Olá! Meu nome é Vanessa Pfeil e eu sou a fundadora do Livros for Kids. Antes de falar sobre como é para uma mulher negra que veio da favela do Brasil viver na Alemanha, eu quero contar para vocês um pouquinho da minha história e de como eu cheguei até aqui.
Sou brasileira, tenho 38 anos, sou casada com um alemão e mãe de um casal de gêmeos e, quando achávamos que a “fábrica” tinha fechado… estou grávida da nossa terceira filha! Eu sou de uma família de quatro irmãos e de mãe viúva, nascida e criada no Complexo de Favelas da Maré, um dos lugares mais violentos do Rio de Janeiro.
Bem, a minha mãe ficou viúva muito nova, com apenas 30 anos. Ainda assim conseguiu criar muito bem os quatro filhos. Eu sou a caçula e sempre gostei muito de estudar. Por que eu falo isso? Porque esse foi o único meio de melhorar de vida que eu via e que a minha mãe falava muito. Ela usava a “psicologia infantil da favela” (hahahaha) . Como tinha que sair para trabalhar por muitas horas e trabalhava de 10 a 12 horas por dia, ela dizia: “As vizinhas estão de olho em vocês! Se quando eu chegar souber que vocês estavam na rua, eu pego vocês”. Então, a gente tinha medo e ficava em casa, e um cuidava do outro. E a nossa família era assim.
Quer conhecer outros parceiros do Mães Mundo Afora? Clique aqui !
Eu morei na Nova Holanda por 22 anos da minha vida. Só saí de lá quando eu consegui o meu primeiro estágio na faculdade. E para conseguir sair de uma favela, principalmente uma favela carioca, não é fácil!
As pessoas olham para mim e falam “Ah, Vanessa, tá vendo? Quem quer consegue!” Não, não é bem assim gente. Na verdade, eu não sou regra, eu sou exceção. Eu queria muito sair daquele espiral de pobreza e eu só consegui isso através da educação, do estudo e de oportunidades.
Eu fiz parte da primeira turma de pré-vestibular comunitário da Maré, a turma de 1997 e lá eu tive uma série de anjos enviados por Deus na minha vida.
Estudei em colégio público por apenas três anos. Como o meu pai era militar, eu tive direito a estudar em um colégio militar, o que me proporcionou uma boa base. Mas saindo do colégio eu não tinha dinheiro para pagar pré-vestibular. Na época não existia ENEM, então só conseguia passar no vestibular quem fazia os cursinhos famosos. O meu sonho era ser engenheira civil – eu amo obra – ou então dentista, mas para esses dois cursos eu precisaria estudar em tempo integral e, para isso, eu precisaria de alguém me dando um suporte financeiro. Minha mãe não tinha dinheiro nem para a passagem.
Sempre tive boas notas, nunca fui uma aluna brilhante, ainda mais no 2º grau, quando eu estava em uma época meio rebelde. Mas eu tinha boas notas, acima de 75 quando a média era 60. Eu dava o meu melhor. As outras meninas tinham lanche e eu não tinha – eu recebia lanche de uma amiga maravilhosa que me ajudava pra caramba. Eu não tinha todos os livros, então, na medida do possível, eu era sim uma aluna brilhante.
Por causa das minhas boas notas, eu recebi uma bolsa de 75% de desconto em uma faculdade particular, mas eu ainda teria que pagar os 25%. Então, a minha mãe começou a trabalhar dobrado para me ajudar e já no primeiro semestre eu fiquei obcecada para arranjar um emprego e me manter na faculdade.
O pessoal se organizava para carona e ninguém queria me dar carona porque eu morava na favela. Foi bem difícil, é muito difícil a vida do favelado, a verdade é essa. É muito perrengue que a gente tem que passar.
Por mais dificuldades que eu tenha tido, e foram muitas, eu tinha uma mãe super forte e que falava “vamos lá, estamos juntas, você não pode desistir!”. Às vezes, eu tinha vontade de desistir no meio do caminho. Eu vi muitas meninas na favela sendo namoradinhas do chefe do tráfico e eu pensava “quero ser também, elas estão lá com roupa de marca e eu tendo que usar tênis furado, roupa repetida”… esse mundo é muito sedutor dentro favela, onde o Estado não está e você não tem lugar de fala, você é invisível. Então, eu consegui um estágio num escritório de contabilidade que me ajudou a ir pagando a mensalidade. E assim eu me formei.
Eu acredito muito em encontros e, para chegar aonde eu cheguei hoje, eu tive encontros de pessoas na minha vida. Por exemplo, eu não tinha dinheiro para a minha formatura de 2º grau, aí a inspetora do colégio falou que seria a minha madrinha e pagou o meu vestido. Eu acabei ganhando uma bicicleta num bingo do colégio, vendi por R$150,00 que era o dinheiro que eu precisava para participar da formatura. E daí em diante foram só encontros.
