Me mudei para a Alemanha há pouco mais de sete anos em busca do amor. Parece clichê, mas é verdade. Deixei carreira e a minha vidinha estável em São Paulo para encarar dois desconhecidos: o namorado há nove meses (até hoje fico pensando nessa loucura) e o país (com um dos idiomas que eu nunca antes havia sequer pensado em aprender), para voltar a ser estudante (do idioma). Aqui casei e por aqui fiquei.
Depois de dois anos praticamente só estudando, finalmente consegui um emprego na área (temporário, meio período, mas na área de gerência de produtos como trabalhava no Brasil). Mas durou pouco. Já estava grávida de minha filha – acabou o contrato e minha única ocupação era ser mãe. E eu, que sempre achei que ia ficar desesperada para voltar a trabalhar assim que a licença maternidade de 4 meses terminasse, não conseguia nem conceber a ideia de ficar longe dela. Quando ela tinha pouco mais de um ano, engravidei do meu caçulinha, hoje com 2 anos.
Aqui em casa, o bilinguismo e a oferta multicultural sempre foram objetos de discussão e nunca houve dúvida de que assim seria. Meu marido, que já teve a oportunidade de morar em vários lugares do mundo, sempre foi o típico cidadão do mundo, eu sou imigrante aqui na Alemanha, nossos amigos vêm das mais diversas nacionalidades – tal seria se não quiséssemos expor nossos filhos a esse contexto. Era um desafio e tanto (como se já não fosse difícil o suficiente criar duas pessoinhas para o mundo).
A dinâmica não é simples, mas é a nossa e funciona muito bem. Eu e meu marido falamos inglês um com o outro (acreditem, já tentamos mudar para o alemão e o português no começo, quando estávamos no processo de aprendizagem das línguas um do outro, mas não funcionou nem em sonho), mas com as crianças falamos a nossa língua materna – eu português, ele alemão. Meu marido ainda “solta” um pouquinho de português ou inglês com eles, dependendo de quem está por perto, mas eu? Sou super consistente no português – afinal de contas eu sou a principal fonte. Vou contar pra vocês que essa coisa de não mesclar os idiomas quando está falando com as crianças é muito difícil – e a tentação de misturar uma palavrinha ou outra do alemão pra facilitar? É um exercício constante, mas o resultado vale a pena.
Desde que minha filha nasceu eu levo a questão da transmissão português como língua de herança muito a sério, tornando-se quase que objetivo de vida plantar essa semente nos meus filhos e oferecer a eles o maior presente que eu poderia dar. Mas essa tarefa não é trivial, haja persistência para manter a coerência… Porque verdade seja dita, só falar o português do dia a dia em casa, não considero suficiente. É um exercício diário em explorar o vocabulário buscando enriquecimento, significa fazer um esforço quase descomunal de não mesclar com o alemão (ou até o inglês!), significa eventualmente falar dobrado quando preciso traduzir em mais de uma língua quando há pessoas ao redor que não entendem o português que acabei de falar com seus filhos. Há uma preocupação com a qualidade e quantidade do input dado em português: faz parte da rotina diária muita música (ouvida, brincada e cantada), leituras de livros (sério, virei “rata” de livro infantil de tanto livro que já trouxe para casa) e interação com os avós, familiares ou amigos no Brasil, viagens ao Brasil sempre que possível. No Brasil, sempre envolvidos em atividades com outras crianças, para brincarem bastante em português também.
Não é um caminho fácil, mas é gratificante. Não há nada neste mundo mais motivador do que observar a evolução das crianças nesse processo de aprendizagem – e ver o quanto a mudança do idioma é algo instantâneo e corriqueiro. Mais gratificante ainda é ouvir de sua filha, de repente, o uso de uma metáfora que ela escutou em uma música (do Grupo Tiquequê*) para descrever um evento cotidiano: “Mamãe, porque a cidade se escondeu?” (fazendo referência ao anoitecer). Parece um exemplo bobo, mas não é: mostrou aqui que não só ela presta atenção no ritmo da música e canta junto, mas que presta atenção no que conta a letra. Benditas sejam as histórias cantadas e a riqueza desse material da música/literatura brasileira. O coração aquece todo dia e mostra que todo esforço desse mundo vale a pena.
*Para quem não conhece o grupo, fica a dica. Aqui temos os dois DVDs do grupo, mas pode ser facilmente encontrado no YouTube.
(a música a qual me refiro é a “Pode Virar”, mas não tem uma música que não recomende)
Camila é paulista, formada em engenharia e pós graduada em administração de empresas. É apaixonada por musicalização infantil, idiomas e novas culturas desde sempre. Trabalha na promoção do Português como Língua de Herança através da coordenação da iniciativa em Luxemburgo (Roda Pião) e promoção cultural para crianças. Recentemente iniciou o programa de formação de educadores de PLH da Brasil em Mente. Fez formação de Pilates, pratica regularmente Yoga há 10 anos e sonha com o dia em que poderá compartilhar também essa filosofia de vida. Mora na Alemanha com o marido e os dois filhos, a Nina e o Lucas.
