atualmente o país com o maior número de casos de coronavirus do mundo. De início, Washington e Califórnia foram os estados mais afetados, mas já faz algumas semanas que essa situação mudou e Nova Iorque assumiu o primeiro lugar disparado nesse ranking terrível. Dentro do Estado de Nova Iorque, NYC é o lugar que concentra o maior número de infectados. E é justamente aqui que eu moro com a minha família.
Para quem conhece a cidade de Nova Iorque não é difícil compreender porque ela se tornou o lugar com o maior número de casos nos Estados Unidos. Aqui, a densidade populacional é de quase 11mil habitantes por quilômetro quadrado e não se compara a nenhuma outra cidade do país. A quantidade de viajantes internacionais é um outro ponto importante. NYC é muito conectada ao mundo, com milhares de pessoas chegando todos os dias de diferentes regiões. Antes do surto de coronavírus, mais de 3 mil aviões pousavam diariamente em seus aeroportos.
Mais de 5 milhões de pessoas circulam pelo metrô da cidade diariamente. A maioria das pessoas aqui usa transporte público. Se pensarmos nesse número gigante de interações diárias associado ao número de viajantes que podem ter vindo contaminados de outros países, fica fácil concluir que Nova Iorque era uma espécie de ambiente “ideal” para a disseminação do vírus.
Quando a nossa vida mudou em função da pandemia
Estávamos levando uma vida praticamente normal até o dia 11 de março, quando a escola da minha filha anunciou o seu fechamento. O diretor informou que três membros da comunidade escolar reportaram terem tido contato com pessoas infectadas. Nessa época, o protocolo era que os infectados deveriam avisar às outras pessoas com as quais tiveram contato nas duas semanas anteriores, para que essas pudessem entrar em quarentena, evitando o contágio de mais gente.
Nesse mesmo dia, o presidente Donald Trump fez um pronunciamento anunciando a suspensão de vôos da Europa para os Estados Unidos durante 30 dias. Até então, ele vinha minimizando o problema, negando a gravidade da situação.
Disseminação sem controle e fechamento de escolas, Broadway e comércio
No sábado, 14, o prefeito Bill de Blasio anunciou que o vírus já estava totalmente disseminado na cidade e que os testes disponíveis ficariam reservados para as pessoas doentes e em situações mais graves. Ele também anunciou o fechamento das escolas públicas.
Na segunda-feira, 16, a filhota iniciou as aulas on-line. Como ela estuda numa escola particular, em uma turma com poucos alunos, o ensino virtual tem funcionado bem através do sistema de videoconferências. Ela já está no sexto ano e a turminha já está acostumada a usar computadores nas aulas. Eles têm mantido um equilíbrio bom entre trabalho e interação social. Minha filha não reclama da nova rotina. Eu e meu marido damos graças a Deus. É uma preocupação a menos pra gente.
Na terça, 17, o prefeito anunciou o fechamento de teatros, cinemas, casas de shows, discotecas e etc. E para os restaurantes, ficou estabelecido somente o serviço de entregas ou retirada de pedidos. Em 20 de março, o governador Andrew Cuomo anunciou que 100% dos empregados dos serviços não considerados essenciais deveriam ficar em casa. O objetivo era reforçar a política de distanciamento social e frear o ritmo da disseminação do vírus.
Nessa semana, eu e o meu marido corremos pro supermercado com medo de um anúncio de fechamento ou de uma crise de desabastecimento. O clima era de “salve-se quem puder”. As filas eram enormes e várias prateleiras estavam vazias. Aqui em Manhattan, onde moramos, as pessoas não costumam ter estoques de suprimentos em casa. Muita gente mora em apartamentos pequenos e não têm carro. O ritmo acelerado da cidade e o número descomunal de opções de restaurantes faz com que muitos não cozinhem em casa. Diante de um cenário de incertezas, todo mundo correu para os supermercados para garantir um estoque de mantimentos.
