Era uma segunda-feira, uma semana antes do início do desconfinamento na França. Recebo finalmente o e-mail da escola com as regras da reabertura do estabelecimento para os alunos.
Minha filha tem três anos, está no seu primeiro do maternal. Fico abismada ao saber que as regras para adultos, adolescentes e crianças maiores serão as mesmas aplicadas aos pequenos (Neste link você encontra as informações disponibilizadas pelo governo). Imediatamente me pergunto: “esse ambiente é um ambiente saudável emocionalmente para crianças dessa idade?”.
Para me ajudar a responder minha dúvidas, recorro à colunista e psicóloga do Mães Mundo Afora, Marcela Bueno. Assim transformamos juntas nossa conversa nesse texto, para ajudar você também a refletir sobre os nossos pequenos nesse novo contexto social.
A escola antes do Coronavírus
Neste texto, escrevi sobre minhas angústias quando ao início da vida escolar da minha filha. Fui surpreendida positivamente ao conhecer a escola e mais ainda quando as aulas começaram.
Deixe-me descrever esse ambiente. Chegávamos às 8h30 na frente da escola. Entrávamos pelo pátio e após atravessá-lo, chegávamos ao hall da escola. Caminhávamos de mãos dadas pelo corredor até o fundo do local, onde se encontra a área do maternal.
Na frente da sala, havia os suportes para os casacos e mochilas. Esperava e auxiliava minha filha a pendurá-los. Depois, era hora de tirar o caderno de recados da mochila e colocá-lo numa caixa separada para que o professor o tivesse de maneira fácil. Era por meio dele em que a comunicação acontecia.
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Seguíamos então até a mesa ao lado da entrada da sala, onde os cartões com as fotos e nomes das crianças ficavam dispostos para que elas os pegassem antes de entrarem. Entrávamos na sala juntas. Ela colocava seu cartão na caixinha separada (o equivalente à chamada) e seguia para uma das mesas redondas com atividades coletivas disponíveis. Ou para o setor de blocos de construção, ou para o de bonecas (com cozinha, caminhas etc).
Lá eu via um pouco do que ela fazia e me despedia. Na escola, ela brincava, cantava, dançava em conjunto. Almoçava, fazia soneca e atividades com os amiguinhos.
A partir dos cartões que as crianças colocavam na caixinha quando entravam, o professor podia falar sobre os que estavam ausentes. Passamos dois meses e meio no Brasil antes da pandemia. No retorno à escola, os coleguinhas da minha filha a cercaram e a acolheram, pois o professor explicava todos os dias onde ela estava. Assim como, várias vezes, ela chegou contando que tal ou tal amiguinho havia faltado naquele dia.
Havia uma troca que me deixava muito feliz e tranquila. Na saída, as crianças brincavam juntas no parque que fica ao lado. Algumas vezes, ela chegou com desenhos dados pelos colegas.
Regras sanitárias
Para o retorno à escola, as seguintes regras (entre outras), devem ser respeitadas:
– um senso de circulação foi colocado em prática na escola;
– Uma entrada e um saída são atribuídas a cada classe e os pais não poderão acessar os locais;
– O material não pode ser emprestado entre os alunos. Os jogos coletivos não poderão ser utilizados;
– Cada aluno deve ter seu próprio material;
– As classes não podem se encontrar. Os recreios são divididos;
– Em classe, a movimentação está limitada o máximo possível;
– Um lugar em mesa separada é atribuído a cada aluno com no mínimo um metro de distância.
Lendo ainda as diretrizes do governo, ainda há o conselho de restringir ao estrito necessário o contato físico entre adultos e crianças. Entre crianças não é mais permitido. Os materiais das crianças devem ser manuseados apenas por elas (adeus cartão de chamada).
Falo com o professor da minha filha. A sala que as crianças conheciam não é a mais mesma. Nada de bonecas, livros, blocos de montar. Apenas atividades individuais. Na entrada, os pais não são autorizados a entrarem. Um aluno por vez passa na porta.