E muitos esforços. Eu lutei muito para me formar e já emendei em uma pós-graduação. Comecei a trabalhar num projeto social na Vila Olímpica da Maré e daí fui crescendo. Até que tropecei no alemão mais bacana da Alemanha! Conheci o meu marido em 2004. Eu estava começando a minha pós. Enrolei quatro anos para casar, porque eu não digeri fácil a ideia de morar na Alemanha. Até que ele falou: “Vanessa, ou você casa comigo ou eu não sei o que a gente vai fazer da vida”. Então eu casei e vim morar aqui (hahahaha).
Eu tenho que ser bem sincera, foram quatro anos de luto. Eu demorei muito a me adaptar à Alemanha É um país extremamente organizado, as pessoas são extremamente reservadas, totalmente diferente do clima de subúrbio em que eu vivia. Até me encontrar…
Depois de cinco anos, com a chegada dos meus filhos, Valentina e Vincent, a minha vida se transformou. Eu sempre fui uma pessoa pró-ativa, já era empreendedora no Brasil, na favela eu tinha uma mini-imobiliária, tinha imóveis alugados, fazia a economia girar ali no meu quarteirão e sempre tive esse espírito empreendedor. Com a chegada dos meus filhos eu virei só mãe, eles ficaram três anos em casa e eu fiquei três anos só vivendo como mãe. Quando eles começaram a frequentar a creche eu me perguntei o que iria fazer da minha vida. Eu pensei em me recapacitar profissionalmente, só que aqui, apesar de ter empregos part time, ainda assim é difícil a recolocação da mulher no mercado de trabalho após ter filhos, porque eles podem ficar doentes, então ninguém quer contratar uma mãe. Na Europa é bem melhor do que no Brasil, quero deixar isso claro, mas ainda assim é muito difícil.
A ideia do Livros for Kids surgiu através dos meus filhos. Eu fui uma vez ao Brasil e queria comprar livros para os meus filhos lerem, isso porque a minha mãe me fez prometer que eu ensinaria português para as crianças. Além disso, eu sempre achei importante deixar o conhecimento da língua portuguesa como herança para os meus filhos. Então eu comprei 200 livros no Brasil!
Eu não sabia se voltaria no ano seguinte então decidi levar uma boa quantidade. Mas eu tinha amigas brasileiras que vinham aqui em casa e falavam “nossa, esse livro é bem bacana, me empresta? ”. Foi quando eu percebi que havia um nicho de negócio, porque não tem livros em português do Brasil aqui na Europa, existe em português de Portugal. Assim, nasceu a Livros for Kids, da necessidade de uma mãe ler em português do Brasil para os seus filhos!
Nós estamos em todos os países da Europa, na Austrália, no Japão , no Canadá, em Singapura e nos Estados Unidos. Hoje, a gente participa de eventos e ações que proporcionam a esses brasileirinhos e suas famílias a possibilidade de ter livros em português de qualidade, os nossos preços são super acessíveis e a gente tem contrato de exclusividade com algumas das melhores editoras no Brasil. O mais legal nisso é que eu trabalho com um grupo de 18 mulheres, que também são mães de filhos pequenos e que buscavam um job. Eu não digo que emprego 18 mulheres, eu digo que tenho 18 parceiras, pois sem elas eu não conseguiria estar nesses países, elas são o meu braço onde eu não consigo alcançar, eu sou muito agradecida a elas por confiar em mim e no meu trabalho.
Temos o apoio de embaixadas, não só aqui da Alemanha, mas também Espanha, Portugal e nos demais países onde estamos presentes e doamos 10% de toda a renda do Livros for Kids para 2 projetos sociais voltados para a Educacao na Maré. Fornecemos para o governo como bilbliotecas públicas e distribuímos para grandes livrarias também. Nosso próximo passo é conseguir formatar (a pedido das nossas clientes) um clube do livro bem bacana! Apesar de muitos impostos e do alto custo de transporte desses livros do Brasil para a Europa, temos conseguido fazer um ótimo trabalho, oferecendo livros de qualidade para as famílias binacionais que vivem fora do Brasil.
Nos próximos meses cada distribuidora do Livros for Kids irá enviar um texto de apresentação para o Mães Mundo Afora! Continue nos acompanhando por aqui, entre no nosso site www.livrosforkids.com e siga o nosso Instagram (@livrosforkids) O Maior site de venda de Livros em português fora do Brasil reuniu os melhores temas em coleções para você adquirir!
2 Comentários
[…] Leia também: Como surgiu o Livros for Kids […]
[…] Leia também: Como surgiu o Livros for Kids […]