É possível criar trigêmeos bilíngues ?
Meu fascínio pela língua inglesa vem da infância. Lembro nos anos 90, quando minha irmã e prima, mais velhas do que eu, ouviam músicas em inglês de bandas como New Kids On The Block e eu queria participar de todo o jeito. Inventava as letras e fingia que sabia o que estava cantando.
Com o passar dos anos, a fascinação aumentou e passei a ajudar meus colegas da escola a estudar para as provas de inglês. Logo comecei a dar aulas em casa, fazendo um dinheirinho para ir passear com as amigas. E quando chegou a hora do vestibular, não tive dúvidas: queria cursar Letras! Acabei encontrando um curso na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, de Letras-Tradução e foi o único para o qual prestei e passei.
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Quatro anos mais tarde, não só estava ensinando inglês, mas também fazendo trabalhos de tradução e interpretação, principalmente na igreja. Minha mãe é pastora de igreja evangélica e tem muito contato com igrejas nos Estados Unidos. Os ministros vinham com frequência fazer congressos e eu que trabalhava junto a eles como intérprete. E foi assim que conheci meu marido americano, Shane.
Depois de cinco anos de namoro à distância, nós nos casamos em 2010. Mesmo antes de engravidar, já pensava em como seria a dinâmica de línguas em casa. Enquanto morávamos nos EUA, por já me comunicar bem em inglês com o marido, ele acabou não aprendendo quase nada de português comigo. Que vergonha! Literalmente senti na pele o ditado “santo de casa não faz milagre”. Mesmo sendo professora, não consegui me organizar para ensinar a minha língua ao meu marido. Foi só quando moramos por três anos no Brasil que ele aprendeu de vez a falar português.
Grávida de três
Quando descobri minha gravidez de trigêmeos, em meio ao susto e ansiedade, uma das primeiras coisas que lembro ter pesquisado foi como criar filhos bilíngues. Tínhamos planos de nos mudar de volta para os EUA e eu queria de todo o jeito que eles mantivessem a cultura e língua brasileira. Só que como quase tudo na maternidade, esse processo não foi tão simples ou “controlável” como eu imaginava.
Como meus filhos nasceram no Brasil, mesmo nos mudando para os EUA com seus nove meses, mantive a língua portuguesa como forma de comunicação principal em casa. Porém, o fato de serem múltiplos e prematuros geralmente traz a preocupação de atrasos de desenvolvimento. Quando os trigêmeos completaram 1 ano e meio, a pediatra se surpreendeu porque nenhum deles estava falando muitas palavras. Aí começaram os questionamentos: será que não devo misturar as duas línguas? Será que devo priorizar o inglês por estarmos morando fora?
Atraso na fala: culpa do bilinguismo?
Aos 2 anos de idade, iniciamos um trabalho de fonoaudiologia em domicílio. Recebíamos uma profissional semanalmente para brincar e me ajudar a modelar a linguagem para as crianças. Foi um processo muito importante que me ajudou a ter confiança no meu papel de mãe e educadora.
A fonoaudióloga me assegurou que a mistura de línguas não causa atrasos. O importante é manter a consistência nas palavras usadas e prestar atenção se a criança está entendendo, mesmo se não estiver reproduzindo os sons corretamente.
E assim foi por um ano. Logo nos primeiros meses a evolução foi clara: os três estavam falando muito mais e na maior parte de tempo, mais português do que inglês. Fiquei muito orgulhosa! Novamente, não me senti “a professora”, mas entendi que pouco importa se estou sentando com eles e dando “aulas” como seria em uma escola. O aprendizado da língua vem naturalmente, sem forçar. O mais importante é que haja comunicação.
Agora, com 3 anos e meio, os meus trigêmeos tem ido à escolinha e falado bastante inglês. Mas em casa ainda procuro manter o português. Por mais que me respondam muitas vezes em inglês, entendem tudo o que falo em português e às vezes soltam algumas pérolas como “fazer xixi”, “fazer cocô” e a gente morre de amores!
Meu conselho para as mães que se preocupam com a criação bilíngue é: não adianta forçar! Assim como tudo, o que importa é sermos exemplo. Se as crianças entenderem a importância que a língua e cultura brasileiras têm para você, elas vão acompanhar em seu tempo. E se tiverem interesse em se aprofundarem, saberão exatamente onde procurar ajuda.
3 Comentários
Oi Marta, gostei muito do teu texto!
Temos alguns pontos em comum, também sou mãe de trigêmeas, só que são três meninas! Elas têm quase 11 anos, e nasceram dois meses antes… Também sempre gostei muito de letras, adoro escrever, e trabalhei um pouco com tradução (francês-porutguês), ainda sonho em trabalhar como tradutora, mas é difícil esse mercado.
Sempre falei em português com minhas filhas, desde pequenas e também me mudei com a família pro Brasil durante dois anos,e lá em um espaço de um mês elas falavam tudo e sem sotaque!
Depois quando voltamos, processo inverso, retornaram a falar francês como se nunca tivessem ido embora. Hoje elas falam bem o português, mas com sotaque forte, e falta vocabulário, claro, mesmo que eu fale bastante na nossa língua com elas, o francês é muito mais presente no dia-a-dia.
Não me preocupei em ensiná-las a escrever, fui negligente nessa parte, tu pretendes ensinar aos teus?
Um abraço
Oi Zandra! Desculpa nao ter respondido antes. Que demais encontrar outra mãe de trigêmeos nesse espaço! Ainda mais na França. Vou confessar que depois dos EUA, a França é muito querida p/ mim também. Quando fiz o bacharelado em Letras, também estudei francês e um dos meus sonhos é poder morar aí pelo menos alguns meses e que as crianças aprendam francês também. Precisamos conversar mais!
Sobre ensinar a escrever em português, não tinha pensado nisso ainda porque eles são pequenos, mas principalmente agora que já foi descartada a preocupação de desenvolvimento deles, quero incentivar ao máximo o português. Vamos ver como vai ser a rotina, né? Sei que muitas das coisas que a gente pretende fazer nem sempre são possíveis, mas vou me esforçar!
bjs
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