Pandemia, pronunciamentos oficiais e transparência
Em poucos dias, Nova Iorque tornava-se o estado com maior número de casos de coronavírus no mundo. A partir daí, eu comecei a assistir diariamente aos pronunciamentos do governador. Cuomo sempre apresenta os seus arquivos de Power Point com o número de infectados, de mortes, as projeções de diferentes instituições, o que o governo tem feito, os próximos passos a serem executados, etc. As apresentações têm sido muito esclarecedoras e educativas. Ele tem se firmado com uma liderança nacional nesse momento de crise. Percebi isso nos últimos dias, devido à quantidade de reportagens sobre ele em todo o país.
Com relação aos pronunciamentos do presidente Trump, eu poderia enumerar uma série de críticas, mas prefiro dar destaque à parte boa, que é a participação do Dr. Anthony Fauci na força tarefa de combate ao coronavírus da Casa Branca. Dr Fauci trabalha com saúde pública há mais de 50 anos. Ele é o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas e foi conselheiro de todas os presidentes desde Ronald Reagan.
Dr Fauci foi o homem que, de forma educada, desmentiu a afirmação do presidente Trump em relação à eficácia do tratamento com hidroxicloroquina para os pacientes com covid-19 – o mesmo que o presidente do Brasil afirma ser a solução para a doença. Por ser a voz da ciência na Casa Branca, e a pessoa que realmente informa a população, ele acabou virando uma espécie de herói nacional para muitos. Há camisetas, bonecos, e até donuts (doces típicos Estados Unidos) com o rosto dele estampado ou com a frase “Em Dr. Fauci nós confiamos”. A sua conduta tem desagradado grupos de extrema direita e ele precisou ter a sua segurança reforçada em função de algumas ameaças.
Família em quarentena na cidade que nunca dorme
Já faz mais de um mês que eu e a minha família estamos em quarentena. Tenho compartilhado em meu instagram informações, vídeos, fotos diárias das mudanças e desafios que Nova Iorque tem enfrentado. Eu e minha filha estamos direto em casa. As autoridades têm orientado que apenas uma pessoa da casa saia para fazer compras para evitar aglomerações. O meu marido tem ido. Quando ele retorna, iniciamos uma verdadeira operação de guerra contra o vírus, higienizando e limpando todos os produtos, assim como a cozinha e a entrada de casa.

Mensagem enviada pela prefeitura aos moradores: “Tenha somente um membro da casa fazendo compras por vez para evitar aglomerações. Certifique-se de que está usando máscara e evite comprar por pânico”
A minha filha tem seguido a sua rotina de atividades on-line, inclusive de momentos de lazer com as amigas. Eu e meu marido temos trabalhado online e cuidado da casa. Embora os restaurantes estejam abertos para entregas, nós não temos mais coragem de comer comidas que não sejam feitas por nós. Temos um amigo que está seguindo a quarentena direitinho dentro de casa, mas pegou coronavírus. Ele acha que foi porque comeu comida de restaurantes durante vários dias. Ninguém sabe ao certo se foi assim que ele se infectou, mas, na dúvida, seguimos cozinhando diariamente.
Menos notícias para manter a saúde mental
Há duas semanas decidi diminuir o volume de notícias diário. Como não consigo parar de acompanhar as daqui, então decidi me desligar um pouco das notícias do Brasil. Apesar da preocupação com a minha mãe que mora sozinha lá, não dava pra seguir vivenciando o drama dos dois países em detalhes. O divisor de águas foi o dia que fiquei sem dormir direito, impressionada com uma reportagem que li antes de ir pra cama. Ela falava sobre os 45 caminhões refrigerados que estavam espalhados pela cidade para a retirada de corpos, pois os necrotérios não davam conta do número de mortos.
