Somos uma família brasileira e emigramos quando minha filha tinha 2 anos e meu filho 9 meses. A nossa interação familiar sempre está permeada pela língua portuguesa. Demorou quase um ano para minha filha começar a frequentar o jardim de infância aqui na Alemanha. Enquanto essa etapa não começava, eu já os “pré-alfabetizava” em português em casa, através dos brinquedos que havíamos trazido do Brasil e outros que compramos aqui. Mesmo sendo brinquedos alemães, nós os utilizávamos para ensinar português em casa.
E quando eles preferem falar a língua local?
Quando Alice começou o Jardim de Infância, a espontaneidade em falar português foi abalada. Ela ia aprendendo a língua alemã, interagindo com os demais amiguinhos e em casa me dizia que não queria falar em português. Conversamos que seria possível falar em alemão, mas como todos em casa falam português, seria muito legal se ela pudesse continuar a falar conosco também em português.
Nesses momentos “de impasse”, para estimular o interesse eu sempre contava alguma história da minha infância no Brasil, contextualizando às situações que ela também passava aqui. Dessa forma, eu achava que ao agregar um valor afetivo à língua portuguesa, poderíamos aumentar o interesse dela em falar em português.
Na escola
Outro fato que nos ajudou muito é que a escola dos meus filhos é repleto de estrangeiros e as turmas têm crianças de várias nacionalidades. Com isso, Alice percebeu que seus amiguinhos, em suas casas, também falavam outros idiomas com suas famílias. Essa constatação reforçou ainda mais a interação conosco, em português!
Quando meu filho mais novo, Gabriel, iniciou no mesmo jardim de infância, também passou pela mesma situação. Gabriel se negava a falar em português, mas ele era ainda mais enfático do que a irmã! Porém, como eu já havia passado pelo mesmo “dilema”, utilizei as mesmas técnicas e desta vez tive ajuda da Alice. Ela já estava totalmente habituada a falar português e, com isso, Gabriel foi se adaptando novamente à língua “de casa”.
E como estão hoje?
Hoje em dia meus filhos amam falar português e se sentem mais à vontade nesse contexto.
Ao brincar falam somente em português, assim como preferem a língua portuguesa para assistir desenhos ou filmes. Quando estamos em algum lugar e eles encontram outras crianças que também falam português, ficam muito empolgados.
Na escola, quando chega uma criança brasileira que ainda não entende o alemão, minha filha logo é chamada. As professoras pedem para ela ajudar com a tradução e recepção da criança. As mães me agradecem e enfatizam como é importante a ajuda da Alice. Dizem que a criança não estava querendo ir ao Jardim de Infância por não conseguir estabelecer uma comunicação efetiva. Fico muito feliz com essa atitude da Alice e o resultado positivo que ela produz.
Como mantenho a Língua Portuguesa em casa
Como rotina, quando busco as crianças na escola, pergunto como foi o dia, o que fizeram, o que comeram. Por vezes, eles, como já passaram a manhã inteira falando em alemão, iniciam a conversa em alemão. Eu deixo um pouquinho e logo pergunto: “Vamos conversar em português? Vocês podem me contar como foi o dia em português?” E assim pelo caminho de volta para casa, vamos conversando. Claro que aparecem algumas palavrinhas em alemão, e eu as vou traduzindo. E dessa forma conversamos sobre o dia.
Outra estratégia que desenvolvi para que meus filhos dessem um mergulho na língua materna e não só se interessassem mais, mas também a aprendessem, foi saber o que estão conhecendo no Jardim de Infância e ensinar em casa o mesmo conteúdo, só que em português.
Cantinho de estudos
Foi assim que surgiu o nosso cantinho de estudos. Eles ficam muito empolgados em trabalhar em casa aquilo que aprendem na escola, em língua alemã, descobrindo juntos como é em português.
Por exemplo, quando eles aprenderam sobre o corpo humano. Por meio do lúdico, eles me diziam como era em alemão, eu falava em português, e assim fixaram os conteúdos na língua local e ampliaram vocabulário em português.
Desde que esse movimento começou, semanalmente temos “trabalhinhos” em português. Vale dizer que é possível encontrar material gratuito na internet. Esses momentos são muito esperados! Algumas vezes ficamos até um pouco mais adiantados do que a escola. Alice quando começou a aprender a escrever seu nome no Jardim de Infância já tinha aprendido em casa. Toda a preparação motora para a escrita das letras já fazíamos em casa antes mesmo dela começar a fazer no Jardim.

Arquivo pessoal – Nosso cantinho do estudo.
Resultados práticos
Uma vez a educadora do meu filho Gabriel me perguntou se ele estudava em casa. Naquele dia, as educadoras haviam feito uma atividade externa para ensinar as cores e as crianças foram até o muro da escola. A proposta era pegar um giz colorido e desenhar com as cores propostas. Gabriel fez a atividade, mas além disso escreveu algumas letras. Elas acharam diferente aquela atitude porque as demais crianças só fizeram a atividade proposta pelas educadoras.
