Em meus 11 anos fora do Brasil, primeiro nos Estados Unidos e agora na Holanda, aprendi muito com os gringos sobre tudo desta vida. Em tempos de queimadas na Amazônia e aproveitando que hoje, dia 15 de outubro, comemora-se o Dia do Consumo Consciente, quero compartilhar com vocês a minha experiência com a questão ambiental, incluindo hábitos de consumo, e como a sustentabilidade se encaixa na minha maternidade e na vida de imigrante.
As raízes
Sempre fui apaixonada pela natureza, e minha referência eram as fazendas que visitava. O ritmo das atividades do campo, o cuidado com as plantas e os animais me fascinavam. Me sentia “enraizada”, unida a essa força maior que vem da Terra. Isso se intensificou com o turismo ecológico, a gestão de recursos naturais e culturais e tudo o mais que escolhi estudar e praticar profissionalmente.
EUA: terra do consumo
Nos Estados Unidos, decidi estudar Psicologia Ambiental e Social para entender o que motiva as pessoas a tomar atitudes em prol do meio ambiente. Vivi por sete anos em meio a um consumismo desenfreado, mas, em contrapartida, descobri muitas práticas sustentáveis e também o mundo dos artigos de segunda mão. Muita gente comprava, por exemplo, esquis de segunda mão para experimentar o esporte, ao invés de investir em artigos novos sem saber se haveria um comprometimento a longo prazo. E cortando custos, também poupamos recursos ambientais!
Eu me ocupava em convencer as pessoas, com números e de maneira racional, de que a questão ambiental era mesmo urgente e que ser ecológico era benéfico (inclusive financeiramente) para todo mundo. Mas depois de concluir meus estudos, um grande leque se abriu e passei a enxergar argumentos além dos financeiros, porque a lógica da estatística na minha pesquisa revelou que o maior fator motivacional das práticas ambientais é o altruísmo.
A maternidade
Uma coisa é ler sobre altruísmo, e outra é sentir aquele amor intenso e a necessidade de cuidar do outro sem esperar nada de volta. É claro que eu já amava muitas outras pessoas e queria imensamente o bem delas. Mas sinto que a maternidade, com todo o seu poder gerador e transformador, me conectou à vida de uma maneira diferente. Além de saber o que era altruísmo, eu agora sentia na pele um desejo de cuidar do todo, ou seja, de toda a vida que pulsa neste planeta. Minha maternidade passava pelo que eu consumia.
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Meu filho nasceu na Holanda, num momento conturbado para nossa família porque tínhamos acabado de mudar para cá e não sabíamos muito como tudo funcionava. Não teve fralda biodegradável nem reutilizável. Também não teve o sono para nutrir o corpo, porque nosso pequenino tinha dificuldade para dormir. Não me lembro bem, mas acho que até paramos de reciclar nosso lixo naquele período de quase um ano. Leite materno, teve; frutas e verduras fresquinhas, também. Fizemos o que pudemos, escolhemos o que nos coube. E tudo bem, porque o mais importante era cuidar, dele e de nós mesmos. Isso era o natural…
O consumo consciente na Holanda
À medida em que meu bebê cresceu e aprendeu a dormir, voltei a observar meu entorno numa escala maior. Minha impressão é que na Holanda, o consumismo existe, sim, mas é menor do que no Meio Oeste americano onde vivi. Há uma forte tendência contra o descartável, inclusive o que é portátil. Pelo clima mais frio e escuro, consome-se muito café, então copos e garrafas reutilizáveis produzidos com materiais duradouros e ecológicos são facilmente encontrados.
Lenços de bolso, de tecido orgânico, são também bastante populares, assim como os guardanapos. Lenços umedecidos são substituídos por toalhinhas quadradas tipo luva, molhadas em água morna e guardadas em recipientes térmicos para serem usados dentro e fora de casa. Essas substituições combatem a poluição (por papel e plástico) e a emissão de gases carbônicos, ao mesmo tempo em que poupam recursos naturais. Além disso, o que dura mais custa muito menos em longo prazo, e com tantas opções fica mais prático e acessível diminuir a pegada ecológica.
