Por que meu filho bilíngue gagueja?
Eu sou mãe de um garotinho de cinco anos que já morou em três países, já teve contato com muitos idiomas e teve muitos episódios de gagueira na vida.
Meu marido e eu sempre ficamos muito preocupados quando esses episódios começam a ficar mais frequentes e fortes, então já consultamos três fonoaudiólogas em três países diferentes.
Antes de tudo, quero te falar que esse texto não é de cunho profissional, vou te contar a minha experiência e o que me foi dito nas três vezes que buscamos apoio profissional.
O contato com o bilinguismo
Lucca, meu filho, nasceu no Brasil e nos mudamos para a África do Sul quando ele tinha cinco meses. Com um ano ele foi para uma escola alemã onde se falava Inglês e Alemão.
A África do Sul tem onze idiomas oficiais, sendo eles: o Inglês, o Africânder que é algo parecido com o Holandês, outras nove línguas das tribos locais e ainda tem mais oito línguas não oficiais. E é muito comum escutarmos esses dialetos diariamente.
Um pouco após ele completar três anos nos mudamos para a Itália, ele ficou três meses comigo sem ir para escola ouvindo somente o Português e depois foi por durante cinco meses para uma escola italiana, até ele entrar na escola internacional que tem o inglês como primeiro idioma.
Lucca sempre foi uma criança com desenvolvimento normal, ele sempre se desenvolveu na curva ou acima da curva dos mapas pediátricos. Isso é algo que todas as fonoaudiólogas levam em consideração.
Quando tudo começou
O primeiro episódio de gagueira foi quando ele estava para completar três anos e saiu do Kinderkrippe (creche) e foi para o Kindergarden (Jardim de Infância) na escola alemã que ele frequentava.
A diferença entre Kinderkrippe e o Kindergarden era que na primeiro tinha uma professora que falava alemão e outra que falava inglês, enquanto na segundo tivemos que escolher entre uma classe que só falava alemão ou só falava inglês, optamos pela primeira opção.
A escolha pela classe alemã em detrimento a classe inglesa se deu porque achamos que era uma grande oportunidade dele desenvolver o Alemão enquanto o Inglês ele aprenderia de qualquer forma e também porque a maioria da antiga classe dele estava indo para a classe alemã.
Leia mais: Ansiedade de mãe ao criar um filho bilíngue
Na época ele passou por uma speech therapist (terapeuta da fala) da escola e fez algumas sessões de terapia que eram brincadeiras. Ele adorava.
A terapeuta juntamente com a professora indicou que ele mudasse da classe alemã para a classe inglesa, que eu acredito que foi apenas uma forma da escola esvaziar a classe alemã que estava lotada enquanto a inglesa tinha poucas crianças. Não acho que era necessário, mas como estávamos para nos mudar para Itália, aceitamos.
Logo o evento da gagueira parou de acontecer como se nunca tivesse acontecido.
O segundo episódio de gagueira
O segundo episódio se deu quando ele foi para a escola italiana. Ele iniciou a escola com três anos sem nunca ter tido contato com a lingua italiana.
Na minha opinião, o que ajudou o caso a ficar crítico foi o fato dessa escola ser uma escola de freiras, super rígida, e ele vir da cultura da África do Sul onde as crianças são livres e não precisam nem usar sapatos. Foi uma grande adaptação para ele, bem mais que o idioma.
Todos os dias que eu chegava para buscá-lo ele estava de castigo por motivos que na minha opinião são tolos, como subir pelo lado oposto do escorregador ou colher as plantas do jardim. Ele cresceu em uma escola com grandes quintais com árvores enormes e totalmente na terra.
Esse segundo foi o episódio mais critico e assustador onde tinha vários dias que ele desistia de se comunicar de tanto gaguejar e por fim falava: – “Mamãe eu não sei falar.”
Eu notei também que ele acordava conseguindo falar, mas piorava no final do dia conforme ele ia se cansando. E a fonoaudióloga nos falou que isso é o normal.
