Enquanto o Brasil amarga o triste saldo de mais de 50 mil mortos na pandemia de COVID-19, a Austrália segue como um dos países que atravessou a crise com menos vidas perdidas. Por aqui, os dados oficiais apontavam 102 mortes até o fim de junho, quando este texto foi escrito.
O que a Austrália fez, afinal, para chegar a este resultado? Há muitos fatores a serem avaliados, inclusive a realidade socioeconômica absolutamente distinta da do Brasil. Mas, para mim, parece haver três elementos centrais: a rápida implementação do isolamento social, do fechamento das fronteiras e da suspensão das aulas nas escolas.
Sobre as escolas
Na verdade, o fechamento das escolas talvez tenha sido a parte mais confusa. Isso porque o primeiro-ministro Scott Morrison defendia uma coisa e os governadores de cada estado defendiam outra. Após informações desencontradas, no fim de março o estado da Nova Gales do Sul (onde fica Sydney e onde moro) adotou oficialmente o fechamento das escolas públicas. Somente aquelas crianças cujos pais trabalhavam em serviços essenciais, como na área de saúde, puderam continuar frequentando. As outras passaram a seguir um plano de ensino online cuidadosamente elaborado. Foi assim por mais de um mês.
No início de maio, quando a contaminação pelo novo coronavírus parecia mais controlada, o governo anunciou a volta às aulas. No entanto, o processo na Austrália foi realizado em etapas. Na primeira fase, as turmas foram divididas em pequenos grupos e cada criança frequentava a escola apenas um dia por semana. O motivo, claro, era evitar aglomerações.
Somente a partir do dia 25 de maio as aulas retornaram de forma integral. No entanto, nada mais está como antes. Estamos diante do “novo normal”. Pais e responsáveis estão proibidos de passar do portão. A diretora e alguns professores ficam lá para receber as crianças. A concentração diária de todas as turmas no pátio antes de o sinal bater, momento super importante no ritual da escola, está cancelada. O horário de saída também foi divido em “lotes”, com um grupo de alunos sendo liberados às 14:50 e outro no horário às 15h. Tudo para evitar que muita gente fique esperando no portão ao mesmo tempo.

Volta às aulas na Austrália – arquivo pessoal
A escola do meu filho informou que estão fazendo mais de uma limpeza diária e que todos os ambientes passaram por um rigoroso processo de desinfecção antes da volta às aulas. Entre as novas práticas rotineiras, todas as crianças, inclusive as do jardim de infância, precisam lavar as mãos e usar álcool em gel antes de entrar em sala. Os livros da biblioteca ficam em “quarentena” antes de voltarem para a estante. A distância de 1.5m é a regra para professores e funcionários.
Retomada da rotina
Os parquinhos foram reabertos no fim de maio, de forma mais ou menos paralela ao retorno das aulas em tempo integral. A biblioteca do bairro também voltou a funcionar, mas com horário reduzido e medidas rigorosas de higiene. Os restaurantes podem abrir para 10 pessoas no máximo.
Em tese, o limite de passageiros nos ônibus seria de 12 pessoas, mas ninguém respeita a regra nos horários de pico. Os assentos foram organizados com um adesivo verde indicando o distanciamento social mínimo, mas tem gente sentando fora do lugar marcado. Vale dizer que o uso da máscara não é obrigatório e que quase não se vê mais ninguém usando.
Eu e meu filho passamos mais de um mês em completo isolamento, com ensino virtual e muita criatividade para enfrentar o lockdown. Meu marido chegou a trabalhar de casa por algumas semanas, mas logo voltou ao serviço presencial, com equipamentos de proteção individual e mudanças físicas no ambiente de trabalho, como a instalação de vidros no balcão de atendimento ao público do consulado.
O comércio reabriu e já não faltam produtos essenciais no supermercado, como arroz e papel higiênico. Ah, o papel higiênico! Os rolos sumiram das prateleiras por quase um mês e passaram a ser disputados feito ouro em garimpo. Teve até caso de briga entre clientes que terminou em boletim de ocorrência.
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Os ânimos estão menos exaltados e a retomada da vida ao ar livre parece ter diminuído a ansiedade coletiva. Até os pequeninos sentem que tudo está mais parecido com a vida de antes, embora talvez para sempre diferente. A retomada dos playdates, ou encontros com os amigos para brincar, trouxe alívio para as crianças e para os pais, que nunca preencheram este espaço, por mais boa vontade e esforço que tenham tido durante o lockdown.
Meu filho sabe que a rotina ficou diferente por causa do coronavírus. Ele tem cinco anos. Conversamos em casa sobre como o vírus se propaga e como ele pode se proteger e proteger os outros. Os professores também falam sobre o assunto em sala de aula e sempre reforçam as medidas de segurança. É claro que, nessa idade, as crianças ainda não têm a dimensão do que venha a ser uma pandemia e do momento histórico que estão vivenciando. Mas tenho certeza de que todas sentem estarem diante de uma nova rotina.
Ajudá-las a compreender as mudanças e a assimilar o “novo normal” é nossa tarefa, não só da escola. Para os leitores que vivem no Brasil ou em países que ainda não chegaram à estabilização do contágio, eu reforço: vai passar!
Há um mês, todo este cenário que descrevi aqui parecia um sonho distante. Tudo vai passar. Vamos atravessar o luto, elaborar as nossas dores individuais e coletivas e entender que nada mais será como antes, mesmo que assim pareça.