Quarentena e a educação especial para criança com TEA na Califórnia
Era uma sexta-feira de manhã. Eu tinha acabado de deixar o meu filho na sua escola. Enquanto estava voltando para o carro, o meu telefone tocou. Era a gravação do Distrito Escolar de Los Angeles avisando que as aulas seriam suspensas por duas semanas, a priori. Voltei para dentro da escola e perguntei para a secretária como seria o procedimento. Respondeu-me que fariam naquele momento uma reunião para definir os próximos passos.
Voltei para o estacionamento, entrei no carro, respirei fundo … vamos lá! Vamos para o mercado suprir a casa. Ir ao mercado com duas crianças nunca é rápido e não é o recomendado para o período que iniciaríamos em poucas horas – o da quarentena, o do isolamento e do distanciamento social.
Naquele mesmo dia, recebi uma mensagem da professora regente pelo aplicativo ClassDojo dizendo que estava preparando o material para entregar no final do turno e que passaria instruções para os pais. E assim foi feito. Meu guerreiro chegou com a sua mochila repleta de atividades de inglês e matemática.
Senti uma angústia terrível naquele momento. Como dar conta de tudo? Como aplicar atividades pedagógicas em casa para uma criança que apresenta muitas dificuldades e para outra criança extremamente indagadora dos conteúdos acadêmicos?
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Como cuidar da casa, preparar a alimentação, ir ao mercado, ajudar o esposo com os filhos na hora das suas vídeos-conferências e me permitir a sentir a melancolia do momento que estamos passando…. Como?
Pretendo neste texto enfocar o processo de ensino-aprendizagem que está ocorrendo na quarentena aqui em casa, com orientações da escola especializada em que meu filho está matriculado.
Para quem não acompanha meus textos, o meu filho tem Transtorno do Espectro Autista, tem 11 anos e é não-verbal. Ele atualmente estuda numa escola especial para crianças com autismo e outros quadros assemelhados. A sua escola tem crianças com vários níveis do espectro, no entanto, a sua turma é composta por 12 estudantes com autismo moderado ou severo.
Estrutura e organização
Escrevo esse texto após quatro semanas de quarentena. Nesse momento, posso dizer que a soma do ambiente estruturado em casa com a organização dos profissionais estão me ajudando na execução das atividades pedagógicas.
A professora envia semanalmente (domingo à tarde), o plano semanal com as atividades que devemos desenvolver em casa. No currículo escolar, as áreas trabalhadas são: Leitura/Leitura Funcional, Matemática, Escrita, Atividades de Vida Diária, Habilidade Social, Auto-Cuidado, Atividade Física e outras sugestões.
As atividades são desenhadas de acordo com o Plano Educacional Individualizado do Estudante. As áreas a serem trabalhadas se repetem diariamente, porém as atividades podem variar, mas apresentam os mesmos conceitos e conteúdos.
No e-mail que nos envia semanalmente, manda também o material para imprimir ou para utilizar no tablet e ou computador em casa. Eu já gosto de imprimir tudo, plastificar e organizar numa caixa.
Nessa última semana, uma novidade: recebi um envelope com as atividades impressas. As orientações vieram posteriormente por e-mail.
Operacionalização materna
Diariamente antes de estudar com o meu filho, organizo os materiais da caixa e o local de estudo. A caixa é uma forma dele se organizar também: a medida que vamos terminando as atividades peço para o meu “estudante” guardá-las na caixa. Assim, consegue entender o que já foi feito e o que falta fazer.
As atividades são intercaladas com jogos no tablet ou computador. Esses jogos são indicados pela professora, inclusive os com assinatura – recebo o nome do usuário e a senha no plano semanal.
A inserção das atividades no tablet foi excelente, pois me apresentou aplicativos que eu não conhecia e também reduziu a auto-estimulação por meio de vídeos do YouTube. Os aplicativos são utilizados em sala de aula, portanto são familiares para o meu filhote.
Nem sempre funciona
Antes que você me pergunte se ele executa tudo, já te respondo: nada é perfeito. Alguns momentos, ele apresenta comportamento opositor, ou a atividade não está motivadora suficiente. Sempre solicito orientações para a professora nesses dias.
Algumas vezes, preciso intercalar as atividades com momentos de descanso, e então jogamos algum jogo de tabuleiro de seu interesse, ou fazemos uma atividade física proposta no plano semanal, ou fazemos o lanche da manhã como uma pausa e ou uma atividade da vida diária.
A preparação do lanche faz parte do currículo que estamos trabalhando. Como não tenho compromisso com horários como no dia-dia sem a quarentena, possibilito o meu filho a fazer ações de autocuidado (vestir-se, servir-se, banhar-se…) e a executar atividades de vida diária (colocar a mesa, raspar o prato no lixo, passar pano na mesa…) sem pressa.
