Alfabetização e bilinguismo: um olhar empático
A alfabetização no Brasil acontece de fato no 1º ano de ensino fundamental, aos seis anos de idade, embora algumas crianças já saiam do ensino infantil lendo muito bem. (Conheça um pouco sobre os métodos utilizados neste link). Já no sistema de ensino britânico, a leitura começa bem antes disso, aos quatro anos de idade, e dois anos depois a grande maioria das crianças já domina completamente as palavras. O que acontece quando a criança chega em um novo país neste ‘hiato’, com os colegas de classe lendo perfeitamente, sem ter sido alfabetizada no Brasil?
Quando mudamos do Brasil para o México, meu filho estava com seis anos e entrou numa escola britânica justamente neste cenário: ainda não lia em português, tinha um inglês muito básico e os colegas da nova escola já liam perfeitamente em inglês. Felizmente, a escola tinha um programa intensivo de acolhimento aos alunos novos que foi um sucesso e, em dois meses, o inglês dele deslanchou, facilitando a interação e amizades com os colegas. Já era meio caminho andado no processo de adaptação, que acalma o coração de mãe nessa fase tão difícil para a família.
Porém, como toda escola britânica (assunto que vale um artigo inteiro), a cobrança na leitura era altíssima e a professora me chamou para uma reunião, me pedindo ajuda em casa para acelerar o processo de alfabetização dele. Recebi um monte de material para trabalhar com ele em casa, mas meu coração de mãe queria ir mais devagar – afinal, ele já passava quase o dia inteiro na escola e isso já tinha sido uma mudança grande na rotina escolar, em comparação ao Brasil. Mais atividades diárias em casa não fazia sentido para mim, até porque já fazíamos em torno de 20 minutos de leitura toda noite.

Livros em português ou inglês? Foto: Arquivo pessoal.
A leitura: inglês ou português?
Como saímos do Brasil no início do processo de alfabetização dele, levei na mala vários livros infantis apropriados para esta fase, todos em letra bastão (com o texto todo em letras maiúsculas), que é como acontece no nosso país. As letras minúsculas aparecem só depois da leitura já estar estabelecida. Na escola britânica era o contrário! Letras minúsculas primeiro, com maiúsculas usadas apenas nos inícios das frases e nomes próprios.
Toda noite, quando fazíamos o ritual da leitura com registro diário para a professora, meu filho não queria ler os livros da escola, pois estava acostumado com a letra bastão. Eu ficava dividida entre incentivar o reconhecimento da grafia das minúsculas ou aproveitar o interesse pelo português para alfabetizá-lo na nossa língua.
Leia também: Alfabetização em contexto bilíngue
Quando optava pelo primeiro caminho, que era o que a escola me pedia, era uma briga por noite e uma cobrança que eu mesma não concordava. Já a leitura em português parecia ser o caminho mais natural para aquele momento, pelo menos para a minha intuição de mãe. É claro que um dos motivos da resistência dele com a leitura em inglês era emocional, pois a saída do Brasil tinha sido recente e a relação com os livros em português carregavam um vínculo com a escola e os amigos que ficaram.
Porém, seguindo o que a escola me pedia, eu priorizava os livros em inglês e minha angústia sobre como lidar com essa cobrança só crescia. O bilinguismo era algo totalmente novo para mim, sem contar que estávamos no México e o espanhol era mais uma terceira língua sendo adquirida por ele.
Um conselho ousado – ou, pelo menos, diferente
A solução veio em uma conversa cheia de empatia com a coordenadora pedagógica da escola. Ela me sugeriu que eu fosse adiante com a alfabetização do português em casa e deixasse o estímulo em inglês somente durante a escola. E a cobrança da escola? Foi a primeira pergunta que fiz. Ela me explicou que na maioria dos processos de alfabetização no contexto bilíngue, a criança precisa eleger uma língua base, aquela que lhe dê confiança para ser referência para os outros idiomas.
