Alfabetização fonética no ensino do POLH – Parte 1
Quando comecei a dar aulas de Português como Língua de Herança (POLH), em 2013, eu ainda não trabalhava em escola regular. Na época, tinha acesso ao EYFS (Early Years Foundation Stage) – que é o currículo que rege o trabalho do acompanhamento e estímulo do desenvolvimento das crianças da creche (Nursery) até a pré-escola (Reception). Nesse estágio, todo o acompanhamento é feito de maneira individual, cada criança tem um diário no qual são registradas as atividades que apontam para um avanço normal e saudável, ou para suspeitas que dão início a investigações em relação a qualquer aspecto do desenvolvimento da criança.
Em 2015, entrei em uma escola primária e, então, conheci um novo modelo de educação, não só diferente do EYFS mas também distinto do sistema brasileiro. Diferente, porém não em tudo. As escolas da Inglaterra seguem o Currículo Nacional (National Curriculum), que poderia ser comparado com os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Brasil, que procura normatizar e estabelecer acesso democrático aos conteúdos das disciplinas escolares. Portanto, os alunos brasileiros cumprem a mesma proposta e conteúdos em matemática, inglês e ciências, independente de onde estudarem no país. Aqui, o Currículo Nacional também prescreve uma série de outros campos (geografia, história, estudo religioso) e inclui as metodologias de alfabetização.
Metodologia inglesa
Atualmente, a metodologia de alfabetização inglesa é baseada nos estudos fonéticos. Enquanto cada escola, sala e professor do Brasil pode procurar o material ou metodologia que melhor atenda sua classe, aqui há uma prescrição governamental para que os alunos aprendam a ler e escrever através de modelos pré-determinados (aqui você encontra o guia para pais sobre esse modelo de ensino).
A metodologia fonética não foi sempre a adotada pelos órgãos oficiais e sempre existem rumores de que poderá ser substituída no futuro por outra, o que geralmente indica mudanças no corpo governamental em si, como a mudança de um ministro da educação.
O fato é que hoje, milhares de crianças na Inglaterra aprendem a ler e escrever através de materiais (produzidos por empresas privadas) que oferecem livros, treinamentos, vídeos e uma série de materiais auxiliares para a aplicação do método de alfabetização fonético. Por exemplo, o Read Write Inc., utilizado na escola onde trabalho. Assim, é seguro dizer que se seu filho está na escola, chegando do Brasil hoje ou nascido aqui, ele irá ou terá aprendido a ler pronunciando o som de cada letra da palavra.
É possível aplicar o método para o ensino do POLH?
Independente de concordar ou não com essa metodologia, o que me ocorreu é que, no processo de alfabetização do aluno falante de POLH, seria possível utilizar o mesmo sistema sedimentado para apoiar o desenvolvimento de uma alfabetização em Português. Note que quando e onde esse processo deve ocorrer varia muito de criança para criança e das escolhas que a família faz: se ensinam a escrever ao mesmo tempo nas duas línguas, ou se esperam uma ser consolidada para depois introduzir outra… Este assunto e um pouco destas possibilidades e escolhas particulares foram discutidas na coluna da Patricia Ribeiro aqui no BPM Kids, no texto “Alfabetização em Contexto Bilíngue” (leia aqui).
A alfabetizacão fonética pode e deve ajudar no planejamento do professor de POLH, mas requer cuidado. O debate por trás desta metodologia é mais evidente quando se passa a transcrever aquilo que se lê. As palavras vistaS como um código que se aprende a decodificar é uma visão talvez simplista do que se trata, na realidade, o processo de criatividade, interpretação e contextualização da leitura e escrita. Por isso, pode-se utilizar da metodologia para alcançar os alunos naquilo que lhes é familiar, mas não cair na tentação de decodificar histórias no lugar de apreciá-las.
Planejamento e respeito à individualidade
Assim, o planejamento deve levar em consideração uma variedade de oportunidades, que dê acesso à cultura escrita, para que possam desenvolver a competência de leitor que compreende aquilo que lê, seja em qual língua for.