O uso de artigos de segunda mão é generalizado entre famílias de classe média por aqui, principalmente aquelas com crianças, e não só por uma questão financeira, mas também porque tem-se a consciência de que as coisas não precisam sempre ser novas para suprir as necessidades de uma criança. Meu filho ganha presentes novos só dos amiguinhos, no aniversario, e no Natal, no Brasil. Compramos tudo de segunda mão para ele, de roupas a bicicleta. Acho fantástico encontrar roupas orgânicas de segunda mão!
O consumo colaborativo
A Holanda é uma das pioneiras na economia da partilha (também conhecida como consumo colaborativo), onde se emprestam e alugam produtos que são usados poucas vezes no ano, ou na vida, como uma furadeira elétrica de alta potência. Em uma plataforma online – o Peerby.com – , moradores de uma mesma vizinhança podem se comunicar e emprestar (ou alugar) tais produtos. Afinal, por mais que ter nossa própria furadeira seja conveniente, quantas vezes na vida vamos precisar de uma com a potência de furar uma parede de concreto? Três? Então uma furadeira por vizinhança é suficiente!
Muitas outras coisas também entram nessa lista, como por exemplo tendas grandes, mesas e cadeira dobráveis para festas. Como muitos desses artigos são de uso sazonal, na alta temporada a solução é alugar ao invés de emprestar. Os benefícios ambientais são excelentes, e ainda se pode ganhar um dinheirinho extra ou ter menos coisas ocupando espaço em casa.
Minimalismo e impacto ambiental
Aliás, acredito que a questão do espaço contribui para a tendência mais minimalista do holandês em relação ao americano do Meio Oeste. Como a Holanda é um país muito pequeno, espaço é luxo. Então, se encher de coisas não faz sentido.
O holandês também me parece bastante consciente do seu impacto ambiental enquanto consumidor residente em um país rico. O território apresenta menor biodiversidade quando comparado aos Estados Unidos ou ao Brasil. A pobreza é infinitamente menor que a encontrada nos EUA ou em países em desenvolvimento, os grandes exportadores de tal biodiversidade. Assim, enquanto outros países produzem, eles consomem. Em outras palavras, eles sabem que um consumo mais consciente de sua parte tem um enorme impacto positivo na cadeia de produção de bens de consumo.
O otimismo e as sugestões
Por essas e outras razões (como o pioneirismo em economia circular), a resposta da sociedade holandesa à crise ambiental me mantém sempre otimista. Também acredito que, se eu visitar o Meio Oeste americano hoje, vou ver muito mais iniciativas sustentáveis e de consumo consciente do que há cinco anos.
Acho que, com tantas informações e tantas causas, nos vemos um pouco perdidos como consumidores, sem saber por onde começar a mudar. Minha sugestão para mães e pais é: tente se conectar com a natureza o mais que puder, e siga o que considerar natural. Natural no sentido de ser saudável, de vir de dentro para fora, de respeitar os ciclos naturais. Um bom exemplo é se alimentar do que a estação oferece, ao invés de comer morangos durante o inverno holandês. A alimentação é uma ótima fonte de inspiração para nos guiar ao consumo consciente, independente de onde moramos. Se sua alimentação faz sentido, tudo o mais começa a entrar nos eixos. Por fim, desejo que possamos estar sempre abertos a discutir soluções e a aprender juntos!
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Marina Scatolin é mãe do Gabriel, esposa do Rafael, e empreendedora por natureza. Especialista em comportamento ecológico, fundou a Simply Groen com a missão de ajudar indivíduos, famílias e grupos profissionais a adotar práticas ecológicas que se encaixem em suas realidades. No exterior, aprendeu a admirar as formas da natureza nas quatro estações. A vida de imigrante lhe garante inspiração diária para viver uma vida mais leve e sustentável a cada dia!
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