O que quero enfatizar, através desses exemplos, é que o nosso envolvimento no processo de ensino e aprendizagem do português é muito importante para o desenvolvimento emocional dos nossos filhos. E vai além, não somente para o desenvolvimento da competência na língua de herança, mas também no apoio para o aprendizado da língua do país onde nossos filhos estão inseridos.
Outros estímulos que usamos são a leitura de livros, filmes, brincadeiras típicas e canais infantis do Youtube que contam histórias em português. Também usamos aplicativos de conversa para acessar amiguinhos brasileiros que também moram fora do Brasil. Novas amizades sempre são seladas durante as nossas viagens.
Para quem pode contar com uma comunidade brasileira ativa, levar os filhos para interagir com demais crianças brasileiras também é uma ótima opção. Além de desenvolver a linguagem através da interação social, auxilia o trabalho que estamos fazendo em casa.
Uma metodologia para ensinar a Língua de Herança
Para alfabetizar minha filha e pré-alfabetizar meu filho, eu sigo a linha construtivista aliada ao conceito de afetividade. (Leia um pouco mais sobre Alfabetização Construtivista). Utilizo o conhecimento prévio das minhas crianças para direcioná-las a uma nova construção na língua de herança. Eles têm liberdade para que essa nova interação seja construída de forma que faça sentido para eles e eu respeito muito isso (leia aqui sobre alfabetização no ensino bilingue).
A língua de herança é muito mais do que uma nova língua a ser aprendida. É a língua do aconchego, a língua que a vovó fala com eles. É a língua aonde a história de suas vidas começou e apresentá-la associada a uma linda história de origem, fará toda a diferença para a criança.

Arquivo pessoal – Bilhete em português escrito pela Alice.
Eu entendo que a forma tradicional de alfabetização, aquela apresentada de forma isolada, não faz com que a criança aprenda de forma significativa, mas somente de forma mecânica. Acredito que através da construção afetiva do aprendizado, além de ser mais prazeroso, agrega significado para a criança. Nós, mães, de acordo com o desenvolvimento dos nossos pequenos, podemos ensinar português em casa e direcioná-los a uma competência satisfatória na língua de herança.
4 Comentários
Amei o conteudo. EU quero muito ensinar meus filhos o portugues. Adorei a ideia do cantinho da aprendizagen. Voce trouxe muitos livros do Brasil? Eu acho dificil encontrar bons livros em portugues aqui onde EU moro ou ate no Amazon.com. Beijos e obrigada.
Oi, Cristina! Tudo bem? Que bom que você gostou! Fico feliz com isso! Eu comecei a usar com meus filhos alguns livrinhos que eu tinha trago e outros eu comprei aqui. Na verdade eu utilizo a minha experiência como professora no Brasil e produzo alguns materiais que utilizo com eles. Quantos aos livros, eu utilizo os que acho de acordo porém estão em forma de ebook. Com o advento do Alfabeto Encantado e estou montando um acervo que também utilizo com eles. Uma boa dica é primeiro trabalhar bem a oralidade com eles. Com conversas sobre o dia ou mesmo fazer uma atividade do cotidiano de vocês, onde a língua portuguesa possa ser explorada de diversas formas. Por exemplo: a lista de compras em português, ir ao supermercado e fazer uma pesquisa…, ir a biblioteca da cidade e ver se tem algum livro em português e por aí vai. Infelizmente a oferta que temos aqui fora é escassa. Dependendo da faixa etária das suas crianças existem algumas opções em formato ebook ou algumas editoras. Espero ter te ajudado! Um beijo grande em você e nas crianças!
Ola pessoal! Encontrei seu site por acaso no google. Sou brasileira, moro em Londres ha 14 anos, tenho uma filha de 4, que fara 5 em agosto. Meu maior desafio eh que meu marido nao eh brasileiro. Ele eh ingles, e tem tambem como segunda lingua o grego. Em casa, entre a familia, falamos ingles. Entre isso e minha filha passar o dia na escola, sobra pouquissimo tempo para falar portugues. Ela entede TUDO, mas nao quer falar de volta. Alem disso, ela aprendeu a ler e escrever em ingles, que tem a fonetica diferente. Voces tem dicas e experiencias para compartilhar, quando somente um dos pais fala portugues (eu nesse caso), e a lingua local (no nosso caso ingles) tem q ser usada no contexto da comunicacao em familia? Alem disso, alguma dica sobre como alfabetizar em portugues, sem causar conflitos com o conteudo escolar em ingles?
Olá, Juliana. Moro também na Inglaterra e tenho dois filhos bilíngues. É totalmente possível promover duas línguas simultaneamente sem prejudicar uma ou outra. Você já pensou procurar uma inicativa de POLH (POrtuguês como Língua de Herança)? Há algumas em Londres compostas por famílias como a sua. Procure pelo POLH UK no Instagram ou Facebook para se informar sobre as escolinhas próximas à sua casa. Vou deixar para você uns links: https://www.instagram.com/polh_uk/ e https://www.facebook.com/polhuk2019. Boa sorte!