Saímos para nosso período sabático pelo mundo assim que os gêmeos completaram dois anos, portanto, em plena fase de início de desenvolvimento da fala das crianças. Após 20 dias de viagem, um de nossos pequenos deu um salto na linguagem e, de repente, virou um tagarela. Até que em uma semana, ele começou a apresentar episódios de gagueira bem pronunciados que alternavam com momentos mais fluentes.
Disfluência comum da infância ou gagueira do desenvolvimento?
A questão do bilinguismo e da influência ruim, que a interação com outra língua poderia causar na linguagem da criança foi uma das primeiras coisas que pensei. Mas também já havia ouvido falar e lido um pouco sobre a possibilidade de haver esse tipo de sintoma durante a aquisição da fala, como sendo algo normal do desenvolvimento. Então, a princípio, decidi esperar.
Após dois meses, fui consultar uma amiga médica especialista no assunto, na intenção de saber por quanto tempo eu poderia observar, antes de procurar alguma terapia ou maior investigação. Qual não foi minha surpresa quando ela me disse que dois meses sem muita melhora e com episódios de piora, já era um bom momento para pelo menos fazermos uma avaliação mais detalhada do quadro do nosso pequeno. O profissional mais habilitado para tal análise é a fonoaudióloga. Então, fizemos algumas consultas por vídeo com a especialista, no Brasil, Ignes Maia Ribeiro.
Esse é um primeiro ponto relevante sobre esse assunto: sim, existem aqueles sintomas de “gagueira” que a criança pode apresentar como sendo apenas parte da fase de estruturação da fala. Porém, existe a chamada gagueira do desenvolvimento que pode atingir 5% da população e que acaba sendo persistente em 20% dos acometidos, fazendo a criança tornar-se um adulto disfluente (gago).
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O mais importante é que desde o início é possível diferenciar as duas entidades já abrindo as porta para uma abordagem precoce, com maiores chances de bons resultados, no caso do diagnóstico ser de gagueira e não apenas de disfluência comum da infância. Seguem, aqui, alguns pontos de diferenciação que nos ajudam a identificar uma ou outra, e nos alertam para a necessidade de alguma intervenção:
Disfluência comum da infância | Gagueira do desenvolvimento |
Início entre 2 e 5 anos | Início entre 2 e 5 anos |
Disfluência esporádica | Disfluência persistente |
Episódios tendem a diminuir com o passar do tempo | Intermitência (momento de remissão, mas com retorno dos episódios) |
Repetição de palavras inteiras | Repetição ou prolongamento de sílabas e fonemas |
Devo evitar o bilinguismo se meu filho apresentar disfluência?
Disfluências são rupturas na fluência da expressão verbal caracterizada por ser involuntária e por repetições ou prolongamentos de sons ou sílabas. Em geral, aparece entre os dois e cinco anos, sem danos cerebrais aparentes ou outras causas específicas, o que chamamos de idiopático.
O primeiro passo, como dito acima, é fazer a diferenciação entre uma disfluência comum da estruturação inicial da fala da criança e um real caso de início de gagueira.
As causas atribuídas à gagueira do desenvolvimento (ou disfluência persistente do desenvolvimento) foram muitas ao longo da evolução dos dados científicos. Por muito tempo, a questão psicológica foi apontada como sendo a causa mais relevante e, portanto, o principal foco do tratamento.
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Houve também um período em que se acreditou que o ambiente e as experiências da criança seriam os fatores mais relevantes para desencadear a disfunção de linguagem. Aqui, poderíamos incluir o bilinguismo como um componente de causa da gagueira. No entanto, atualmente, os novos estudos não conseguiram comprovar nada que relacionasse fatores externos ou psicológicos como causa da disfluência. Colocam o bilinguismo como um possível fator de influência na recuperação do quadro, porém com dados ainda muito inconclusivos.
Com relação às causas, as principais hipóteses, hoje, falam a favor de uma alteração funcional na dominância entre os lados esquerdo e direito do cérebro. Além de um excesso de um neurotransmissor, a dopamina, em um local específico do sistema nervoso central. Com o excesso de estímulos externos e fatores estressantes, essa dopamina, num cérebro já sensível, poderia contribuir para o prolongamento da disfluência já manifesta, mas não seriam as causas. As alterações, seriam moduladas por transmissões genéticas e a probabilidade de apresentar a disfluência ou não, seria multifatorial, e ainda não totalmente entendida.
E agora, o que fazer?
Diante de tudo isso, antes de pensar em parar de falar português em casa ou entrar em pânico pensando que o bilinguismo pode estar prejudicando seu pequeno, caso ele apresente algum sintoma de gagueira, segue abaixo uma lista de ações que podem ajudar até que um profissional possa ser consultado, para um adequado diagnóstico e tratamento, caso seja necessário.
- Não peça para a criança falar mais devagar. Para as crianças, os modelos são sempre mais efetivos. Fale com a criança, de forma lenta e relaxada, sem pressa e com pausas frequentes. Ler um livro com a criança é uma boa dica de como começar a exercitar essa maneira de falar.
- Prefira fazer comentários quando estiver lendo ou conversando com seu filho, a fazer perguntas. A fala livre sempre flui melhor.
- Reserve um tempo só para a criança, sem nenhuma outra interferência. Aproveite esse momento para utilizar a fala bem pausada. Caso tenha mais de um filho, faça isso com cada um. Assim, todos sentem-se com a mesma importância.
- Em uma conversa com várias pessoas, auxilie todos os membros da família a escutar e esperar a vez para falar.
- Priorize atividades mais tranquilas.
- Mantenha uma rotina de sono adequada para as crianças. Cada vez mais estudos mostram a relação entre sono e boa fluência. Percebe-se que em noites de sono pior, a disfluência se agrava no dia seguinte.
- Sempre que puder, mostre que está toda ouvidos, que sua atenção é toda da criança.
Que a convivência com outras culturas, o que inclui o aprendizado de outras línguas, possa ser sempre algo positivo na vida de novos pequenos! A maioria das informações foram retiradas do site do Instituto Brasileiro de Fluência. Clique aqui para ler mais sobre o assunto.