A árvore que floriu lindamente na frente da minha casa na primavera trouxe hoje as primeiras folhas alaranjadas. Não acreditei. Veja você mesmo, são as folhas desta árvore aí da foto. Pode estar difícil de ver, porque dá para contá-las nos dedos. Mas o verão na Inglaterra chegou. E, com ele, o país segue firme no seu desconfinamento, trazendo a alegria da reabertura dos pubs, o calor nas praias e os encontros com amigos nos parques, que até então ainda estão verdes e coloridos. Mas vamos voltar um pouco para entendermos essa história das estações na Inglaterra e a quarentena.
Londres, abril e maio de 2020
Tivemos uma primavera quente, de céu azul e temperaturas amenas na grande maioria dos dias em que estávamos de quarentena total em casa. Completamente diferente da primavera do ano passado, quando o frio e a chuva se estenderam até meados de junho. O caminho mais fácil seria, mais uma vez, reclamar de estarmos em casa vendo a primavera florescer através das nossas janelas. Afinal, o clima na Inglaterra está sempre presente nas conversas e quase todas as vezes vem acompanhando do descontentamento.
Porém, prefiro pensar que alguém lá em cima nos mandou o sol e as flores para passarmos por este período com a alegria de olhar para o azul do céu e sentir os raios quentes do sol, mesmo que tenha sido na beirada das janelas ou nos nossos pequenos quintais, característicos da arquitetura das casas vitorianas inglesas. Além disso, a saída para a prática da atividade física não deixou de ser permitida durante a quarentena, apenas tivemos a restrição de fazê-la uma vez ao dia somente, durante no máximo uma hora, nos primeiros dois meses de confinamento.
Os parques continuaram abertos e somente as áreas de concentração de pessoas foram fechadas, como playgrounds e locais de piquenique. Por isso, acredito que o sol tenha sido um dos maiores motivos da saída saudável e responsável de casa, para famílias que buscavam vitamina D e endorfina para manter a mente no lugar.
Aqui contei como foi a experiência de ver os primeiros botões da cerejeira em frente à minha janela se abrirem, depois de passar longos meses de inverno com seus galhos pelados e reclusa às suas raízes. Inevitável compararmos com a nossa experiência de confinamento e a sensação de que passaríamos por um segundo inverno na sequência. Então mais uma vez agradeço por termos tido sol e calor na nossa primeira primavera dentro de casa.

Mesma árvore da foto principal deste artigo, em abril, no auge da quarentena. O céu azul marcou presença na primavera de 2020. Arquivo pessoal.
Londres, junho de 2020
Chega o verão e o início do desconfinamento na Inglaterra. Escolas primárias são abertas para receber alunos de algumas turmas, reunindo-os em “bolhas” com menos crianças e respeitando protocolos de distanciamento e higiene impostos pelo governo. Quem pode trabalhar de casa continua a ser incentivado a ficar, por isso, felizmente, o transporte público continuou vazio. O comércio não-essencial abriu, como lojas de roupas e livrarias, e grupos de até seis pessoas puderam se encontrar em locais abertos, como parques e até mesmo nos quintais dentro de casa – teoricamente, ainda respeitando o distanciamento para evitar uma segunda onda do Covid. Na prática, os parques ficaram cheios de grupos enormes de pessoas reunidas, principalmente nos dias de calor de trinta e poucos graus que o final da primavera nos presenteou.
Junho anunciou que poderíamos ter um verão quente, merecido após nosso longo tempo recluso em casa. As praias próximas a Londres lotaram, como Bornemouth e West Witerring. Ainda sem estruturas de banheiros, restaurantes e hotelaria abertos, as pessoas fizeram programas de “bate e volta” no mesmo dia, deixando o acesso às praias mais lento e estacionamentos que precisavam ser reservados com antecedência para garantia de vaga.
