“Grávida de gêmeas no meio da pandemia! E agora?”, por Aline Amaral*
Viver fora do nosso país torna tudo mais desafiador. Qualquer que seja o seu plano, é preciso adicionar na conta o fato de ser estrangeiro onde se vive. Quando começamos a falar sobre aumentar a família, conseguimos prever várias limitações que a nossa condição nos impunha e para quase todas, achamos uma solução. Só que tem coisas que não podemos prever, não é mesmo?
Vou começar pelo fato de termos vivido duas perdas gestacionais bem iniciais. Nós já temos um filho, fruto de uma gestação saudável e sem intercorrências e, mesmo sabendo que abortos acontecem, nunca pensamos que aconteceria com a gente. Optamos por investigar, ainda que não houvesse garantias de encontrar uma justificativa, porque o medo imperou e nos sentimos muito inseguros. De fato, não achamos nenhuma causa e encerramos o acompanhamento com a liberação médica para povoar o mundo.
Num belo dia qualquer, fazendo uma coisa qualquer, o pequeno mago que pari há quatro anos e meio passou a mãozinha na minha barriga e me avisou que eu estava grávida. Eu podia ter economizado com o teste de gravidez, porque ele tinha razão. E tinha razão também quando, uma semana antes do primeiro ultrassom do pré-natal, me comunicou que havia dois bebês na minha barriga. Sorte dele ter errado o sexo das crianças, senão nós já estaríamos rentabilizando suas habilidades de previsão mundo afora.
Depois do susto, os planos
Sem histórico familiar e sem nenhuma medicação, engravidei de gêmeos para o meu desespero e felicidade geral da nação unida dos parentes e amigos. Levei alguns dias absorvendo a novidade, pedindo ajuda para amigas que já estão nessa aventura gemelar há mais tempo. Muito enjoada e vomitando sem modéstia, lia tudo que podia porque o protocolo para gestação múltipla é de risco aumentado, o que significa que lá se foi embora minha chance de ser atendida por midwives e de poder cogitar um parto domiciliar.

Família à espera das meninas (arquivo pessoal)
Tendo já vivido uma gestação antes, mentalizava que a gente se sairia bem e que tudo daria certo. Programamos nossa ida ao Brasil para uma fase tranquila da gravidez em que viajar ainda fosse liberado. Seria incrível. Pensamos em chá de bebê e conversamos com a minha mãe para que checasse a possibilidade de ser nosso par de braços extras aqui no nascimento dos bebês. Estava tudo se encaixando, não era ótimo? Estava quase respirando aliviada.
Mas veio o Corona…
Aí aconteceu. O covid-19 surgiu nas notícias e nas fake news também. Tudo parecia tão exagerado quanto minha reação ao saber que dois bebês estavam a caminho. A Ásia vivendo tempos insanos e daqui a gente pensando que havia uma grande e imensa dose de sensacionalismo, que não podia ser tão sério assim… Bom, nem preciso dizer que era sério porque muito provavelmente você sabe tanto quanto eu o impacto do coronavírus ao redor do globo.
Estar grávida, fora do meu país, imprimindo um total de 40 dedinhos dentro do meu útero enquanto o vírus rola solto por aí é sem dúvida algo que eu jamais, nem nas minhas piores previsões, poderia imaginar. A sensação de não ter controle sobre absolutamente nada não é gostosa em fase nenhuma da vida, eu acho. No meu caso, gosto de planejar e me sinto segura tendo planos de A a Zinco detalhadamente pensados. Não me restou opção senão aplicar pra mim mesma o conselho que carinhosamente dou a todos: viver um dia de cada vez.
De todos os meus muitos privilégios e de tudo que pude postergar (incluindo nossa tão sonhada e planejada viagem ao Brasil), adiar o parto, desengravidar ou ainda continuar grávida por prazo indeterminado não figuram entre as minhas opções. Os bebês vão sair e ponto. E vai exigir uma logística, que vai exigir planejamento, que eu não tenho informações a longo prazo o suficiente pra fazer. Parece o universo me dizendo que a zueira never ends.
Mudanças de protocolo hospitalar
O hospital me alertou desde o começo da quarentena que mesmo que o governo flexibilize as medidas de isolamento, a instituição pretende manter suas próprias regras até o fim do ano. Isso significa, no mínimo, que meu marido não pode acompanhar os exames de pré-natal, que não poderei ter minha doula comigo durante o trabalho de parto e que meu acompanhante (se até lá ainda me for permitido ser acompanhada) deve ficar o tempo inteiro internado comigo e não poderá revezar com ninguém, mesmo numa internação prolongada.
Apesar do meu coronadrama particular, eu me sinto calma. Estranha e surpreendentemente calma. Os riscos aumentados de uma gestação gemelar são muitos e isso é discutido muito abertamente durante o acompanhamento médico desde o primeiro momento. Apenas e tão somente por esse aspecto, desde o começo eu já não sabia o que esperar e viver um dia por vez foi a forma que encontrei de lidar com as expectativas. Enquanto os riscos forem só possibilidades, sigo fazendo o meu melhor para que seja uma gravidez saudável e feliz. Isso é tudo que consigo controlar.
Foco no que é possível controlar
Dessa mesma forma, encaro a gestação em tempos de pandemia. Tudo o que está ao meu alcance para proteger a mim e a minha família está sendo feito. Os medos e incertezas a respeito da circulação do vírus e dos impactos que sofreremos enquanto sociedade nos mais diversos aspectos são muitos, mas estão completamente alheios ao meu controle e ação. Eu posso lidar com a casa bagunçada, o filho precisando de ajuda e atenção 100% do tempo, com os hormônios enlouquecidos e com o novo esquema de trabalho do marido. E “só”.
Seria um trocadilho incrível que, enquanto eu te conto todo esse raciocínio zen que adotei, eu estivesse sentadinha em posição de meditação com a barriguinha volumosa acomodada tal e qual Budha aparece nas estátuas. A verdade é que transcrevi nesse texto meu exercício mental diário: eu posso lidar apenas com aquilo que eu tenho hoje.
Tem dias que eu faço a lição direitinho e tem outros em que sou todinha aluna revoltada.
Sei que estamos todos à mercê do destino enquanto enfrentamos nossos dramas íntimos. Por todos, inclusive por mim, mantenho vivo meu pensamento positivo e torço para que, muito em breve, volte aqui relatar o feliz fim de uma quarentena e um parto incrível das meninas que chegarão por aqui.
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*Original de lá de Curitiba, Aline é publicitária de formação e costureira de coração. Mãe de um menininho de 4 anos e grávida de gêmeas, atualmente mora com a família em Rotterdam, na Holanda. Já morou em Boston, nos Estados Unidos, e em São Paulo também. Com anos de experiência de conteúdo digital, deu uma pausa na carreira para mergulhar na maternidade e emergiu desse hiato cheia de novas ambições, tipo descobrir o mundo com a família a tiracolo.
2 Comentários
Mae de um trio, identifiquei me muito com teu texto. Apesar de ter engravidado e parido em época “no corona”, também vivi o stress de uma gestaçao considerada de risco e tive que me munir de muita “zenitude” para enfrenta la.
Tua escrita é excelente, cheia de humor mesmo se o assunto é sério, gostei muito. Bom parto e muita saúde para tuas meninas e toda a familia.
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