É muito difícil escrever sobre algo tão próximo, tão presente e tão intenso como a pandemia do Coronavirus. Mas, ao mesmo tempo, é uma oportunidade de organizar minhas ideias e esse turbilhão de sentimentos.
A mesma situação aqui na Itália e lá no Brasil
Somos uma família ítalo-brasileira. Digo isso porque uma pequena parte mora na Itália e outra grande parte no Brasil. Neste momento, apesar de termos um oceano e mais de 11 horas de voo nos separando, todos nós estamos vivendo a pandemia do coronavirus – COVID 19. Contudo, é preciso contextualizar a situação no tempo (fase / estágio da disseminação do vírus) e no espaço (Brasil e Itália, dois países muito diferentes entre si e com muitas diferenças internas).
Eu, que estou na Itália vivendo o todo o drama do coronavirus e da quarentena desde a segunda quinzena de fevereiro, e com a quantidade de notícias e artigos que já li durante essa cobertura da mídia quase em tempo real, me sinto muito experiente no assunto. Por isso, gostaria de expor o meu ponto de vista, orientando e protegendo meus amigos e familiares. Primeiro: não sou médica. Segundo, vivo de perto as decisões do governo da Itália e tenho ficado muito triste e mesmo irritada com a quantidade de críticas com relação ao governo italiano, como se as autoridades tivessem cometido muitos e graves erros.
Itália – o primeiro país ocidental a se deparar com o COVID 19
Como cidadã italiana, tenho orgulho da forma como vem sendo feita a gestão dessa crise. A Itália foi o primeiro país ocidental a ter um caso de coronavirus e, ainda, em pacientes idosos que não tinham visitado a China nem feito qualquer viagem internacional. Quem ia imaginar que na época do ano em que muitas pessoas ficam gripadas, o coronavirus tinha chegado em Vo Euganeo, uma cidadezinha de três mil habitantes no interior do nordeste da Italia? Quando o segundo paciente de Vo apresentou os sintomas, o teste foi feito. Aliás, a região do Vêneto é o local, depois da Coreia do Sul, onde até agora foi realizado o maior número de testes para o diagnóstico da doença. E ainda, com base na experiência dessa cidadezinha, iniciou-se o maior estudo científico já realizado para se conhecer o comportamento de um vírus.
Na minha percepção, as autoridades fizeram o que tinham que fazer. Talvez, olhando pra trás algumas coisas poderiam ter acontecido de uma forma diferente. Por exemplo, quando foi noticiada a quarentena de algumas regiões, medida extremamente necessária para a contenção do vírus, muitas pessoas pegaram o trem e partiram para suas cidades de origem, levando, inclusive, o vírus com elas. Nesse link tem uma imagem das pessoas correndo para pegar o último trem de Milão para Napoli, da região norte da Italia para o sul do país, na noite de 7 de março.
Vivemos numa democracia, as autoridades não agiram com autoritarismo e acabaram dando uma brecha para os italianos não cumprirem o estabelecido e disseminarem o coronavirus para outras regiões.
O coração apertado e as preocupações
Muitas pessoas do Brasil ligaram preocupadas com a nossa saúde e querendo saber mais informações sobre a situação na Itália. Minha família até hoje não entende porque não voltamos pro Brasil no Carnaval, já que até o Carnaval de Veneza foi interrompido antes da hora. Para quem não sabe, o Carnaval surgiu na Itália e o de Veneza é uma dos mais importantes do mundo!
Estamos bem de saúde. As crianças não vão à escola, mas têm aulas todos os dias utilizando aplicativos como o Zoom e o Google Suite (ferramentas para reuniões, vídeo conferências e aulas).
Leia também: Coronavirus: a iniciativa das escolas públicas italianas perante a epidemia
Apesar das notícias dos primeiros casos, nossa vida estava praticamente normal. Quem imaginaria esse desfecho? O mundo é globalizado, as pessoas viajam o tempo todo, a lazer ou a trabalho. E o vírus se espalhou. A epidemia virou uma pandemia e agora o mundo todo está doente e em quarentena.
Avalanche de mensagens por Whatsapp
Na era da internet recebemos muitas mensagens e foi muito bom falar ou trocar mensagens com os familiares e amigos que se preocuparam conosco. Posso parecer meio carente de atenção, mas adoro receber mensagens dos meus tios, primos e amigos distantes, aqueles com quem falamos pouco.
Mas por outro lado, recebemos uma quantidade enorme de mensagens – muitas repetidas, muitas fora do contexto, fake news – particularmente não dou conta de tantas mensagens. Acho que não é uma questão só da quantidade, mas também do conteúdo.
