Como falei neste texto do mês passado, a região da Bretanha tem uma cultura bem própria. Existe até piada em torno do sotaque do povo da região, que é bem carregado. Eu mesma sempre conto a história de quando fui à casa de um amigo do meu marido, nascido e criado aqui, e que eu não entendia a metade do que ele dizia. Provoquei-o, perguntando que língua ele falava. Ele, então, me olhou e perguntou/respondeu: “Mas você acha que não tem sotaque?” E eu disse: “Claro que tenho, mas eu sou brasileira!!” Achei muito engraçado ele se comparar a mim e achar que eu não sabia que o meu sotaque não só era real mas beeem carregado…
Os festivais
O povo bretão, em sua maioria, tem muito orgulho da sua música, dança e trajes típicos, que são onipresentes principalmente durante o verão, em toda a região, particularmente durante os festivais.
O primeiro festival na França teve origem na Bretanha. Foi “La Fête des Filets Bleus” (literalmente “A festa das redes de pesca azuis”). Durante os anos 80/90 o número de festivais se multiplicou. A Bretanha é a região da pesca por excelência na França. Seus 22 portos concentram mais da metade da pesca nacional de peixe e crustáceos. Por isso, eventos sobre o tema são frequentes por aqui.
Quais são os festivais mais conhecidos?
- Festival Interceltique de Lorient (no departamento Morbihan)
- Festival de Vieilles Charrues, na cidade de Carhaix (departamento Finistère). Em 2021 esperam-se artistas como Céline Dion , Lenny Kravitz, James Blunt…
- Festival du Bout du Monde na península de Crozon (departamento Finistère)
Vou tratar mais detalhadamente do Festival des Filets Bleus, que acontece na cidade onde moro, Concarneau, no departamento Finistère, todos os anos no mês de agosto. Este ano, não fosse o Covid, o evento deveria comemorar a sua centésima edição.
A festa dura quase uma semana e no domingo de manhã moradores e turistas buscam um lugar privilegiado para assistir ao grande desfile, que é o clímax do Filets Bleu. O festival reúne cerca de dois mil dançarinos e músicos de grupos celtas e de “bagadou” (banda tradicional) de toda a Bretanha. Além disso, no domingo ainda se elege a Rainha do Festival, que deve ter mais de 17 anos e morar em Concarneau ou em duas outras cidades vizinhas. A Rainha eleita assume o papel de embaixadora da cultura bretã, ao lado de sua vice e de três damas de honra.
Paralelo ao festival, o “village de la mer” (vilarejo do mar) propõe atividades relacionadas à pesca e navegação, degustação de derivados do mar, assim como a simulação de salvamento marítimo, entre outras.
Trajes típicos da região
A rainha, a vice e as damas de honra do festival exibem a “coiffe“, uma espécie de cocar, que antigamente fazia parte dos trajes das bretãs. Dependendo do tipo de cocar utilizado podia-se identificar a situação social da mulher (burguesa, operária, camponesa…).
Não faz tantas décadas que cocares e vestidos foram abandonados. Nos anos 40 ainda se usava esse cocar. E as crianças também obedeciam às regras de vestimentas da época. As meninas não usavam o cocar mas sim um adereço menor, além de um largo colarinho branco que ornava os vestidos. Os meninos, por sua vez, usavam uma espécie de bombacha e boina.
Se quiser ver a galeria de fotos de modelos de “coiffes“, clique aqui.
Curiosidade: minhas filhas frequentaram aulas de dança típica bretã durante um ano. Também dançaram trajadas durante o festival. Quando elas acabaram de se apresentar, tirei o cocar de cada uma e saímos caminhando até o estacionamento. Uma conhecida nos abordou, dizendo: “Mas o que vocês estão fazendo? Não pode tirar o cocar!” Descobrimos, então, que é proibido aparecer em público sem a “coiffe” ou outra parte do traje: ou porta-se a vestimenta completa ou nada!
A música
Os músicos que compõem uma banda “bagad” (singular do “bagadou“) são conhecidos como “sonneurs” e os instrumentos musicais utilizados por eles são:
- a “cornemuse” escocesa (gaita de foles)
- a “bombarde” (semelhante à flauta )
- a “caisse claire” (tarola)
Entretanto, nos festivais da Bretanha não se ouve só música celta, não! Rock, hard-rock, pop, hip-hop, rap, reggae, eletrônica, jazz, canto polifônico também estão presentes. A cada verão, essas festas atraem cerca de 1,5 milhão de espectadores. Entretanto, este ano todos os festivais foram anulados por causa da Covid-19.
A dança Bretã
A dança bretã era praticada principalmente entre os camponeses, até por volta de 1940. Depois de um breve intervalo, reapareceu em grupos folclóricos. A “gavotte“, o gênero mais popular de dança bretã, pode se praticar em roda, em pares, em fileiras… A dança acompanhava as tarefas quotidianas, os trabalhos agrícolas, uma noite de final de colheita, casamentos…
Se tiver curiosidade para saber mais sobre música e dança bretã, clique aqui.
No próximo mês, continuarei explorando a cultura bretã, com enfoque na gastronomia. Bon appétit! (em francês mesmo, porque em bretão há controvérsias sobre a expressão!)