O encantador e particular mundo das avós
Pensando em quão diferente foi a infância e juventude de minha avó, posso entender muitos comportamentos e falas que repetia durante a nossa doce convivência.
Mesmo sabendo escrever apenas o próprio nome, minha avó era bilingue: “mangia che ti fa bene” (“comer isso é bom para você”) me dizia em italiano sempre que eu me recusava a comer. Minha avó era conhecedora das leis da física: “não olhe no espelho após tomar banho que a sua boca pode entortar”. Minha avó era uma sábia mediadora: “Você é mais velha, você entende”, para que eu não começasse uma briga com meu irmão quando ele pegava o meu brinquedo favorito. Minha avó era esportista: “Venha jogar, menina, e pode deixar que eu fico no gol”, além de outras múltiplas funções, porque avó é assim, uma mulher “Bombril” (mil e uma utilidades, para quem não conhece o eterno slogan do produto).
O que não há explicação é o amor nato e a candura com netos. Via o cansaço em seus olhos que se recusavam a dormir, pois minha avó apenas “tirava um cochilo”, mas que me levava ao colégio todos os dias e, para não sujar meus sapatos, me carregava quando havia lama no meio do caminho.
A minha avó tinha o dom da balança, me dizia sempre que eu estava magrinha e que não engordaria se comesse todos os bolos, pães, queijos e café melado que estavam sobre a mesa 24 horas por dia. Além de ser, é claro, a maior elevadora de autoestima que alguém pode ter.
Criada pela avó
Sim, eu literalmente honro essa frase. Fui criada pela avó, na verdade pelos meus avós maternos que aceitaram o desafio de ficar conosco, mesmo passado anos da última vez que criaram filhos. Na verdade, acredito que era um prazer e algo não tão complexo, porque não me lembro de ouvir com frequência a palavra “não”. Os avós não estragam, eles só tornam a vida mais doce: doce de paçoca, doce de leite, doce de marmelada…e meus pais sempre estavam presentes na contramão dos prazeres!
Anos 70, mulheres mais independentes e ativas socialmente, minha mãe não deixou de trabalhar com o nascimento dos filhos. Sorte a nossa, primeiro por ter nos inspirado tanto a não temer os desafios e, segundo, por permitir estar e desfrutar dos nossos “queriduxos” avós.
Minha avó não só me levava ao colégio, mas também às aulas de ballet e, por isso, aprendeu o ofício de cabeleireira para criar o mais perfeito coque. Minha avó não só jogava futebol, mas também permitia que eu brincasse de “mamãe da rua” com os meninos até às 10h da noite.
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Minha amada avó, como uma legítima mineira, também foi responsável pelo meu vício por doce de leite e cocadinha, por pão caseiro recheado, por bolinho de chuva e por um saboroso café passado na hora.
Ser criada pela avó me permitiu aprender rapidamente a contar e a me orientar pelos dias da semana, pois sabia quando era quinta-feira – quando o armário estava cheio de guloseimas compradas na feira do bairro – e também quando era sexta-feira, o dia de voltar aos prantos à casa de meus pais, mas sabendo que em dois dias estaria novamente com meus avós!

Fonte: pixabay.com
Minha avó não tinha parada
Durante os anos que vivi com meus avós, meus pais moravam em um bairro distante, o que também foi um dos motivos para que, pensando no bem-estar dos filhos, optassem por nos deixar com nossos avós durante a semana. Mas esta distância estava sofrível e foi então que resolveram se mudar para a mesma rua, assim todos estariam felizes.
Para a Dona Ana, minha linda vovó, não era suficiente tocar a campainha ao vir nos visitar. Ela queria poder entrar a qualquer momento e, claro, conseguiu uma cópia das chaves. E ela continuava a ser a responsável por nos despertar às 6h da manhã, mesmo aos finais de semana, com o singelo e discreto barulho do lavar e esfregar o quintal.
Sim, minha avó não tinha parada. Mesmo minha mãe repetindo incansavelmente para não fazer, Dona Ana adorava uma vassoura e uma mangueira. Limpar o nosso quintal diariamente era um prazer para ela e hoje entendo que era o que a mantinha viva, ou seja, ser ativa, pois no momento em que passou de cuidadora a cuidada, perdeu o lindo brilho do olhar.
Minha avó era uma figura nada discreta e silenciosa, característica que a minha mãe e eu herdamos, pois quando eu estava naquele momento de último soninho gostoso pela manhã, ela chegava e puf, metia a mão no interruptor e queimava os meus olhos com tanta luz.
Ela também ajudava a lavar as louças, a preparar a comida, a estender e passar a roupa e ainda sobrava tempo para sentar no sofá com a gente e contar alguma história ou uma fofoquinha da vizinhança.
Herança interrompida
Este imenso privilégio que tive ao conviver por muitos anos com minha avó e ser imensamente amada e acarinhada por ela, com reciprocidade de sentimentos, não foi passado a meu filho. Minha avó partiu no último mês de dezembro, sem conhecer meu bebê, ao menos pessoalmente, em decorrência das escolhas que fazemos na vida. Porém, ela estava feliz pela minha conquista, sem deixar de se preocupar. Sinto imensamente a sua ausência, mas na certeza de que nós aproveitamos muitíssimo.
Entendemos, a bisa estava cansada e já não tinha forças para brincar com o meu filho, tampouco memória para contar-lhe histórias. Chegara a vez da minha mãe desempenhar este papel, mas a vida prega peças e, às vezes, umas bem grandes e a verdade é que minha mãe nos deixou 3 anos antes de conhecer o seu único neto, antes mesmo de minha avó partir.
Mais uma herança interrompida!
Meu filho então não teria seus sapatinhos tricotados pela avó, suas toalhas bordadas, não provaria da melhor torta de palmito do universo, não se divertiria soltando bombinhas nas festas juninas – coisa que a moleca da minha mãe adorava fazer -, não ouviria a história de como sua avó aprendeu a dirigir em uma Kombi aos 16 anos.
Nós ficamos sem um colo, um carinho, um apoio, uma motivação, enfim, sem este amor de vó. Nos resta a saudade e as lindas lembranças. E eu serei a porta voz, com muito prazer, das aventuras de Dona Maria ao seu neto.
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Então, vamos cuidar desta que é uma criaturinha tão singular e especial. Abracemos, visitemos, ouçamos atentamente os seus contos, valorizamos e aproveitemos das vovós. Parabéns a todas que são e serão um dia. Feliz Dia das Avós!
Dedicado às minhas eternas Ana e Maria.
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Até a próxima!
3 Comentários
Que texto cheio de verdade, sensibilidade e amor! Chorei… me vi em algumas linhas dele! Feliz Dia para todas as vovós e vovôs!
Ah que saudadesss
Chorei feito criança aqui, com saudade da minha Teresa, com saudade da sua mãe….lembrei do cheirinho da torta, e lambem das bombinhas!
Quanta saudade!
Quanto amor fomos críados!
Belissino texto!
Obrigada pelo carinho meu amigo.