Como falar sobre coronavírus com as crianças
Desde que toda essa confusão de coronavírus, pandemia e confinamento começou, estamos todos abalados. O confinamento mexe nas estruturas de todos. Alternamos momentos bons e outros nem tanto. Alguns podem ter perdido o emprego ou ao menos a estabilidade financeira. Outros estão conseguindo se manter em home office, fazendo malabarismo para conciliar o trabalho com todos os afazeres domésticos, o que se torna ainda mais complicado se há crianças pelo meio. Estamos todos emocionalmente desorganizados: adultos e crianças.
Mas e aí, como explicar para as crianças tudo o que estamos vivendo? Como falar de um vírus, que não se vê, mas está desestruturando nossa rotina e o mundo?
Primeiramente, acredito que uma coisa importante é que os pequenos precisam de menos informações do que nós pensamos que devemos dar. Se nos atermos a responder às suas perguntas, de maneira apropriada para a idade, acolhendo seus medos, é suficiente. Pensando nisso, seria interessante não deixar o noticiário ligado o dia todo, por mais que estejamos preocupados e curiosos querendo saber o que vai acontecer. As crianças ainda estão se desenvolvendo cognitivamente e, quanto menores são, menor a capacidade de absorver as notícias de forma real. Ou seja, não são muitas vezes capazes de distinguir o que está acontecendo longe daquilo que está ao seu alcance, gerando uma maior ansiedade. Você não fica também ansioso ouvindo sobre esse assunto o tempo todo?
Mas já que comentei sobre o desenvolvimento cognitivo, o que a criança em cada faixa etária (as faixas etárias são aproximadas, pois cada um tem seu tempo) é capaz de assimilar e como seria melhor abordar o assunto com elas?
Bebês
Os pequenos de zero a cerca de dois anos, apesar de não entenderem exatamente o que está acontecendo, percebem muito bem quando tem algo diferente no ar. Não apenas a rotina da família inteira mudou, como a interação com outras pessoas e, especialmente, o clima dentro de casa está diferente.
Os pequenos se identificam muito com o que seus cuidadores estão sentindo, são capazes de perceber mudanças muito sutis no humor dos pais. Por isso, é bem capaz que teu pequeno esteja sentindo a tensão e te esteja requisitando ainda mais que o normal. Eles apreendem o que estamos sentindo e, como somos suas figuras centrais de apego, precisam da nossa proximidade para sentir segurança. E mesmo não falando exatamente sobre o que está acontecendo, podemos ser abertos quanto aos nossos sentimentos: “A mamãe está triste/preocupada/com saudades, a nossa vida está um pouco diferente agora, mas estamos juntos e eu estou aqui por você, tudo bem se você está triste também”.
De dois a seis/sete anos
A partir dos 2 anos, com a linguagem mais desenvolvida, já podemos começar a explicar algumas coisas, de forma lúdica. Como eles têm necessidade de explicações mais concretas e visualizações, os livros podem ser grandes aliados nessa fase. Já para nós é muito difícil imaginar que uma coisinha invisível está causando todo esse caos, imagina para uma criança, que ainda está desenvolvendo sua capacidade de lógica e abstração? Várias pessoas escreveram livros ótimos para abordar a questão do coronavírus com as crianças. Alguns você pode encontrar aqui e aqui.
Este período (estágio pré-operatório, segundo Piaget – biólogo suíço famoso pela sua teoria do desenvolvimento infantil) é caracterizado pelo egocentrismo (tudo é meu, para mim, do meu jeito), aspecto muito forte aos 2 anos, que vai diminuindo até chegar por volta dos 5-6. Por isso, eles ainda não têm capacidade de se colocar no lugar do outro. O que significa que não adianta explicar que devemos ficar em casa ou não encontrar a vovó para proteger o outro.
Além disso, eles aprendem muito por imitação. Então além de falar, devemos fazer: lavar sempre as mãos, evitar sair e, ao sair, usar máscara e manter distância. E fazer juntos, ainda melhor se for transformado em uma brincadeira.
Leia também: A quarentena de famílias com crianças
Ainda nessa fase aparecem os inúmeros “porquês”, os quais podemos responder de forma simples e concreta: “Não podemos sair/encontrar os amigos/ir para a escola porque tem um bichinho muito pequenininho, que nem conseguimos ver com nossos olhos, deixando muita gente doente e nós não queremos ficar doentes” ou “Precisamos lavar bem as mãozinhas para limpar todos esses bichinhos”. Aliás, para explicar concretamente às crianças a importância de lavar as mãos, pode-se usar o experimento de água e orégano, para quem não conhece deixo o link aqui. Funcionou até com a minha pequena de 2,5 anos.
É essencial dar espaço às perguntas e também às suas hipóteses e ser sincero nas respostas. Por exemplo, nessa idade eles podem dizer que se alguém ficar doente é só dar um remedinho (ou ainda um beijinho) que passa, mas podemos explicar que infelizmente para essa doença ainda não tem um remedinho.
Dos 6/7 aos 11/12 anos
Nessa fase, que Piaget chamou de operatório concreto, as crianças ainda possuem um pensamento bastante concreto, ainda que menos egocêntrico. Portanto, as explicações ainda precisam ser ancoradas ao material, pois não são capazes de raciocinar de maneira abstrata, através de hipóteses somente verbais. Livros e atividades didáticas continuam grandes parceiros.
Um ponto importante a partir desta fase é que as crianças começam a entender a morte como uma coisa irreversível, o que ainda não faziam anteriormente. Logo, passam a ter medo que pais, avós ou eles mesmos, morram. E com o tanto que se fala de morte durante essa pandemia, esse medo pode vir mais forte à tona. Como todos os medos, esse deve ser tratado como real pelos pais e acolhido, jamais minimizado.
Acima dos 11/12 anos
O pré-adolescente alcança finalmente a capacidade de abstração. Nesse período já é possível conversar com eles sobre o que é um vírus, as doenças que causam e suas consequências nas nossas vidas. Nessa fase já passam a apresentar hipóteses para sanar problemas, e podemos estimulá-los a pensar sobre o momento que estamos vivendo, pesquisando sobre o assunto na internet, lendo e assistindo noticiários juntos.
É somente agora que o ser humano entende realmente a reciprocidade na moral, ou seja, compreende que regras devem ser cumpridas por todos de maneira recíproca como forma de cooperação do grupo. Ou seja, ficamos todos em casa agora pelo bem geral, para protegermos uns aos outros.
Lidar com a insegurança
Acima de tudo, as crianças precisam de nossa empatia e atenção neste momento único. Para amenizar a insegurança, algumas coisas podem ajudar:
- Uma rotina previsível ajuda a manter a estabilidade: prepare um quadro de atividades diárias junto com os maiorzinhos;
- Tire ao menos um momento do dia para dar a eles sua atenção plena, nem que seja deitar junto no sofá e não fazer nada;
- Use a tecnologia a favor naqueles momentos em que estão mais tristes e com saudades dos amigos ou da família, como nós;
- É normal não estar o tempo todo disponível e a paciência estar mais curta. Estamos vivendo uma situação muito diferente e até traumática, em que todos estamos vulneráveis e amedrontados. Mas é legal explicar que naquele momento não dá para atender os pedidos de atenção, mas assim que der reparar isso.
- Podemos e devemos ser sinceros e usar a oportunidade para falar com os pequenos sobre emoções e medos. Ninguém vai sair dessa da mesma maneira que entrou.
2 Comentários
[…] Leia também Como falar sobre coronavírus com as crianças […]
[…] Leia mais: Como falar sobre coronavírus com as crianças […]