Por que falar português é tão importante para nós
Na minha cabeça, manter o português da Sarah (10 anos) ou ensinar pra Giulia (2 anos) fosse uma tarefa simples e que bastasse apenas que eu e o Fred nos comunicássemos em português que elas aprenderiam facilmente. A prática tem mostrado que não é bem assim!
Cheguei com a Sarah na Itália em nov/2017, ela com seis anos e meio e finalizando o primeiro ano da escola bilíngue em São Paulo, na qual ela iniciou com quatro anos. Uma escola canadense onde ela se adaptou muito bem por sinal. Já o italiano tivemos algumas aulas antes de vir pra cá, mas apenas para se familiarizar com os sons, porque aprender mesmo foi só vivendo aqui.
Leia mais: Língua de herança: a escolha é sua
Logo após a nossa chegada, a Sarah iniciou a escola sem ter domínio nenhum do idioma, mas muito disposta e aberta a aprender. Eu digo que ela é uma guerreira, afinal não é fácil mudar de escola, deixar os amiguinhos e iniciar em um lugar totalmente novo e sem saber se comunicar como gostaria. A Sarah é extremamente comunicativa, quem conhece sabe que a “bichinha” fala pelos cotovelos. Mas esse é assunto para um outro texto.
Resumindo essa minha introdução, após três meses de escola a Sarah já se comunicava e se fazia entender muito bem. Acompanhava sem dificuldade o ritmo da escola e se sentia adaptada. É realmente incrível como as crianças se adaptam rápido.
Em casa falamos somente português
Enquanto isso, em casa falávamos apenas em português. A gente ouvia músicas, filmes e até alguns programas de TV em português, pensando sempre que isso seria importante para mantermos o idioma.
Posso dizer que mesmo assim, depois de um tempo percebemos que a Sarah construía as frases de uma forma diferente, como se estivesse traduzindo o italiano para o português. Até ai tudo bem, a gente repetia de forma correta e ficávamos de boa pensando que com o tempo ela aprenderia, afinal era a nossa língua oficial em casa.
Um ano depois da nossa mudança pra cá, chegou também a Giulia e agora sabia que teríamos ainda mais forte o português em casa, isso porque os programas de TV e as músicas seriam ainda mais frequentes no nosso idioma. A essa altura eu tinha certeza que o português ia entrar na cabeça delas de forma efetiva.
A Giulia cresceu, começou a escolinha e logo começou dizer mamãe e papai, mas também outras palavras, em italiano. Nunca me preocupei muito porque sabia que depois ela falaria também o português. O tempo passou, e o seu vocabulário era em italiano e quase nada em português, mesmo entendendo tudo que falamos em português.
Palavras que deixaram de ser familiares
O lance é que não basta só entender, mas repetir e saber porque falar a nossa língua é importante e também útil. Recentemente fazendo uma atividade do Clube Cafuné (programa de português como língua de herança) com a Sarah eu disse as palavras “graciosas” e “persistente” e ela não sabia o que eram. Ficou claro que o que era óbvio pra mim, não era nada pra ela. Pensei: Que outras palavras não usamos tanto e que talvez ela se esqueça?
Claro que não espero que ela tenha um vocabulário vasto, mas isso foi um sinal que se eu não investisse tempo e amor, outras palavras se perderiam, e talvez até a vontade de falar português, já que as palavras não viriam tão facilmente.
Quando os filhos preferem falar somente italiano
Conheci algumas famílias brasileiras que vieram pra cá com filhos pequenos e outras que tiveram filhos aqui e muitas me disseram que os seus filhos entendiam português, mas preferiam falar italiano. Outras disseram que os filhos nascidos aqui até falavam um pouco quando menores, mas que crescendo foram esquecendo.
Onde essas famílias erraram? Será que eu estava fazendo o certo? Sem julgar ninguém e nenhuma família, longe de mim, afinal eu também represento uma família que provavelmente passaria pela mesma situação. E é exatamente sobre isso que eu queria falar com vocês, o português como língua de herança.
Como assim, português como língua de herança (POLH)?
Eu também nunca ouvi falar até ler mais sobre o assunto aqui no Mães mundo afora. Tudo começou com os textos da maravilhosa Claudia Amalfi, colunista aqui do mães mundo afora e uma apaixonada pelo POLH.
Aprendi que a língua de herança vai além de apenas ensinar o nosso idioma, que tem a ver com identidade, com a nossa história, quem somos e de onde viemos. Eu que sou filha de pais nordestinos, mas morei e cresci em São Paulo, fico encantada e gosto de toda tradição e história que envolve o lugar de onde meus pais vieram.
Quem me conhece sabe que eu sou a louca do cuscuz com leite, da fava com farinha, da batata doce amassada com leite e tantas outras coisas. Eu gosto de sanfona e amo a famosa e tradicional festa junina com fogueira na porta de casa.
Não basta só dizer “painho” e “mainha”
Entende como vai além de apenas falar “mainha” e “painho”? Tem a ver com cheiro, sabores, música e toda sensação que cada coisa traz. Acho que é por tudo isso que desejo passar a nossa língua pra elas e não porque os avós não falam italiano, mas porque elas são brasileiras e conhecem o significado da palavra que só existe em português, saudade. Desejo que elas saibam contar as características do Brasil que vão além do samba e da feijoada. Que elas possam falar sobre a bossa nova, mas também sobre o sertanejo e o forró que faz parte da trilha sonora do nosso churrasco brasileiro.
Que elas conheçam as histórias dos livros que marcaram a nossa infância como o “Menino Maluquinho”, “Chapeuzinho Amarelo”, “Meu Pé de laranja lima” e a “Vaca mimosa e a Mosca Zenilda”. Sem falar do clássico Sitio do picapau amarelo e os programas da TV Cultura, que além de educativos eram muito divertidos. Quem não se lembra do ratinho tomando banho? E o “senta que lá vem a história”? Sei que não vai ser como era pra mim, mas que seja então algo familiar, que traga lembranças de quem somos e de onde viemos.
Orgulho de conhecer e gostar da cultura nordestina
Viram só como vai além de falar o português. Se você é filho ou filha de pais nordestinos que carregam as origens, sabe bem do que estou falando. Por um bom tempo meus pais falavam bem arrastado, e consequentemente eu e minha irmã também, mas com o tempo perdemos aquele sotaque. Porém, quando tenho que contar “causos” ou quando faço uso de palavras que parecem não fazer parte do vocabulário paulista, as pessoas sempre perguntam: “sua família é nordestina?” eu orgulhosamente respondo: “Sim!”
Sei perfeitamente que se continuarmos na Itália elas terão muito daqui e isso é natural. Inclusive manter as nossas origens brasileiras e toda a história não é disputar com o que elas irão construir aqui, é uma soma. Não quero dividir as minhas filhas, só quero mostrar pra elas que dois é melhor que um, então porque não investir nas nossas raízes?
Temos motivos de sobra para isso e orientação da melhor qualidade que hoje nos ajuda manter tudo isso que contei pra vocês.
Uma andorinha só não faz verão, então busque ajuda!
As meninas do Clube Cafuné têm nos ajudado de forma especial através de atividades divertidas, lúdicas e tão cheias de memórias que de forma leve temos conseguido com sucesso avançar com o POLH. A Giulia que antes não falava tanto em português, tem falado muito e eu fico orgulhosa. Com a Sarah temos descoberto novas palavras, significados e contado muitas histórias de infância e de família. Fizemos juntas nossa árvore genealógica e foi sensacional.
Quero que o português seja não só um idioma, mas algo que traz lembranças, sabores, cheiro, história, orgulho e muito cafuné!!