Meu filho está esquecendo o português… e agora?
Já se passaram dois anos desde que o Fe deu uma grande “virada” em várias coisas de sua vida: escola, rotina, língua. Tudo foi reajustado por ele como um programa de computador que é atualizado para uma nova versão.
Antes de virmos para os Estados Unidos, nos preocupamos em prepará-lo para essa mudança. Aulas de inglês, conversas sobre a nova cultura, vimos vídeos juntos que mostravam a região onde iríamos morar, pesquisamos sobre as escolas. Mas em nenhum momento pensei que essa mudança seria tão rápida e tão fluída como foi para ele.
Quando uma criança estrangeira, que não fala a língua inglesa, começa a estudar em uma escola aqui, geralmente entra em um programa chamado ESOL (English as a Second Language – Inglês como segunda língua). Nesse programa ela terá um reforço maior para o aprendizado da nova língua.
Sem necessidade de reforço
No caso do Fe, para minha surpresa, ele não foi classificado para esse programa, pois conseguia se comunicar e compreender tudo em inglês. Acho que todo o preparo pré-mudança ajudou muito nisso, mas o mérito maior é todo dele. Ele sempre gostou de inglês e mesmo antes de começarmos a planejar tudo isso, ele já gostava de assistir os desenhos e vídeos sobre games em inglês. E como toda criança é uma esponjinha, que absorve rapidinho tudo que lhe é apresentado, com ele não foi diferente.
Hoje dá orgulho de vê-lo falando com os amigos daqui como se tivesse sido alfabetizado nessa língua, como se ela fosse a sua primeira língua.
Mas da mesma maneira que ele aprendeu rapidinho o novo idioma, o desafio de manter viva a sua língua-mãe está sendo grande. Em casa só falamos português, mas a parte escrita quase nunca é utilizada por ele em nossa língua. Salvo uma mensagem ou outra enviada por WhatsApp, toda a escrita do Fe é feita em inglês.
Quando ele precisa mandar uma mensagem para mim, geralmente é algo curto e a cada dia se parece mais com um estrangeiro tentando falar português (acentos, conjugação verbal…) e muitas palavras vão se perdendo.
Sei que é natural que a criança tenha essa “perda” da sua língua, e mesmo me preocupando muito com isso e correndo atrás de soluções para amenizar a situação, há momentos que acabam sendo engraçados no meio do percurso.
Situações curiosas
A cada conversa de vídeo que temos com os avós em São Paulo (obrigada tecnologia!), depois que desligamos, o Fe sempre vem com uma pergunta do tipo:
– Mãe, dá para você me traduzir aquela parte que a vovó estava falando sobre…Como chama mesmo essa parte do braço? O coturno, né?
– Oi? Coturno? Que coturno, Felipe? Onde tinha coturno na história???
– Essa parte, mãe… a vovó falou algo sobre dor de… ahh tenho certeza que era no coturno que ela está com dor!
– Ahhh…C O T O V E L O! Não coturno Fe. Coturno é aquela bota que se usa muito no exército. Essa parte do braço é o cotovelo: co-to-veeee-looo!
– Ihhh mãe… aqui ninguém sabe que falei errado… coturno, cotovelo… cotonete… são todos parentes!
E isso que são palavras que se usam muito. Cotovelo a gente usa frequentemente, ou pelo menos vira e mexe fala nele.
Conversando com especialista
Esta semana, falando com uma professora brasileira que mora há muitos anos aqui, perguntei se eu deveria de fato me preocupar com situações como essas que a cada dia acontecem com mais frequência. E a conversa foi boa, ela me explicou que sim, precisamos manter viva a nossa língua-mãe dentro de casa, é bom sempre trazê-la viva conosco onde quer que estejamos.
É claro que não dá para eu dizer que vou sentar com ele e fazer exercícios de português, fazê-lo ler partes de algum livro para checar como anda sua leitura. Isso seria o mesmo que eu dizer que ainda acredito em gnomos. Ok, às vezes, eu acredito, principalmente naqueles que vivem atrás da minha máquina de secar roupas e somem com os pares de meias!
Leia também: Mantendo a cultura brasileira e o português como língua de herança na Austrália
Mas sabe aqueles bilhetinhos que hoje em dia são trocados por palavras digitadas? Então, sugiro que volte a escrever! Deixe pequenas mensagens para a galera de casa, mesmo que seja na porta da geladeira para lembrar que as meias sujas devem ser colocadas em parzinhos no cesto do banheiro. Só para evitar que aqueles pequenos moradores da lavandeira aqui de casa queiram dar um sumiço em alguma meia.
