A reabertura gradual de Nova Iorque durante a pandemia
Em março de 2020, Nova Iorque se tornou o epicentro da pandemia de coronavírus, chegando a registrar mais de mil mortes diárias. As autoridades locais tiveram que adotar medidas duras para controlar a situação.
Em maio, o número de infectados começou a cair, mas o governo manteve tudo fechado, e a população permaneceu maciçamente em casa. Essa rotina, que incluía homenagens diárias aos profissionais dos serviços essenciais com palmas, panelaços e buzinaços, foi quebrada a partir do assassinato de George Floyd em 27 de maio.
As manifestações contra o racismo e a reabertura gradual de Nova Iorque
A partir do assassinato de George Floyd, milhares de pessoas tomaram as ruas de Nova Iorque para protestar contra o racismo e a ação violenta da polícia. As manifestações eram diárias, aconteciam em diferentes partes da cidade e reuniam muita gente. Em 1 de junho, o governo decidiu implementar o toque de recolher devido a alguns episódios violentos.
Os protestos continuaram e o toque de recolher se estendeu por uma semana, até o dia 7 de junho. No dia 8, Nova Iorque iniciou a fase 1 de reabertura, que permitia entre outras coisas o retorno da construção civil, a reabertura de fábricas e lojas. As lojas abririam apenas para a retirada de produtos comprados via internet ou telefone.
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Parte da população temia essa abertura logo após a onda de protestos, mas felizmente não houve um aumento considerável no número de infectados. Na ocasião, o governador reafirmava o direito das pessoas de se manifestarem, mas alertava que elas deveriam procurar uma unidade de saúde para a realização do teste do covid-19. Novos postos foram criados para dar prioridade aos participantes dos protestos.
A vida da minha família não mudou muito com essa primeira fase da reabertura. Todos em casa mantiveram as suas rotinas de atividades online. Eu, que estava com um probleminha de saúde e que tive uma cirurgia cancelada devido à pandemia, aguardava a liberação do governo para os hospitais voltarem a realizar cirurgias eletivas. Eu tentava ao máximo reduzir o risco de contaminação e me manter saudável. E todos lá em casa seguiam os mesmos passos.
Em 22 de junho, Nova Iorque entrou na fase 2, com a abertura das lojas, dos restaurantes (apenas para entrega ou a retirada de comida), escritórios, etc. As cirurgias voltaram a ser permitidas em alguns hospitais, e a minha foi marcada.
Cirurgia durante a pandemia
Minha cirurgia foi agendada para o início de julho. Alguns dias antes, tive uma consulta virtual com a minha ginecologista. Ela reafirmou que o mais provável é que a cirurgia fosse feita por laparoscopia, e que eu poderia voltar pra casa no mesmo dia, mas que só no momento teria certeza.
Fiquei ansiosa nos dias anteriores ao procedimento. Além das preocupações comuns às pessoas que vão se submeter a uma cirurgia, o medo de ter que ficar muito tempo no hospital me perturbava. Eu temia contrair covid-19 e me angustiava com a possibilidade de ter que ficar lá sozinha, caso a cirurgia fosse realizada pelo método mais invasivo. O hospital ainda mantinha regras rígidas em relação aos acompanhantes devido à pandemia.
No dia marcado, eu e meu marido saímos de casa cedo em direção ao hospital. Ele só pôde me acompanhar até a recepção. Como o hospital ficava fora da cidade e longe de casa, ele ficou aguardando notícias no estacionamento. Felizmente, deu tudo certo e a médica conseguiu realizar o procedimento por laparoscopia. Pude voltar pra casa no mesmo dia. Me lembro com alegria quando a enfermeira me levou na cadeira de rodas até a porta de saída do hospital, e eu vi meu marido se aproximando com o carro. Embora eu estivesse enjoada, literalmente vomitando num baldinho (por causa da anestesia), o alívio de ir passar a noite em casa era imenso.
As consequências da pandemia para a cidade de Nova Iorque
Uma das consequências da crise econômica gerada pela pandemia é o número de estabelecimentos comerciais fechados. Caminhando pela rua, observo com tristeza o número de restaurantes que fecharam suas portas. Os que continuam abertos trabalham com delivery e servem ao ar livre, com mesas nas calçadas ou estruturas de madeira na própria rua. A reabertura da parte interna dos restaurantes só está autorizada a partir de 30 de setembro.
Muitas lojas também estão fechando. Os lojistas têm dificuldades de arcar com os custos de meses fechados e com as vendas reduzidas após a reabertura. Até mesmo a famosa loja da Victoria’s Secret na rua 34 fechou suas portas. A marca já havia entrado na justiça, alegando não ter condições de pagar o aluguel astronômico, mensal, de quase 1 milhão de dólares nesse contexto de pandemia.
O mercado imobiliário na cidade está em baixa. Com os adultos trabalhando e as crianças estudando online, muitas famílias migraram da cidade para os subúrbios. A possibilidade de ter mais espaço a custos mais baixos, atraiu muita gente. Muitos jovens que perderam os seus empregos também deixaram a cidade e voltaram para a casa dos pais. No edifício em que moro, há vários apartamentos para alugar, coisa que não acontecia antes. Da minha janela, eu tenho visto muitos imóveis vazios nos prédios ao redor.
O cenário atual de Nova Iorque
As autoridades locais continuam atuando com bastante cautela para tentar manter a baixa taxa de transmissão da doença, que desde de junho não ultrapassa 1%. Diferentemente de muitos estados norte-americanos, onde o número de infectados não para de crescer, Nova Iorque tem conseguido controlar a situação.
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Atualmente, durante a fase 4 de reabertura, os cinemas, casas de espetáculos, teatros (incluindo os da Brodway) permanecem fechados sem data de reabertura. Alguns museus como o Metropolitan e o MoMA abriram recentemente com capacidade reduzida. As academias também voltaram a funcionar nas últimas semanas.
As escolas públicas tiveram o início das aulas adiado para 21 de setembro. O sindicato dos professores havia ameaçado entrar em greve, algo que não ocorria há mais de cinquenta anos. O governo da cidade precisou de mais tempo para adaptar os espaços. As aulas ocorrerão no modelo híbrido, que mescla presencial e virtual, para os que assim desejarem. Segundo o jornal The New York Times, em torno de 40% dos pais optaram pela continuação do ensino online.
O bairro de Midtown, que congrega muitas empresas e que era muito movimentado em determinados horários do dia, agora está muito diferente, bem mais vazio. Aos poucos, algumas empresas começaram a voltar, mas grande parte da força de trabalho ainda continua atuando virtualmente.
Torço que a reabertura de Nova Iorque seja definitiva e a cidade consiga aos poucos se reerguer e voltar a ter a mesma vida pulsante de antes. Espero que o prefeito de Blasio esteja certo quando diz que os que saíram da cidade irão voltar ou serão substituídos por outros que trarão muita criatividade e talento. Se você pensa que a cidade de Nova Iorque não vai voltar a ser o que era, você não conhece essa cidade.