Como as crianças se adaptam e aprendem outras línguas?
Antes de falar sobre como as crianças se adaptam a outras línguas, precisamos entender como a criança aprende. A palavra “aprender” vem do latim popular apprendere, do clássico apprehendere, que significa apreender, tomar para si o conteúdo ensinado. Não tem necessariamente relação com um conteúdo programático, escolar, curricular.
“A criança aprende brincando”, máxima tão difundida, porém tão esquecida atualmente. Mais do que aprender na escola, criança aprende na vida. Como dizia Rubem Alves:
“quero ensinar as crianças, elas ainda têm olhos encantados, seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal.”.
Nós, adultos, já perdemos a magia de nos encantar com as novas situações, de aprender com a prática. Para as crianças, tudo é novo, tudo é espantoso.
Ainda entendendo de onde as palavras vieram, “educar” vem do latim “educare”, que é um derivado de “ex” (para fora) e “ducere” (conduzir). Conduzir para fora, mostrar que há um mundão além de nós, que será sempre nosso maior professor. Educar, ainda segundo Rubem Alves, é:
“mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: ‘Veja!’ e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu.”.
Motivos para aprender
E um dos maiores motivadores do nosso aprendizado é a necessidade, o precisar. Tanto no adulto quanto na criança. Raras (e louváveis) são as pessoas que aprendem porque gostam, que fazem do aprender seu modo de vida. A maioria de nós aprende porque precisa. Não fui estudar línguas porque queria. Fui estudar inglês porque muitos dos materiais que precisava ler na faculdade, para me graduar, estavam na língua inglesa. Se não estudasse não me graduava. E somente comecei a estudar italiano quando decidi morar na Itália.
Quando uma criança está aprendendo a andar, ela não pensa em todas as atividades motoras que está desempenhando. Ela não tem nenhuma consciência que precisa levantar um pé, mudar seu centro de equilíbrio, apoiar o pé levantado no chão, longe do pé que ficou parado, mudar novamente seu centro de equilíbrio e trazer o pé que estava parado para junto do que já andou. Nada disso, graças a Deus!!!
Crianças aprendem a andar porque elas percebem, instintiva e inconscientemente, que o que elas querem é mais facilmente alcançável andando do que engatinhando. Ficar em pé, para um bebê, é ter um novo mundo se descortinando à sua frente. Significa enxergar coisas que não se enxergava antes, quando estava deitado ou sentado.
Tipos de aprendizado
O maior aprendizado ainda é o sensorial. Há o aprendizado intelectual, mas o jeito mais gostoso e encantador de se aprender, de tomar para si o conteúdo, é se encantando. Aprender Física é mais fácil fazendo experiências e sentindo-as, para depois estudar seu conteúdo em um livro que explique o fenômeno e internalizar o conceito. Sentir, vivenciar e depois trazer para a consciência, de modo ordenado, ainda é, segundo a maior parte das correntes pedagógicas, o melhor modo de aprender.
E assim, a maior parte das crianças aprende línguas diversas. Elas chegam nas escolas, seu maior contato social além da família, e precisam falar. Precisam entender o que as professoras estão falando com elas, querem se comunicar com seus amiguinhos, pedir para fazer xixi. A necessidade está formada e, assim, o primeiro passo para o aprendizado. Lógico que no começo dá medo. Que medo! Se nós adultos morremos de medo quando nos mudamos para outro país ao iniciar qualquer conversação, imagina o medo que uma criança sente. Quando chegamos na Itália, eu falando um italiano bem básico e meu marido pior que eu, a qualquer telefonema que recebíamos o telefone se transformava em uma batata quente. Era um tal de “fala você!”, “não, fala você”, que só acabava quando a ligação caía e ninguém de nós atendia! Que mico!
Tempo para aprender
E aí, como nós adultos precisamos de um tempo, de respirar fundo, de entender que o bicho de sete cabeças era mais feio na nossa imaginação do que na realidade, a criança também precisa de colo, acolhimento, de validação de seus sentimentos, para então poder dar um passo adiante. Entender que o filho sofre, deixar o filho falar, acolher e talvez até chorar com ele a nossa dor de vê-lo sofrer é o primeiro passo para a “cura”. Em vários relatos dentro do “Brasileirinhos pelo Mundo” percebemos o quão isso é universal.
