Que 2020 tem sido um ano atípico não é novidade para ninguém. Estamos todos passando pelo mesmo desafio de pandemia e suas consequências. Mas cada um de nós sabe onde seu calo dói, onde a dificuldade parece turvar as possibilidades de solução.
Quem acompanha meus textos sabe que saí de Hong Kong rumo ao Brasil no final de fevereiro (sem ter a certeza de poder voltar). Fomos todos juntos, mas meu marido voltou para Hong Kong após um mês de férias.
Chegamos à conclusão que, devido as incertezas do momento, seria mais prudente que eu ficasse no Brasil com as crianças. Foram inúmeros desafios, dúvidas e para mim o pior, a incerteza do que estaria por vir.
Não posso reclamar, minha vida ficou em suspenso mas meu marido conseguiu se manter no emprego (o que no ramo de atuação dele foi uma sorte tremenda), não ficamos sequer doentes e, durante nosso período de “isolamento” no Brasil, as crianças tiveram ótimos momentos de lazer e eu a oportunidade de curtir familiares e amigos. Apesar de toda insegurança, incerteza e saudade, tivemos bons momentos em nossa terra natal.
Quando bate aquela vontade de voltar para casa
Entretanto, quem já mora fora do seu país há algum tempo, sente e percebe as diferenças do seu país natal e seu país de residência, para não dizer a saudade que começa sutil e vai se tornando quase uma dor física.
E outro detalhe, não há lugar no mundo melhor do que a casa da gente (mesmo que a casa seja a 18.000 km de distância do seu país de origem).
A situação em Hong Kong está se estabilizando e senti que estava na hora de fazer as malas. Eu tinha uma noção de que a chegada aqui não seria fácil, mas não fazia ideia do quão desgastante seria. Me entendam leitores, se eu soubesse como seria, teria vindo da mesma forma, talvez tivesse dormido mais no voo e preparado melhor o meu psicológico.
Nossa saga pós-voo
Atualmente, o procedimento de quarentena estabelecido em Hong Kong é bem criterioso. Assim que desembarcamos (após quase 30 horas de voo) ainda no aeroporto, recebemos uma pulseira equipada com um GPS e um código de barras. Precisei baixar um aplicativo de rastreio do meu celular e sincronizar com a pulseira. Preenchi um formulário super detalhado sobre nossa condição de saúde e de onde vínhamos e as conexões e escalas.
Depois dessa fase fizeram uma medição básica de nossa temperatura, fomos encaminhados para uma rápida entrevista com um funcionário do governo que nos explicou o trâmite da nossa quarentena. Fomos encaminhados para um ônibus onde nos levaram a um parque de exposições que foi transformado em um centro de coleta de amostras para o teste do Covid-19.
Muita fila, muita espera, inúmeros formulários a serem preenchidos, conferidos e carimbados (por aqui temos de lidar com a dificuldade da língua, por mais que o inglês seja um dos idiomas oficiais, a maioria dos locais não o domina). Após quase duas horas de burocracia, fizemos o exame, que foi muito rápido e simples, aqui a amostra é de saliva. Então é só cuspir num potinho e pronto. Mas nossa maratona não acabou por aí.
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A espera pelo resultado do exame
O departamento de saúde de Hong Kong estabeleceu (não sei qual o critério) que algumas pessoas deveriam aguardar o resultado do exame em um hotel (providenciado pelo governo) e após o resultado negativo poderíamos cumprir os 14 dias de quarentena em casa.
Então, após a realização do exame, preenchi mais alguns formulários, aguardamos aproximadamente umas duas horas e meia e um ônibus (também do governo) nos levou até o hotel. Quando chegamos na recepção do hotel, mais alguns procedimentos para conferir a temperatura, explicações, e mais formulários. Quando finalmente chegamos ao nosso quarto, estávamos tão anestesiados pelo cansaço que não conseguimos fazer nada, além de dormir.
Depois de um sono profundo acordei preocupada se a Sofia, minha filha mais nova, tinha cuspido o suficiente no potinho para produzir a amostra. Queria e precisava descansar mas minha mente não me dava trégua! Não conseguia pensar na possibilidade de não irmos para casa em algumas horas, mas já estava me preparando psicologicamente para um resultado indeterminado e um novo protocolo de segurança.
Em geral minhas crianças são bem tranquilas e compreensivas. Mas já tínhamos ultrapassado o limite do cansaço. Conversei com eles dessa possibilidade e por incrível que pareça eles aceitaram bem, desde que ficássemos juntos.
Enfim, a caminho de casa
Quase doze horas depois, recebi um telefonema no quarto do hotel informando que nossos testes deram negativo e que podíamos ir para casa. Foi uma profusão de sentimentos e reações. Rimos, choramos, nos abraçamos e fomos correndo até o saguão do hotel para sermos liberados. Após mais alguns formulários e orientações, finalmente vimos a luz do dia e pegamos um táxi para nossa casa.
Durante o trajeto, pensei nos três últimos dias e não senti nada além de gratidão. Muitas vezes duvidamos da nossa força e da nossa capacidade. Situações desafiadoras servem para nos mostrar e nos dar a têmpera necessária para amadurecermos e consolidarmos vínculos e relações. Não tenho dúvidas de que já não sou a mesma pessoa do início da pandemia e, certamente, me transformarei mais ainda até o fim dessa “aventura”.
Mais do que nunca, cito a célebre frase de Nietzsche, que tem sido meu guia nos últimos meses: “Aquilo que não me mata, me fortalece”. E você, quais são as lições que tem tirado nessa época de pandemia?