Mesmo nos casos de alfabetização em dois idiomas ao mesmo tempo, um dos dois se torna a referência para o outro. Porém, normalmente, a criança que mora fora do Brasil tem como base da alfabetização o seu idioma local, ao qual está exposta na escola, e só depois entra o português. E com o meu filho aconteceu o contrário, principalmente pela idade e momento da saída do Brasil.
Quero deixar claro que quando falo em priorizar um idioma em detrimento ao outro, não me refiro aqui à fala, pois esta sabemos que a criança consegue dominar muito bem dois ou mais idiomas ao mesmo tempo.
Segui o conselho da coordenadora e foquei na leitura em português em casa, aproveitando o interesse dele pelos livros. Rapidamente, ele estava lendo como se estivesse na escola no Brasil. A confiança que ele adquiriu no português fez com que ele tivesse uma nova atitude em relação à leitura em inglês – que demorou um pouco mais, pois ele ainda estava adquirindo vocabulário e confiança na fala da nova língua. Felizmente, a maioria dos fonemas do português e do inglês é parecido e isso facilitou a alfabetização no novo idioma.
Mas, afinal, qual é a regra?
Hoje sou educadora e vejo que o contexto social da criança interfere bastante nesta resposta. Alfabetizei meu primeiro filho em português de uma maneira e alfabetizo meus outros filhos de outra, porque cada um está experimentando o processo em um contexto diferente e possui um ritmo próprio. Com meus alunos acontece o mesmo, cada um tem uma história e um vínculo individual com o português. Mas acredito que faça todo o sentido aproveitar o interesse da criança e seguir adiante primeiro na alfabetização do idioma que ela se sinta mais confortável.
Na escola britânica dos meus filhos no México, o espanhol entra só depois da alfabetização em inglês. E, para minha alegria, o espanhol ajudou muito a consolidar não só a leitura, mas também a escrita em português, pela proximidade dos dois idiomas.
Meu objetivo com este artigo é trazer um novo olhar para mães que procuram respostas em como ajudar os filhos na alfabetização bilíngue, principalmente quando saem do Brasil no mesmo contexto que eu, com os filhos já envolvidos com o processo em português.
Vale observar de perto os nossos filhos e pedir ajuda pedagógica sobre as dificuldades e oportunidades, respeitando o contexto individual da criança. Se não estiver satisfeita com uma orientação recebida, não pare por aí. Busque uma segunda opinião, converse com outras mães que passaram pelo mesmo e tenha uma certeza: seu coração vai lhe dizer qual é a melhor solução para alguém que você ama e conhece mais do que ninguém.
9 Comentários
Paulinha,
como vc se saiu bem em tudo isto
Me impressionou a forma como vc soube lidar com a alfabetização do Pedro e agora com os outros dois
Está de parabéns !
Adorei este seu depoimento
Meu abraço com muito amor e saudades
Obrigada vovó, abraço recebido! Enviando o meu beijo daqui!
Ufa!!! Como deve ter sido difícil…mesmo conversando sempre com vc, não dá pra gente ter noção do seu dia a dia ,alfabetizando seus filhos, dando conta de tudo em casa e com a adaptação em um novo país! Mas vc acertou , como sempre, no seu feeling! Como me orgulho de vc, minha filha! Tudo que vc põe a mão dá certo, e com louvor! Vc deve se sentir muito realizada! Parabéns pela delícia de texto e pela alfabetização dos três, que amo demais!!! 🥰😘❤️
❤️❤️❤️
Ops… não acompanhei de perto suas angústias de mãe educadora. Foi difícil mas difícil pra vc significa evolução, oportunidade. Fazer do tropeço um passo de dança !! Parabéns, Paulinha ! Como mãe e educadora sempre vencendo os desafios!! Te admiro !!
Ser mãe é encarar essas dificuldades como oportunidades, como você bem disse, não é, Tia Dea? A admiração é mútua!!
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