Entre a maternidade e o português como língua de herança.
Há uns cinco anos meu caminho cruzou o de um grupo de mães brasileiras no oeste de Londres. Naquela altura eu trabalhava em uma pequena creche e me preparava para entrar no mestrado em Educação Científica. Fui então chamada para uma entrevista para dar aulas de português para os filhos desse grupo de mães. Mesmo não tendo a formação de professora de português, tinha vontade de aprender e colaborar com o projeto delas. Fui contratada pelo grupo e comecei a dar aulas quinze dias mais tarde. Era o início de vários desafios. Foi a primeira vez que trabalhei com um grupo tão diverso. Tinha alunos desde dois anos e meio até 7 anos e nossa sala de aula era o mezanino de um café do bairro.
Essa foi uma das melhores experiências profissionais que eu já tive. Toda a ideia que eu tinha sobre o que era dar aula, como por exemplo o papel do professor, dos alunos, os materiais, um currículo à ser seguido, se desconstruiu e reconstruiu alí naquele mezanino. Foi um grande aprendizado que envolveu enorme flexibilidade e criatividade. Esse foi o primeiro ano que me envolvi com o ensino da Língua Portuguesa como Língua de Herança, ou POLH como chamam aqui na Inglaterra. Contei muito com o apoio de uma instituição que infelizmente não está mais na ativa mas que mantém seus materiais on-line, a ABRIR. Eles forneciam, além de materiais, oficinas de treinamento de professores e também promoveram o Primeiro Simpósio Europeu de Português como Língua de Herança que me incentivou ainda mais a entrar nesse campo, e que continua acontecendo todos os anos em diferentes cidades da Europa.
Foi assim que eu comecei o meu processo de formação de professora de POHL. Um ano mais tarde passei a dar aulas em uma escola maior, com salas de aula e turmas separadas por idades. Imaginei que agora sim, seria uma aula mais “normal”. E claro que não era. Os níveis de português dos alunos eram tão variados que percebi que a idade só fazia mesmo diferença no estilo de atividades que seriam oferecidas ao grupo. Cada família com uma história diferente. Cada criança com uma exposição à lingua também muito diferente. Alunos que nunca tinham pego um livro em português e alunos que iam ao Brasil duas vezes por ano.

Foto: Pixabay
O universo do ensino do Português para essas crianças foi crescendo no meu coração, e eu lia cada vez mais, perguntava cada vez mais e desbravava novos campos com projetos, histórias e brincadeiras, aos quais me dedico até hoje. Conheci outras professoras, trocamos experiências, adaptamos projetos, trabalhamos juntas e crescemos. Hoje trabalho para fortalecer e profissionalizar esse ensino, tornando a experiência de escolinha de sábado o mais significativa possível para nossos alunos.
Durante todos esses anos conversei com pais e mais pais sobre como estimular o uso da Língua Portuguesa com seus filhos. Inúmeras vezes as famílias me prouravam como professora para questionar o porque de seus filhos terem uma ou outra dificuldade com a língua. Muitas vezes os pais mencionavam a resistência de suas crianças responderem em português, mesmo com todos os sinceros esforços de seus pais.
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Também trabalhamos juntos, entrei em lares multilíngues, observei suas dinâmicas, ouvi histórias e sugeri histórias, planejei lições de casa e construi novas estratégias com famílias inteiras. “Falem português”, eu dizia, “brinquem em português”, eu dizia, e claro que depois de toda essa vivência percebemos que muitas vezes não é o suficiente. Existe muito mais do que o simples falar português em casa: existe o contexto, o conteúdo, o prazer e a confiança. Tantos fatores que determinam seus interesses: sua idade, personalidade, onde vivem e com quem vivem. Uma série de elementos que constrõem o perfil do aluno de POLH, um indivíduo tão único que cada escola, e cada salinha pela Inglaterra afora terá uma estratégia de sucesso diferente. Nossos alunos são tão complexos e seus processos de aprendizado tão únicos que não tinha como não se apaixonar por eles.
Mas então no ano passado eu me tornei mãe. Tive a gravidez mais maravilhosa e parto abençoados do mundo, e não poderia estar mais feliz. Meu pequeno, agora com 5 meses, faz de cada dia da minha vida uma nova aventura. Com apenas 2 meses meu garoto já estava comigo, lado a lado, na escolinha de português tamanho é o amor por aquilo que faço. E alí, naquela roda de histórias com meu filho no colo pensei: e agora? Sim! E agora, que sou eu que tenho que usar as estratégias, histórias e lições que sugeri? E agora que o aluno complexo não é meu aluno mas meu filho? Como será quando ele começar a falar, for para a escola e tiver amigos que só falam inglês?
Eu ainda sonho com o som das suas primeiras palavras. Por enquanto me encanto apenas com muitos “babababas” e alguns lindos “pvfffffpvv”. Tenho certeza que ele dirá primeiro “Mamãe, eu te amo”, mesmo que seu pai insista que ele dirá “papai”. Mas também penso em como será o meu lar multilíngue. Depois de participar de tantos lares multilíngues e seus planejamentos linguísticos, chegou a minha vez. Há uma nova percepção no ensino da língua que se desenvolve a partir de agora. Não vejo a hora de descobrir com ele o que significa ser mãe de um lindo menino multilíngue.
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