Além dessa discussão, que é bastante feroz nos contextos acadêmicos e não tenho pretensão alguma de me aventurar por aí, há também o cuidado com o nosso próprio contexto como professores e pais. Quando temos uma sala nova, ou um segundo filho, fica evidente como pessoas com histórias similares, ainda assim são tão diferentes e respondem aos estímulos de maneira particular. A sensibilidade e o respeito com o aluno, cada aluno de POLH, é o que pode verdadeiramente aproximá-lo da língua portuguesa.
Esse processo é muito bem caracterizado por Paulo Freire:
Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão”. Portanto, nesse processo precisamos conhecer nossos alunos, entender o que eles entendem, como entendem e como aprendem. Assim aprenderemos também como ser melhores naquilo que fazemos.
A partir dessa contextualização da alfabetização fonética, no próximo texto gostaria de compartilhar algum conhecimento adquirido neste método e refletir sobre como o professor de POLH, ou pai/mãe de uma criança bilíngue pode apoiar o desenvolvimento da Língua de Herança através de mais essa ferramenta e, ao mesmo tempo, se manter crítico na maneira de utilizá-las.
Até lá!
8 Comentários
Amei o texto. Muito bem escrito, claro e objetivo.
Vou compartilhar!
Muito obrigada pelo encorajamento!
[…] texto anterior (leia aqui), expliquei um pouco como é a organização metodológica da alfabetização nas escolas da […]
Excelente texto. Obrigada por compartilhar!!
Amei!!!!!!!!!! Eu vivo isso no meu dia a dia.
Sou mãe de duas meninas, praticante do homeschool há quase 5 anos. Minhas filhas tem o portugues como lingua de herança! A mais velha ja alfabetizada em ingles e portugues atraves de metodo 100% fonetico. Sou fonoaudiologa e apaixonada pela lingua portuguesa. Acredito que se usado de maneira correta, o metodo fonico é sim a melhor maneira de se ensinar uma criança a ler, principalmente crianças bilingues falantes de linguas foneticas. Obrigada por dividir sua experiencia!
Olá Jessika! Tudo bem?
Seus textos me ajudaram a entender um pouco da metodologia utilizada nas escolas inglesas! Mas tenho umas dúvidas, será que poderias me dar uma luz?
Acabamos de chegar na Inglaterra e a minha mais velha de 7 anos entrou no Year 3 (sendo que ela só fez o 1o ano no Brasil, no ano passado. Diferença na data de corte, por ter nascido em agosto no Brasil ela era uma das mais velhas da sala, agora ela vai ser a caçula). Antes de vir ela (e a irmã caçula de 4 anos) estudaram inglês kumon por 6 meses. Eu e meu marido estamos um pouco preocupados com o aprendizado de inglês da mais velha. No momento ela não entende quase nada que o professor fala, estão usando um tablet com aplicativo de tradutor simultâneo. Compramos um livrinho de phonics no supermercado, mas pensei em comprar algo mais. Na Amazon vi alguns tipo “Collin’s Easy Learning” e um da CGP Books (10-minute weekly workouts), vc conhece esses? recomenda? recomenda algum outro?
Uma amiga disse para ficar tranquila que em alguns meses ela já estará falando/entendendo muito bem! Mas tem uma coisa mais adiante que já me preocupa que é a tal prova nacional no final do Y6, de inglês e matemática. Nem sei bem como é essa prova (e nem o nome dela), mas imagino que seja importante para conseguir o prosseguimento escolar numa boa escola. Vc acha que esse introdução de phonics no aprendizado de inglês pode ser decisivo em todo o resto?
Se fosse sua filha, vc deixaria ela aprender intuitivamente no dia a dia ou daria um reforço?
Na matemática, que no Brasil ela nem começou a estudar multiplicação ou divisão, o pai engenheiro vai dar um jeito de correr atrás do atraso…
Bom domingo e boa semana de feriado escolar!!
(Ela só teve um semana de aula e já entrou em recesso rsrs)
Querida Lirian,
Espero que a trajet’roa até aqui tenha sido positiva. Precisei me ausentar do site por alguns meses e infleizmente perdi o seu comentário em fevereiro. Não deixe de entrar em contato se qualquer dessas dúvidas ainda forem pertinentes pois podemos conversar.
Teste!
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