Nós moramos em um prédio muito grande e fico muito preocupada com o número de pessoas circulando. Evitamos ao máximo sair do apartamento. Estamos vivendo numa espécie de bunker! A academia e a brinquedoteca estão fechadas. Não levo o lixo na lixeira do andar todos os dias, não vou até o terraço (roof top) e tenho evitado usar a lavanderia. Aqui em Nova Iorque, a maioria das pessoas não tem máquina de lavar roupa dentro do apartamento e isso tem sido um problema.
No estado de Nova Iorque, o número de mortos nessa pandemia já é de quase 11 mil pessoas, mais que o triplo de mortes que ocorreram nos atentados de 11 de setembro. É uma tremenda catástrofe!
Mas a luz está começando a aparecer no fim do túnel. Ainda está distante, mas já podemos começar a enxergá-la, pois os gráficos têm mostrado que o número de internações hospitalares começaram a diminuir. O distanciamento social está dando resultado. Devemos continuar cumprindo o nosso papel, ficando em casa e fazendo tudo que podemos para frear a disseminação desse vírus. Temos que seguir juntos nessa luta pelo bem de todos!
16 Comentários
Excelente texto!!! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Obrigada!!
Parabéns pelo texto tão bem escrito e tão esclarecedor! Apesar de sermos assolados diariamente por notícias de todo o mundo, inclusive de NY, apenas quem mora na cidade pode nos contar o que realmente está acontecendo aí. Fiquem bem, continuem se cuidando. Stay home. Stay safe.
Obrigada! Realmente tenho acompanhado diariamente as informações da pandemia por aqui e fiquei feliz em compartilhá-las. Stay home. Stop the spread. Save lifes.
Nossa, excelente relato, parecia q eu estava aí vendo tudo. É difícil ler e não comparar com o Brasil. Ontem, depois de 1 mês sem sair de casa, levei meu filho ao pediatra, as ruas estavam cheias. Minha prima q trabalha em hospital público e já perdeu uma amiga, fala q as coisas já estão ficando feias. Será q vamos disputar com NY o número de óbitos?!? 🤦
Obrigada por compartilhar sua experiência em relação à situação. Para nós que moramos no Brasil e estamos um passo atrás nessa sequência de acontecimentos é importante saber o que está por vir. Parabéns, obrigada e mantenha-se firme! 🌷
Fico feliz que tenha gostado! Tenho acompanhado bastante as informações por aqui e foi ótimo poder compartilhar.
Que bom que você gostou do texto! Espero que o Brasil não dispute com os EUA essa posição terrível! Mas é difícil acreditar que as coisas vão caminhar bem no Brasil com toda essa politização em torno do assunto.
Parabéns pelo seu texto que traduz as mudanças e o impacto deste vírus em nossa rotina. Fiquei muito emocionada! Espero que vocês estejam bem e que consigamos passar por esta situação tão delicada e que a humanidade aprenda o real sentido da vida, dos amigos e da família!
Muito obrigada! Eu também tenho esperanças que o ser humano consiga tirar lições proveitosas de toda essa catástrofe.
Excelente texto, muito esclarecedor e veio no momento certo, justamente quando nosso presidente decidiu exonerar o Ministro da Saúde.
Espero que essa fase seja prontamente superada e possamos retornar à vida normal com saúde para todos.
Parabéns pelo texto Claudia, sorte para todos nós.
Obrigada pelo comentário! Fico muito triste e apreensiva com a politização desse assunto no Brasil. Que a população se proteja e não se deixe enganar. Esse vírus não é brincadeira.
Esse confinamento é terrível. Fico feliz que sua filha se adaptou. Imagino o sufoco para famílias com filhos pequenos. Obrigada por compartilhar a sua experiência. Seguimos em casa. Espero o tempo demore para lermos livros, e o tempo passe rápido para chegar o dia de passear, sem medo!
Rachel, obrigada pelo comentário. Aqui as coisas ainda estão bem difíceis, mas como disse no fim to texto, a luz começa a aparecer no fim do túnel! Vamos aguardar firmes por dias melhores.
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