Encontros com os terapeutas
Duas vezes por semana, por 30 minutos, temos encontro virtual (ZOOM) com a terapeuta ocupacional e a fonoaudióloga da escola. O atendimento é em grupo, devido à recomendação do distrito escolar e por estar também descrito no Plano Educacional Individualizado do meu filho.
A sessão é muito bem estruturada, com a apresentação do quadro de rotina com as atividades a serem realizadas e uma história social. Essas atividades são enviadas previamente para o e-mail dos responsáveis. Cada estudante tem que responder às demandas sob a orientação das profissionais por meio da mediação de algum adulto.
Nessas sessões, é imperativo que tenha algum adulto para mediar, desta forma podem dar dicas físicas, gestuais ou verbais sob a orientação das profissionais, assim como receber orientações das profissionais. Os estudantes podem digitar as respostas no computador ou em seus aparelhos de comunicação alternativa. No caso do meu filho, estamos ensinando-o a utilizar o teclado do computador.
Leia mais em Irmãos de crianças com deficiência: um cuidado mais do que especial
Na primeira sessão eu estava incrédula com esse tipo de atendimento, mas tive que rever os meus conceitos. Acho que é uma opção boa nessa quarentena, apenas gostaria que fosse individual.
Quero destacar que apenas 50% da turma participa desses atendimentos on-line. Pergunto-me quais serão os motivos que os outros responsáveis não quiseram participar. Ausência de um mediador? Exposição perante outras famílias? Dificuldade com tecnologia? Falta de aparato tecnológico? Aspectos que devem ser refletidos.
Nesse tempo de quarentena, continuo me comunicando com a professora diariamente. Nas primeiras semanas, a professora regente me ligava todos os dias para perguntar como eu estava e o guerreiro. Atualmente, prefiro escrever um diário relatando como foi o dia e que atividades realizamos. Ela sempre me responde prontamente e passa dicas e sugestões de atividades e links. Deixei duas vezes de escrever o meu diário e no dia seguinte me ligou. Fico feliz em saber que não estou só nessa jornada.
O fim
O fim não chegou. Sei que a quarentena vai ser longa. Ainda não recebi uma resposta se teremos o Extended Program Year (Programa nas férias para crianças com deficiência para a manutenção da aprendizagem). Sugiro a leitura do texto Programa de Ensino Individualizado.
Não quero deixar o que foi aprendido até agora se perder. A estimulação e a manutenção das aprendizagens é importante para o progresso do desenvolvimento das crianças com TEA. Decidi aderir a esses momentos de aprendizagem nos finais de semana e no Spring Break (férias da primavera), por também fazerem parte da nossa rotina. A rotina é essencial para a sua organização interna e do meu lar.
Utilize a tecnologia como aliada
Para os aplicativos de matemática, sugiro contar junto ou pedir para a criança apontar com o dedo. Para os aplicativos com música, você pode pausar e pedir para a criança completar a última sílaba. Em alguns vídeos com canções infantis, você pode incentivar a criança a imitar os movimentos da dança apresentada na tela. No aplicativos com quebra-cabeça, sugiro trabalhar a habilidade de esperar e alternar a vez.
Lembre-se que por meio da tecnologia, você pode promover um ambiente rico de interações e a manutenção das aprendizagens. Deixo a dica de alguns aplicativos e páginas para trabalhar os conteúdos:
Em português sugiro www.participar.com.br. Se você conhecer mais aplicativos legais em português, coloque no comentários! Vamos ajudar outras famílias e profissionais por meio de trocas de informações! Até o próximo texto!
4 Comentários
Adorei o texto!
Também estamos conseguindo fazer as terapias online e confesso que tenho me surpreendido positivamente a cada sessão! 🙏🏻
Sigo torcendo para que tudo isso passe logo e possamos voltar com as atividades externas! 🥰
Oi, Anna! Nem me fale! Eu estou surpresa da forma que estão fazendo as aulas e as terapia na escola. Penso que neste momento, se os profissionais forem nos orientando, as crianças terão sucesso. O importante é a gente ser treinada e orientada para as crianças terem boas respostas. Depois me conte, quanto tempo de sessão o seu filhote está recebendo. Um abraço,Rachel
Oi Rachel estamos aqui em Brasília perto do desespero… não leria seu texto por ser um contexto bem longe no nosso, mas como tive contato c a sua pessoa maravilhosa, queria saber se vc tem alguma dica p o nosso contexto de Brasília…
Ps. Meu nome é Lídice, estivemos em contato na psicologia escolar e desde abril/19 estou no ensino especial aqui na unieb do plano.
Oi, Lídice! Que legal saber que você leu o meu texto. A partir dessa semana, as professoras estão usando o Zoom, porém os responsáveis temos que mediar. Apresentam tudo na tela, e a criança tem que apontar ou fazer o que a professora pede. É tudo muito estruturado, com uma rotina visual. O material é enviado para os pais no domingo à noite. A aula demora 30 minutos – é o máximo que conseguem permanecer em frente a tela. Mande um e-mail para mim: teamaebrasil@gmail.com, vamos conversar!