Como fica o português de quem vive num país com muitas línguas?
Quem vive fora de sua terra natal com filhos, tendo eles nascido no Brasil ou não, sabe que nem sempre é fácil fazê-los falar o idioma dos pais. Essa dificuldade torna-se anda maior quando se viver num país onde se fala várias línguas. A Costa Rica tem muitos estrangeiros. Vocês podem ter uma ideia da expressividade desse “muitos” pelas estatísticas de 2015 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), que mostra que para cada 10 pessoas no país, “quase uma” nasceu fora.
Na cidade onde moro, Santa Ana, próxima da capital, é normal você ouvir pessoas conversando em outro idioma que não o espanhol, língua oficial daqui, numa simples ida rápida ao mercado. E a exposição a outras culturas é muito comum. Com isso, podem imaginar que o inglês também é popular, mesmo não sendo considerado oficial. Holandeses, alemães, italianos, chineses, japoneses, tailandeses são outros que cruzam meu caminho com certa frequência. E muito outros que nem sei definir de onde vêm.
Nossos pequenos tentam se adaptar e aprender os idiomas dos amigos e, de modo geral, aprendem mais rápido do que os adultos. A nossa família já chegou bilíngue quando se mudou para a Costa Rica, porém nos idiomas português e inglês. Como éramos brasileiros morando no Brasil, eu tentava fazer nosso lar bilíngue trazendo o inglês para dentro de casa, que era a língua minoritária. Com a mudança, tive que adaptar tudo para conciliar duas línguas minoritárias. E, vejam só, o português tem menos exposição externa do que o inglês, a língua que eu sempre me esforçara para que fizesse parte da nossa rotina familiar.
Técnicas para não esquecer o português
As crianças que chegam aqui já fluentes no português têm que cuidar da manutenção do mesmo, afinal, se não for usado pode empobrecer ou até ser esquecido. E as que chegam pequenas, ou as que nascem aqui, terão todo um caminho de construção de sua própria identidade com o português como língua de herança (POLH).
Muitas pessoas acham que se trata de uma tarefa fácil, mas nem sempre o é. Planejamento sobre o assunto é importante para quem quer que seus filhos não deixem a nossa língua herdada da terra de Pedro Álvarez Cabral de lado. Então, por onde começar?
Você pode ler sobre estratégias de bilinguismo e ver qual se encaixa melhor para a sua realidade. As mais conhecidas são:
- OPOL (One parent One language), no qual cada um dos pais se dirige sempre à criança na língua pré-determinada, independentemente do contexto;
- ML@H (Minority Language at Home), no qual a língua de menor exposição é a língua oficial do lar (dentro de casa se fala português, por exemplo); e
- T&P (Time and Place), no qual se estipula horários, lugares ou ambos para que o idioma seja usado. Nesse artigo (em inglês), há explicações mais detalhadas.
Em todas estratégias, um dos primeiros passos se resume a “falar”. Usar seu idioma. Parece meio óbvio, mas nem sempre acontece. Quando estamos em outro país, queremos nos sentir fazendo parte, ou que ele passe a fazer parte da gente, e o mesmo reflete nos nossos filhos. Então passamos a falar a língua local com eles para que aprendam mais rápido, ou para que nós mesmos a aprendamos e possamos nos sentir mais “em casa”. E se tivermos um planejamento e meta traçados na questão do bilinguismo, serão eles que nos lembrarão da importância de vencer a tentação e voltar a usar nossa boa e velha língua como estipulada.
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Para quem estiver lendo e não for muito acostumado com os termos desse universo bilíngue, se trata por língua majoritária (LM) a língua da comunidade, ou seja, a língua falada no país, da qual se recebe bastante exposição da população. Já língua minoritária (Lm) é a(s) língua(s) não oficial do país e, portanto, a qual temos uma exposição mais restrita.
Muitas ferramentas podem ser usadas para ajudar nesse caminho e quero dividir algumas das que usamos na nossa experiência bilíngue de sei anos, que agora se transformou em multilíngue:
Playgroups

Atividade de dezembro realizada com o Grupo Brasiticos
Procure na cidade onde estiver por grupos de crianças da comunidade brasileira, que se reúnem para praticar a língua através de brincadeiras e atividades. Além de fazer novos amigos, de toda a interação, nossos filhos vêem a importância do português para poder se comunicar com mais pessoas.
Aqui na Costa Rica, temos o Grupo Brasiticos, criado por uma brasileira mãe de um tico, e que agora conta com outras mães voluntárias para juntar a criançada para atividades manuais, de leituras e brincadeiras. Suas atividades podem ser acompanhadas pelo grupo do Facebook de mesmo nome.
Playdates
Se você não tem como participar de um grupo, encontros combinados com amiguinhos que falem português sempre são uma ótima opção. Dependendo de como já for a fluência no idioma local, vale combinar com os participantes que o dia/ tarde/ manhã será em português. Talvez seja interessante, até eles se acostumarem, trabalhar algumas atividades dirigidas, com você no comando. E não precisa nem ser atividades culturais, pode ser aquilo mesmo que eles inventaram como brincadeira no momento, mas com você participando e fazendo não o direcionamento do jogo, mas do idioma.
Isso também vale para quem for conduzir atividades em playdates, pois com muitas crianças com níveis e fluências diferentes em mais de uma língua, eles encontrarão naturalmente a mais fácil para todos do grupo e tentarão permanecer nela. Pode ser que seja o português, mas também pode ser o idioma local. Já vi na minha casa meu filho conversando com outro brasileiro em espanhol! Nesses casos, geralmente quando me dirijo a eles, falando sobre qualquer coisa, eles retomam o português na conversa.
Escolas
Muitas escolas privadas oferecem português como disciplina de seu currículo. Algumas por imersão, outras como língua estrangeira. Umas desde a educação infantil, outras a partir de determinado “grado” (ano escolar). Alguns filhos de amigas têm português na grade escolar a partir do quarto grado.
Mesmo sem ter essa opção como parte das disciplinas obrigatórias, há escolas que têm a opção de estudar português no contraturno, como os populares clubes “after school”. Cursos de português para crianças também são encontrados em escolas de idiomas particulares, em especial nas específicas do idioma, tendo tanto as turmas para estrangeiros, quanto para filhos de brasileiros.
E mesmo que o português não esteja formalmente vinculado com a escola, vale a pena uma sondagem sobre a abertura que a escola tem com a nossa cultura e até propor uma parceria.
No próximo texto, falo sobre outras maneiras de incentivar um idioma na casa, em especial o português, com sugestões de brincadeiras e autores de livros infantis. Até breve!
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[…] meu texto anterior, falo sobre a minha experiência com o multilinguismo (português, inglês e espanhol) e trago […]