Aquele sentimento que mencionei no início do texto, de me sentir mais experiente, é o mesmo que meus amigos e familiares têm agora. A mídia e as redes sociais nos bombardeiam com tantas informações que no final do dia parece que estudamos virologia por anos e que somos capazes de desenvolver uma teoria a respeito.
Não posso convencer minha família e meus amigos com os meus argumentos. Minhas ideias foram construídas a partir da minha visão dos fatos e ao longo desse mais de um mês vivendo de perto o coronavirus e todas as suas consequências. As ideias deles são baseadas em outros fatos, e a partir de uma outra perspectiva. Posso discordar, mas tenho que respeitar todas elas.
Tenho vontade de dizer “façam isso e não aquilo”, “cuidem-se dessa forma”, existe um desejo enorme de protegê-los, mas além de não ser médica, das medidas italianas terem sido consideradas erradas nós estamos em um timing diferente.
Quem não se importar de ler textos de timings diferentes, sugiro esses dois: Uma família expatriada vivendo o Coronavírus na Itália e Coronavirus: mudança ma rotina de uma família brasileria em Hong Kong.
O que vão falar do ano de 2020
Talvez esse ano seja lembrado como o ano em que vários eventos não aconteceram, o Ano da Pandemia do COVID 19. Meu filho de 11 anos falou que em alguns anos, as crianças vão estudar o “sboon da economia mundial” em decorrência de um vírus que surgiu na China e que em dois meses se espalhou pelo mundo .
Ele está certo. O impacto na economia está sendo enorme.
E o que vamos aprender com tudo isso?
Eu prefiro acreditar que aprenderemos muito com essa experiência.
Espero que 2020 seja lembrado como o ano em que as pessoas passaram a se preocupar com a família e com as pessoas de uma forma geral. O ano em que as pessoas trocaram a correria de uma vida atribulada e cheia de compromissos pelo prazer de estar em casa, em família, testando deliciosas receitas, jogando cartas ou lendo um bom livro. Tempo que os executivos descobriram que podiam trocar suas inúmeras viagens de trabalho por teleconferências.
O ano em que as pessoas resgataram valores que estavam ofuscados por um estilo de vida considerado “normal”, mas que na verdade era estranho. Em outras palavras, o individualismo deu lugar ao coletivismo, o egoísmo deu lugar à solidariedade, o medo deu lugar à coragem e à esperança. O ano em que as pessoas aprenderam a valorizar a rotina diária, os hábitos simples e corriqueiros. Prazeres simples, como um abraço apertado, um jantar entre amigos, sair para caminhar na praia ou no lago. Às vezes, infelizmente, só damos valor quando estamos impedidos de realizá-los.
Em 2020 as pessoas descobriram que as melhores coisas da vida não são coisas, mas escolhas. Escolher o que fazer, aonde ir, com quem e onde se quer estar.
14 Comentários
Parabens Carla! Texto lindo e reflexões intensas e verdadeiras ! Denota teu encanto e riqueza da alma ! Palavras de verdade , sabedoria e luz!
Capacidade de absorção do sentimento coletivo !
Análise positiva e enriquecedora a todos nós que te seguimos , Ouvimos e sentimos com carinho e amor 🙏🌷💞🕊🌿
Obrigada pelas suas palavras. Fiquem bem!
Que texto lindo , inteligente e esclarecedor!! Muito orgulho da minha sobrinha Carla !!!! Parabéns!! Bjs
Obrigada Tio! Bjs
Parabéns para esse grupo de mães pela iniciativa de contar suas experiências mundo a fora!!
Excelente texto da Carla Bottino!!
Boa sorte para todas !!!!
Mae! Você vai adorar o site. Tem muitos textos legais!
Prima , fique muito emocionada ao ler seu texto. A vida nós surpreende com oportunidades de crescicimento inimagináveis. Essa experiência que tanto marca a vida de vocês , faz parte de todos nós também. Muita saúde, paz no coração e sabedoria .
Oi Katia! Estamos sempre aprendendo! Fiquem bem!
Amei o texto, Carla! Compartilho dos seus mesmos sentimentos! Um abraço!
legal você ter gostado! e mais legal ainda saber que não estou sozinha.
Carla, querida! Adorei seu texto e admiro muita sua coragem em enfrentar, junto com seu núcleo familiar, mais este desafio. Com certeza sairemos mais fortalecidos deste “furacão” e que Deus continue protegendo a todos nós! Bjs
Oi Vera! Obrigada pelas suas palavras. que bom que você gostou. Cuidem se! bj grande
Muito legal, Carla
Cuidem-se aí
Estamos com saudades
Muito legal vc ter lido. bjs pra vcs e nos tb estamos com muitas saudades!