E falando mais sério, estar sempre tentando corrigir de forma construtiva as falhas que vão surgir cada vez mais, tanto na fala como na escrita de nossos filhos. Dar toques a eles quando escrevem mensagens de texto do tipo: “Voce vai vim mi busca?”
Sem pressão, sem estresse, e com jeitinho ir lembrando que em português se escreve de tal jeito, se fala de tal jeito. Há acentos importantes que podem fazer uma palavra significar outra (e muitas vezes isso acaba gerando situações cômicas).
E, acima de tudo, mostrar o quanto é importante manter a sua língua pertinho de você. Não só pela questão de ser parte da sua origem, ou porque lá na frente você poderá dizer que fala x línguas, mas principalmente porque o seu idioma traz para perto de você um pouquinho de tudo que está longe: a família, os amigos, os costumes, e tudo aquilo que por algum motivo foi deixado em outro país e que vira e mexe traz uma saudade!
7 Comentários
Olá Andréa, minhas filhas resistem muito em falar português. Só falam se for com minha família, senão, em casa, não querem.
Até tinham se motivado outro dia, a ler livros brasileiros, baixei na internet, imprimi, mas tinha que sentar e ler com cada uma porque sozinhas não conseguiam. E outro dia fomos a uma livraria, comprei alguns livros em francês para elas e pronto: abandonaram os outros… Me prometeram que recomeçarão tão logo terminem os que comprei. Espero mesmo!
Oi Zandra, por aqui ainda não tenho essa resistência mas sinto que dia a dia a nossa língua vai se perdendo, pelo menos determinadas palavras que ele não costuma usar ou não aprendeu no Brasil. Mas eu tenho continuado em só português em casa.
Esses dias conheci uma mãe que ao descobrir que eu era brasileira me contou que os filhos estão aprendendo português aqui e as revistinhas da Turma da Mônica têm sido uma ferramenta ótima no estímulo da aprendizagem deles. Eles adoram as histórias da Mônica!
Quem sabe se você no lugar de livros testar um gibi? De repente a forma como as histórias são contadas neles, podem ser mais atrativas para suas filhas. ;D
Oi Andrea,
Eu tenho uma de 13 anos e um menino de 9 anos. Mudamos para ca em 2007, ela tinha so 1 ano e ainda nao falava nem portugues. Eu e ela aprendemos juntas o ingles, assistimos muitos desenhos e no ano seguinte ela comecou a ir para um pre-school. Em casa sempre 100 % portugues, ate pq sempre digo para eles que minha lingua mae e a que posso ajuda-los. Quando ela tinha 5 anos, e comecou o Kindergarten, um dia me falou que a lingua dos Estados Unidos era ingles e que nao iria falar mais portgues. Eu disse pra ela , que na nossa casa, so se falava portugues e que ingles era fora. Ela nao gostou muito, mas mantivemos o portugues. Meu filho nasceu aqui e claro que que , eles praticamente so conversam ingles. Mas quando estao comigo ou estamos todos em familia so falamos portugues. Claro, algumas palavras eles nao sabem, ou erram o tempo do verbo, mas eu nao ligo. Vamos conversando e mantendo a lingua. Tive a oportunidade de mandar ela para a escola no Brasil por 3 semanas quando ela tin ha 8 anos, isso ajudou muito. Enfim, desculpe pela historia longa, mas nao desista, imponha a lingua. Se deixarmos por conta deles, nunca aprenderao. Hj ela me agradece e acha o maximos falar portgues . Os gibis da Monica ajudaram tambem. Nao podemos desistir. 🙂
Oi Viviane, a batalha por aqui é diária rsssss. Fizemos um combinado: eu preciso da ajuda dele para aprender mais inglês e em troca ajudo quando ele perde as palavras no português. Vamos indo aos poucos… mas o importante é não deisistir, não é?
Obrigada pelo seu comentário e carinho.
Abraços nossos ;D
Oi, Andréa! Gostei muito do seu texto! As famílias brasileiras aqui na Austrália se preocupam muito com isso também. Como você disse, as crianças aprendem rápido a outra língua, mas se a língua minoritária não for usada regularmente, ela vai embora rápido também. Eu imagino os seus desafios diários para criar exposição no português para que seu filho precise usar a língua! Sobre a escrita e leitura, como você disse, sem estresse. Se você apresentar a leitura de uma forma divertida e que ele veja utilidade, pode incentivá-lo a aprender a ler e escrever em português. Daí, ele pode mandar emails e cartinhas para a vovó =-)
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