9 Comentários
Achei o texto maravilhoso! Vou ter bebê em Fevereiro e logo depois me mudar para a Polônia. Meu marido é polonês e já combinamos que em casa vamos continuar falando português para passar para as crianças. Não imaginava que seria um desafio tão grande, mas este retorno que você está tendo até me emocionou 🙂 Vou pegar a dica do canal do youtube. Obrigada!
Vale muito a pena!!! Eu pretendo aqui compartilhar no brasileirinhos muito dessa minha experiência com a língua.
Fico feliz demais em poder ajudar, incentivar e acompanhar essa evolução.
Obrigada pelo feedback!
🙂
Escrevi um textão e esqueci de copiar.
Na hora de enviar deu erro e ficou tudo perdido.
Mas não importa.
Gostei muito do seu relato.
Estou tentando manter o português em casa, com meu filho de 5 anos, e graças aos nossos esforços tem funcionado.
Ele pode ler e falar sem sotaque minha língua materna.
É uma gratidão imensa ver isso acontecendo, não? É tão lindo de ver!!
Vá em frente, seu filho pode ainda não ter noção ainda, mas está recebendo um tesouro dos mais preciosos! 🙂
Acho muito legal essa forma como você leva o bilinguismo e até comentei o seu caso com um amigo que tem uma irmã morando nos EUA e que seu sobrinho só está falando inglês, sendo que ele é nascido no Brasil. Eu disse que dá sim para ensinar os dois idiomas ao mesmo tempo… basta querer e perseverar. Ótima inspiração Camila.
Com certeza dá! Há receio de muitos quanto aos possíveis obstáculos… mas quanto mais você lê a respeito, mais você vê o quanto as vantagens são estratosféricas.
Bom, eu sempre fui amante do bilinguismo… desde pequena… pedia loucamente pra os meus pais me colocassem numa escola bilingue.
E agora, depois de adulta, a vida me mostrou ainda mais de perto que maravilha é essa desse mundo multicultural. 🙂
[…] Leia também: a dinâmica do bilinguismo em português e alemão […]
Eu estou na Alemanha há pouco mais de um ano e meus filhos aprenderam o alemão aqui. Eles chegaram com 5 e 3 anos. Agora o alemão está começando a prevalecer sobre o português. Confesso que não fui muito consistente em manter o português desde o início, talvez pela ansiedade de que eles aprendessem o alemão logo e por comodidade acabo usando algumas palavras em alemão no meio da frase, principalmente termos que não são coisas comuns no Brasil. Como eles sabem que eu sei alemão e que vou entendê-los, atualmente a situação costuma ser eu falo em português e eles me respondem em alemão. Depois de ler esse artigo e ter conversado com a fonoaudióloga do meu filho, estou me esforçando para manter a consistência no português. Mas às vezes parece meio ridículo, eles estão respondendo em alemão e eu repetindo o que eles falaram em português…. E agora minha angústia, será que ainda dá tempo de ‘salvar” a língua materna?!
Primeiro lugar: antes tarde do que nunca. Quanto mais cedo, mais fácil, mas não significa que começar depois seja impossível.
Essa dinâmica não é fácil e sim, as vezes dá até nó na cabeça. Principalmente se você está numa roda onde as pessoas não falam a sua língua mas você busca manter a consistência com eles falando somente em português. Eu acho difícil, no começo me soava estranho, mas hoje isso me é natural: eu me dirijo a eles somente em português, sem excessão. E, se for pertinente, faço uma breve explicação para quem não entendeu. Isso se aplica até no caso de, por exemplo, uma pessoa dá um presente ou alguma coisa à eles e eu espero que eles agradeçam: “como que a gente agradece? não vai falar nem um ‘Danke’ ou ‘Thank you’?”.
Meus dois filhos sabem que eu falo alemão. Mas também sabem que a comunicação comigo acontece em português. Nada é forçado, mas eles entenderam e lidam muito bem com essa dinâmica. Pra você, eu sugeriria que essa transição acontecesse sem ser um grande choque ou imposição, tente fazer a coisa fluir naturalmente. Então por exemplo, uma dica é incentiva-los a perguntar sempre se eles não sabem falar alguma coisa em português: “Mamãe, como se diz XXX em português?”.
Espero ter ajudado, não hesite em me escrever, eu AMO esse assunto, AMO compartilhar essa minha experiência e, principalmente, AMO estudar sempre sobre isso.