Expatriação e impotência: a natureza desfazendo nossos planos
A pandemia da COVID-19 chegou como um grande tsunami, passando por cima do planeta todo. Quantas famílias foram afetadas, seja pela perda de uma pessoa querida (mais de dois milhões de mortes), seja pelas sequelas deixadas pela doença. Ou ainda pela perda do emprego, pelo negócio que faliu, pelo casamento adiado, ou, pelo plano que naufragou. Sofremos pela imposição da distância, pela convivência com o medo e toda a sorte de incertezas.
Para quem mora fora do país, não importa onde estejamos, vivemos a pandemia duas vezes. A pandemia no país onde vivemos e a pandemia no Brasil. Às vezes, parece que a sensação é de alívio por estar longe, mas como sentir alívio tendo nossa família ali? O sentimento que realmente predomina é o de impotência.
Pandemia, crise econômica e imigração ilegal
Cada pessoa teve a vida afetada de uma forma diferente. No caso dos expatriados, estar “legal” ou “ilegal” no país marcou uma grande diferença. Para quem está “legal”, por mais difícil que seja, há sempre a possibilidade de um amparo governamental. Porém, para quem está em situação ilegal, dificilmente essas pessoas conseguem acessar o apoio do governo e passam a ter que contar com a solidariedade.
Do dia para a noite, muitas pessoas que trabalhavam especialmente nas áreas de eventos, lazer e turismo, perderam seus empregos. Em Madri, algo desolador e que cresceu muito durante a pandemia são as chamadas “filas da fome”. Igrejas e associações civis organizam a captação e distribuição de alimentos, itens de higiene e roupas. A Fundación Madrina, apenas para citar um exemplo, atendia cerca de 600 famílias diariamente, sendo que após o confinamento de março/abril de 2020 esse número saltou para três mil famílias.
E além dos chamados “ilegais” ou dos imigrantes em geral, muitos outros foram fortemente afetados pela crise. Muitas pessoas da classe média espanhola tiveram que se socorrer nessas filas, tamanho o estrago na economia do país causado pelo coronavírus. Veja mais aqui.
No período de Natal houve uma grande mobilização social aqui na Espanha, inclusive entre os expatriados, para tentar suprir necessidades básicas de pessoas em situação de vulnerabilidade. Convém lembrar que o Natal por aqui é bastante frio, e ficar na rua não é a melhor opção.
O imprevisível: quando vou rever a minha família?
Acredito que se não toda expatriada, mas uma grande parcela, chega ao seu novo país já planejando quando irá visitar o Brasil.
Certamente uma das questões mais difícil de se lidar com a expatriação é estar longe das pessoas que amamos. É não participar do dia a dia, do aniversário, do casamento ou do sepultamento de alguém querido. É sobre o não estar presente quando necessitam de nossa ajuda ou do nosso apoio. Mas também é sobre não contar com todos eles aqui por perto, compartilhando nossa vida e nossa rotina.
Mas nós tínhamos um plano. O nosso planejamento inicial previa que veríamos nossa família duas vezes ao ano. Uma vez iríamos ao Brasil e a outra contaríamos com as visitas aqui na Espanha. E, em caso de qualquer emergência, bastaria corrermos ao aeroporto e em poucas horas estaríamos no Brasil.
Será mesmo que temos pleno domínio dos nossos planos?
A pandemia veio para nos provar mais uma vez que não. E ainda virou tudo de cabeça pra baixo.
Parece que vivemos em um filme de ficção científica, com aeroportos fechados e um risco grande de contaminar as pessoas que amamos. Já não assistimos algo assim nos cinemas?
Mas, voltando a questão: quando vou rever a minha família? Seguimos sem poder responder. Pelo menos não em “segurança”, sem risco de contágio ou com a grande possibilidade de nos deparararmos com fronteiras fechadas. Até quando?
Pandemia, impotência e humildade
Acredito que a pandemia já deixou bem claro a que veio. Nem tudo depende de nós ou de nossa escolha. Certamente uma lição de humildade, dentre tantas outras.
E ainda tem outros fenômenos naturais
Porém, não é a apenas a pandemia que pode gerar essa sensação de impotência e mudar nossos planos. Quem sai do país pode se deparar com situações que não são comuns no Brasil.
Estou falando de vulcões, terremotos, tsunamis, tornados, nevascas ou incêndios. Esses fenômenos naturais podem mudar tudo em questão de minutos.
Na plataforma Mães Mundo Afora há vários textos muito interessantes e impactantes sobre esse tema. Para citar alguns exemplos, Guaciara Rhein nos conta sobre a experiência de viver um tornado em Ottawa, no Canadá e, Georgina Matta fala sobre sua experiência em dois terremotos muito fortes no Chile. Nesse texto, compartilhou informações relevantes sobre os protocolos de emergência nas escolas, afinal as crianças precisam saber o que fazer nesses casos. Já a Vivian Galbes faz um relato muito emocionante sobre sua vivência no terremoto de 2017 no México, e a Marília Vasques relata sentimentos e aprendizados ao testemunhar um tufão no 76º andar do edifício onde vivia em Hong Kong.
Outro texto bastante interessante é o da Claudia Amalfi Marques, que explica o sistema de alerta nos Estados Unidos, que indica qual é a ameaça (ameaça iminente à vida ou à propriedade, geralmente ligado a questões climáticas) e qual deve ser o protocolo seguido pelos cidadãos. Dentre as providências há a necessidade de estocar água e comida, manter o carro abastecido, preparar mochila com roupas e documentos, ou até evacuar e buscar um abrigo.
A cada experiência extrema vivida em outros países, é impossível não imaginar como seria a mesma situação no Brasil. Refletir sobre como os governos e os cidadãos se comportam diante desses casos. E, mesmo diante de uma situação difícil, vem o alívio ao perceber que quando há estrutura e solidariedade, os danos podem ser minimizados.
Esperança
Aqui em Madri o ano começou bastante conturbado. Chegou a terceira onda de COVID-19 lotando os hospitais, tivemos uma nevasca histórica, frente polar, e a explosão de um edifício localizado entre uma escola e um asilo.
A nevasca paralisou várias cidades do país. As notícias mostraram mais de 50 cm de neve nas ruas e acredite, isso não é nada comum por aqui. O volume de neve foi tão grande e caiu em tão pouco tempo, que cerca de um terço das árvores de Madri foram danificadas. Obviamente esse fenômeno trouxe sérias consequências, sendo uma delas o desabastecimento dos supermercados. Ao chegar ao mercado e encontrar as prateleiras vazias, a sensação é de estar em um filme.
Mas, em meio a tudo isso, aos poucos, as coisas vão retomando seu curso. Dentro do cenário da pandemia, a vacinação traz alento e esperança.
A única certeza é de que não podemos desperdiçar as oportunidades de demonstrar nossos sentimentos e estar perto daqueles que são importantes para nós. Pois, apesar dos nossos planos, não sabemos quais são os planos da natureza.