Língua de herança: histórias que emocionam
Estar envolvida com a manutenção da língua materna é sempre muito gratificante. Quantas surpresas boas encontramos nessa nossa jornada, surpresas que homologam o discurso e a prática das iniciativas ao redor do mundo. E nos dizem valer a pena!
Estive viajando neste último mês, em um lugar bem pequeno da Itália. Claro que é muito comum encontrarmos brasileiros em todos os cantos. Mas neste, em particular, encontrei um rapaz brasileiro que trabalhava no hotel. Por ser um lugar onde duas línguas coexistem, o alemão e o italiano, fiquei encantada quando ele nos ouviu falar em português e logo se identificou como sendo brasileiro também.
Quis saber logo de onde ele era. Ele me falou que a mãe era brasileira. Ele fez questão de conversar todos os dias comigo e meu marido em português. É claro que eu, apaixonada por língua de herança, tinha que perguntar como ele havia aprendido. Ele me respondeu que sua mãe só fala com ele em português. Não preciso dizer que meus olhos brilharam!
No lugar onde ele mora, existem duas línguas oficiais e, diga-se de passagem, ele as fala muito bem. E ainda fala o português (com sotaque germânico) e o inglês. Que privilégio tem esse lindo rapaz! Que postura dessa mãe! Sem contar a minha experiência em ver uma população que tem uma grande autoestima de seu país e sua língua. Vejo que esses sentimentos não são decorrentes da posição econômica, política ou social de seu país e, sim, de como valorizam a sua história e identidade.
Vivências que nos identificam como brasileiros
Durante esse mesmo período – ao me deparar com diferentes acontecimentos do meu cotidiano – observei nos grupos de bate-papo que participo algumas conversas que me chamaram atenção. Conversas simples, mas que me fizeram refletir sobre quais vivências nos identificam como brasileiros. Numa dessas conversas, alguém descobriu que havia aqui em Dubai um lugar que vendia couve-manteiga idêntica a do Brasil. Ah, foi uma festa!
Quantas pessoas se alegraram e trouxeram à tona sabores e aromas da nossa culinária de norte a sul, de leste a oeste. Eu, que participava do grupo, senti o gosto de uma couve no alho e óleo, acompanhando uma deliciosa feijoada. Senti também o feijão tropeiro recheado desta verdura, sem falar a delícia de um caldo verde…. ainda mais quando se estava a -8 ºC de temperatura. Como não sentir?
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Histórias que nos trazem memórias afetivas
E é claro que os pensamentos não param…. Outra experiência linda que tive foi no último encontro da Mala de Herança em Dubai, projeto voltado para a leitura e contação de histórias infanto-juvenis. Contamos a história escrita por Ruth Rocha “O dono da bola”. Uma história escrita nos anos 70 e que mexe com a memória afetiva de muitos adultos. Foi o que aconteceu. Pude notar que não só as crianças como também os pais estavam fixados na história. E, quando publiquei fotos desta contação, alguns pais que não estiveram no encontro se manifestaram em tom de pura nostalgia. Ah, nossas histórias também nos trazem memórias afetivas. Como não trazer?
Trazer essas vivências é trazer à tona essas emoções aos pais (me arrisco a dizer que mais a eles) destes miúdos que não estão no país de seus pais. Poderia escrever aqui alguns outros exemplos. Vou fazer em outras postagens.
Projetos de português ao redor do mundo e a valorização da língua de herança
No entanto, o que quero realmente ressaltar é que os projetos ao redor do mundo voltados para a manutenção do português querem passar aos pais o quanto é valiosa essa conscientização demonstrada na valorização da sua língua, que traz no bojo a nossa cultura, os nossos costumes, a nossa visão de mundo. As lentes com as quais nós enxergamos o mundo e o outro está arraigada ao que aprendemos e vivemos. As crianças só reconhecem que aprender esta língua – ou estar junto com outras crianças que também falam português – têm valor se tiver valor para seus pais. Este vínculo primeiro tem que ser criado pela família e depois pelos professores de português.
Esta é uma descoberta que tenho aprendido não só com a pesquisa como também na minha experiência.
Cada vez mais estou convicta de que as iniciativas voltadas a ajudar esses brasileirinhos e seus pais, mundo afora, têm valor imensurável. Por essa razão que, com muito prazer e devoção, a Hora do Conto estará ali em Dubai ou para onde eu for, assessorando meus brasileirinhos!