Como já estávamos com viagem marcada para o Brasil decidimos que consultaríamos uma profissional na nossa lingua materna.
No dia da consulta ele já estava ha alguns dias no Brasil e já tinha evoluído o quadro voltado a se comunicar quase que normalmente.
A fonoaudióloga não viu necessidade de uma terapia e nos orientou a ficarmos calmos e acolhê-lo se o quadro voltasse a piorar.
Outra orientação interessante que ela nos deu foi para iniciar a corrigir o Português dele quando ele falasse incorretamente com vícios de linguagem vindos do Inglês.
O terceiro episódio de gagueira
O terceiro episódio foi também aqui na Itália quando ele já estava na escola internacional que frequenta há mais de um ano.
No fechamento do ano letivo que se dá em Junho aqui na Itália a sua professora do Kindergarden notou os eventos e nos indicou levá-lo novamente a uma profissional.
Nós o levamos em uma fonoaudióloga especializada em crianças bilíngues nas línguas inglês, italiano e espanhol indicada pela própria professora.
O laudo das fonoaudiólogas
Mais uma vez a profissional não viu nada de sério no caso dele e nos disse que ele não é gago, tem apenas eventos de gagueira enquanto está desenvolvendo alguma das línguas que fala e que esses eventos são completamente normais em crianças bilingues e que com o tempo eles deixarão de ocorrer.
Provavelmente todos os eventos ocorreram quando uma das línguas estava em desenvolvimento. No primeiro episódio o Alemão, no segundo o Italiano e pode acontecer sempre que tiver algum salto de aprendizagem em algum dos idiomas.
Outra peculiaridade do Lucca é que ele é uma criança muito ativa e muito comunicativa, ele fala muito e o tempo todo, então ele fica muito ansioso quando as palavras não vem imediatamente.
Leia também: Desmistificando esse tal de bilinguismo – parte I e parte II
O Lucca ainda está diferenciando as três línguas que ele fala: Inglês, Português e Italiano (não sei se ele ainda lembra do Alemão). Às vezes quando ele fala uma palavra ele não sabe a qual idioma ela pertence.
Algo que a fonoaudióloga nos disse é que comparado a uma criança que fala apenas um idioma ele tem o triplo do vocabulário na sua cabeça, consequentemente é mais difícil dele encontrar a palavra certa dentre tantas.
Dentro desse vocabulário em três idiomas ele precisa selecionar as palavras no mesmo idioma e criar frases para depois criar uma sentença. E para uma criança isso não é tão simples nem em apenas uma língua.
O que elas nos indicaram é que nós pais devemos ficar calmos, nunca falar a palavra pela criança mesmo que tenhamos entendido e acolhê-la quando percebermos que estão muito ansiosos (quando a palavra não sai e a gagueira se inicia).
Esse acolhimento pode ser apenas um toque nos ombros ou dizer: – Pode pensar que eu vou esperar você dizer.
Me conta nos comentários se você já presenciou eventos de gagueira de uma criança bilingue e qual foi a sua experiência.
Com Carinho, Tati Paiva.
4 Comentários
Que texto lindo. Me emocionei aqui. Difícil pro Lucca, mas ele vai dar conta.
Muito obrigada ♥️
Ola. Estava procurando na internet e me deparei com o seu site.
Minha filha é bilíngue e começou a gaguejar com 3 anos principalmente quando fala português.
Qual foi orientação dada para o seu filho? A gagueira sumiu? Vcs tiveram que falar somente em 1 idioma?
Att
Claudiane
Olá Claudiane!
A recomendação no nosso caso foi para seguirmos normalmente, de nenhuma forma parar de falar qualquer um dos idiomas. Geralmente a gagueira vem quando uma das línguas está se desenvolvendo mais que as outras, mas ela sempre passa. Claro que se não passar é sempre recomendado procurar um profissional do assunto. 😘