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Londres, julho de 2020
A segunda onda de desconfinamento traz a abertura de pubs, restaurantes, cabelereiros e hotéis, para a alegria do turismo e dos amantes do verão londrino. Os números de casos do Covid estão dentro do índice previsto, mas precisamos continuar responsáveis para que não voltem a subir. Desde 15 de junho, finalmente o governo exige máscaras na utilização do transporte público. Desde 24 de julho, a exigência passa a ser no comércio. Antes disso, estava cada vez menos frequente encontrar pessoas cobrindo o rosto nestes locais. O turismo na Europa também ganha força, com governos deixando de exigir a quarentena no regresso de alguns países visitados.
E nossa promessa de verão quente e ensolarado? Por aqui, quem pode viajar de carro planeja férias na própria Inglaterra, para evitar aeroportos e voos, e a preferência é pela região de Cornwall, onde as praias são mais bonitas, com areia e águas claras (vale lembrar que muitas praias inglesas são de pedras, por isso as que tem areia são tão valorizadas). Muitos europeus, ao contrário, planejam uma temporada com a família, depois de meses sem poder voar.
E os brasileiros que planejaram as férias de verão no Brasil? Muitos voos foram e ainda estão sendo cancelados ou remarcados. Tem sido difícil planejar ultimamente. É preciso colocar na balança o risco da exposição ao vírus nas horas passadas em aeroportos, voo longo, escalas e durante a própria estadia no nosso país. Sem contar que é preciso considerar a quarentena na volta do Brasil, antes de retomar qualquer atividade em setembro, como escola e trabalho.
Do outro lado da balança, está a vontade de encontrar os nossos, matar a saudade, pegar no colo o afilhado que quase já não é mais um bebê e ver nossas crianças se divertirem com os primos e avós. Que falta fazem os avós, os dos nossos filhos e os nossos. Esta relação tão linda foi a mais afetada pela quarentena, mas não canso de reforçar a mim mesma que nossos esforços de isolamento são o maior amor que podemos dar a eles neste momento.
Uma dose final de paciência
Vai passar. Está passando. No gerúndio. Falamos tanto esta frase, para nos manter fortes ou mesmo para nos fazer acreditar no que dizemos. Mas o verão chegou e não estamos mais vendo-o da janela. Podemos sentir o calor mais forte nos dias de sol (ou o vento frio que o verão na Inglaterra também pode trazer) do lado de fora das nossas casas, com amigos ao nosso redor. Sim, está passando. Nos resta uma dose final de paciência, para aceitar que nossos planos de verão podem ser cancelados ou remarcados, que vamos demorar um pouco mais para vermos as nossas famílias ou que teremos que rever nosso planejamento financeiro com os prejuízos que a crise econômica já traz.
Nosso verão, assim como a primavera que passou, pode ser diferente do que planejamos. Talvez o melhor seja aceitar e fazer novos planos para aproveitarmos o agora, antes das folhas caírem, ao invés de ficarmos lamentando o verão que segue sem estarmos onde gostaríamos de estar.
Daqui a pouco o vento frio trará mais alaranjado às nossas paisagens e precisamos estar fortes para enfrentarmos a chegada (de novo!) do inverno frio, chuvoso e escuro da Inglaterra. Nossos filhos vão precisar da nossa força e sabedoria para entenderem que o alaranjado do outono pode ser realmente lindo e que o verão estará nos esperando todos os próximos anos.
2 Comentários
Eu gosto muito dos seus textos e vou descobrindo neles um pouco do país em que vc está vivendo
E descobri nas entrelinhas o seu carinho e zelo pelos avós
É memo deslumbrante o outono com suas folhas alaranjadas caindo e tecendo um tapete no chão !
Deve ser uma compensação pelo frio chegando
A família espera vcs com muitas saudades
E com suas crônicas sinto sua presença !!
Continue a nos presentear escrevendo sempre
Nosso abraço, nosso amor, nosso carinho 😘
Saboreei cada palavra sua, fiquei emocionada vendo sua visão otimista perante a vida, mesmo nesta época difícil de coronavírus! E te ver em minha casa outra vez com a farra dos netos dando vida à casa ( …uma agitação alegre, algazarra o tempo todo, amor, vida!!!) não tem preço! Que venham outonos, invernos, primaveras e verões… o que nos aquece é o amor dentro de nós! Vamos nos abastecer deste amor nestes poucos dias juntos pra depois seguirmos nossas vidas! Bjs carinhosos