E eu fico imaginando aquelas crianças que ainda choravam quando eram deixadas na sala, na mesa com a atividade escolhida e com a assistente ao lado, que muitas vezes os abraçava para acalmá-los.
Para nos ajudar a entender e lidar com a nova ótica da escola pós-pandemia, deixo o espaço para a Marcela.
Os benefícios da Educação Infantil e as novas medidas adotadas
Marcela Bueno: A decisão que colocar um filho na creche. Passado este primeiro momento, vem a escolha da escola: a mais próxima de casa, a com melhor infraestrutura, com equipe gentil, com uma didática que vai ao encontro de nossos valores, a acessibilidade financeira enfim, buscamos um ambiente que seja agradável e confortante para os nossos pequenos, que seja praticamente uma extensão do lar.
Todo este cuidado e preocupação dos pais é necessário pois a inserção de uma criança na educação infantil é a primeira grande ruptura do cordão umbilical. Para o pequeno, que irá dividir o seu tempo com outras pessoas, distante dos olhos e da proteção dos pais e principalmente da mãe, que após meses de fusão, terá que lidar com o vazio e com todas as angústias da separação.
É evidente o papel da escola no desenvolvimento físico, social, cognitivo e emocional das crianças. A escola é um dos pilares do neurodesenvolvimento, onde a criança aprende a conviver com outras crianças, desenvolver habilidades, a maturidade, a autoestima, personalidade e autoconfiança.
Atuais mudanças
Com as novas regras de distanciamento social e o arranjo dos móveis e matérias dentro das salas, um dos grandes benefícios que a escola promove a criança, a socialização, será cerceado.
Brincar e conviver com outras crianças e com os educadores na primeira infância não é apenas um estar ao lado e instruir a atividade. É uma troca construtiva e cooperativa, é um espaço natural de partilha, onde as crianças adquirem valores humanos sólidos e uma maior resistência à frustração em situações sociais.
Além disso o ambiente escolar propicia o desenvolvimento afetivo das crianças. Os educadores são figuras por quem os mais novos sentem normalmente especial apreço, e é também nas creches que as crianças fazem as suas primeiras amizades. É extremamente importante transferir parte do foco da afetividade dos pais para outras figuras presentes no cotidiano da criança. Desta forma, a criança cresce mais independente e confiante.
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A organização do espaço, objetos e rotinas é fundamental pois favorece a interação de adulto e crianças em um ambiente acolhedor e afetivo e deve ser respeitado.
Sabemos também que as crianças são adaptáveis, mas que uma rotina diária é fundamental, incluindo os horários e hábitos da escola, pois gera um sentimento de previsibilidade nos pequenos, amenizando medos e ansiedades.
Muitas das medidas tomadas para a reabertura das escolas são preventivas e visam minimizar riscos de novos contágios, bem como permitir aos pais que regressam aos seus trabalhos, tenham onde deixar os seus filhos. É claro que com isto, outros aspectos importantes não puderam ser considerados.
Como em princípio, a volta as creches será voluntária, cabe aos pais analisar e decidir se o retorno a este espaço com as regras e configurações adotadas continuam sendo benéficos aos seus filhos. Mas outro ponto a ser considerado é que talvez este novo arranjo seja a normalidade pós-pandemia e que se arraste por longo período.
Então acredito que uma solução viável para pais, filhos e educadores é uma readaptação homeopática e controlada, ou seja, pouco a pouco inserir a criança neste novo ambiente com novas regras para que tome conhecimento e se aproprie da novidade. Em casa, os pais podem ajudar nesta compreensão, com materiais lúdicos, como contos, teatralização com os bonecos prediletos e desenhos.
Diante de tanta incerteza, precisamos estar abertos às mudanças e a aprender novos modos de troca e comunicação de afetos.
2 Comentários
Pois é Mariana, conheço muitos pais que preferiram não levar os filhos pra escola a partir da reabertura por conta desse protocolo rígido.
Mas como bem disse a Marcela, se o problema durar, seremos obrigados a nos adaptar.
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