De experiência própria, meus dois filhos, de 12 e 7 anos, entraram na escola dez dias após a nossa chegada na Itália. Durante um mês o sofrimento era visível, para eles e para nós. O pequeno foi o primeiro a ir se adaptando. Um mês depois de ter iniciado a escola italiana declamou um poema infantil na língua local. Aí é que choramos de verdade! E de alegria! O mais velho, depois de dois meses, começou a nos ajudar a traduzir cardápios em restaurantes e mensagens de whatsapp. E a sensação de tranquilidade nos dois, de “sou capaz”, foi indescritível. Novamente, a máxima é sempre: respeite seu filho. Ele sabe o que é melhor para ele. Estimule que ele vá além, que ele aprenda, mas respeite o seu tempo, os seus desejos, a sua vontade, a pessoa que ele é.
Bilinguismo atrasa ou não o aprendizado?
Não quero entrar aqui na discussão se o bilinguismo atrasa o aprendizado ou não. Na pesquisa que fiz, antes mesmo de nos mudarmos para a Itália, percebi que era quase consenso que não! Multilinguismo não atrasa nenhum aprendizado. Não sou especialista no assunto, mas todos os textos acadêmicos que li afirmavam que, se houve atraso no aprendizado, ele provavelmente teria ocorrido mesmo que a criança estivesse exposta somente à sua língua-mãe.
Muito pelo contrário, vários textos afirmavam que, como a língua carrega em si a cultura, a presença, os hábitos, crianças expostas a uma ou mais línguas além de sua língua materna se mostravam mais adaptáveis a várias situações de sua vida adulta, além de mais inovativas e de melhor desempenho profissional. E lembremos que hoje, na Europa, o multilinguismo é a regra, e não a exceção. As crianças da Itália têm acesso ao inglês desde os 3 anos de idade, no jardim de infância. O mesmo para diversos outros países do continente europeu.
No caso de casamentos interculturais, é de extrema importância manter a língua de ambos os genitores. Como já afirmado, a língua carrega a cultura e vice-versa. Excluir uma das línguas dos pais pode significar excluir muito da figura paterna ou materna, afinal, o pai e a mãe tiveram uma vida antes de imigrar. E essa vida pregressa deve ser respeitada e celebrada.
Termino o texto com mais um pouco dos ensinamentos de Rubem Alves:
“as palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem… O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo e o mundo aparece refletido dentro da gente. São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida. Quem não muda a sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança, jamais será sábio.”.
Grande Rubem Alves, não?
13 Comentários
Que texto brilhante!! Parabens! E com citacao de Rubens Alves para mexer mais comigo. Parabens!!!
Obrigada Monica! Que bom que você gostou… Também amo Rubem Alves!
Me mudei para Itália um pouco antes de começarem as aulas, com 1 criança de 8 e outro de 6. Foi exatamente como disse no seu texto. Em um mês de escola, o menorzinho era italianinho de verdade. A maior demorou um pouquinho mais a se soltar, teve um pouco de timidez. Mas hoje com quase 6 meses aqui, os dois falam fluentemente o italiano e são eles que me ajudam com tudo. Pra mim, está sendo bem difícil a questão da língua. Mas estou aqui na luta!!! Rs!!!
Oi Tatiana,
acho que nós adultos vamos ficando mais enferrujados, né. Também tive minhas dificuldades no italiano. Mas, como dizem por aqui “piano, piano si va a lontano”. Dunque, aspettiamo!!!! Poderíamos treinar, né? Nos conhecermos, nem que seja pelo skype…
Oi Luciana! Muito bom o seu texto e super interessante! Vou compartilhar já! Parabéns!
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Inspirador seu texto, Luciana. Boa sorte na Itália. Beijos.
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Que alívio a ler esse seu texto, Luciana!
Chegamos há duas semanas nos EUA com duas meninas, uma de 7 e uma de 2 anos. A de 7 está no 3o. dia de escola (fala um pouco de inglês) e hj já foi chorando… a de 2 começa amanhã e eu só imagino o desespero por ela ser muito grudada comigo. No Brasil já foi pra escola e chorava ao deixa-la, imagine aqui sem conhecer a lingua!
Embora eu saiba, lá dentro, que tudo vai ficar bem e que isso será um enorme crescimento pra elas, qdo estamos vivenciando essa fase acaba vindo um monte de perguntas na cabeça, de que forma podemos “suavizar”essa transição, quanto tempo ela vai demorar, se vai causar algum trauma….
Obrigada por tranquilizar o meu coração com esse texto! 🙂
[…] isso, mas de exposição da criança a novos contextos e novos modos de ver o mundo. E lembremos do texto sobre como aprendemos, tem que ter emoção, temos que antes de tudo ter curiosidade, ter necessidade de aprender, aí o […]
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