Sei que para grande parte das mães brasileiras que vive no exterior, a comunicação em português com seus filhos é algo natural. Quando leio os excelentes artigos sobre português como língua de herança publicados no Mães Mundo Afora, aprendo muito e, acima de tudo, admiro demais a dedicação a este objetivo.
Gostaria, no entanto, de dividir com vocês um pouco da minha história e das dificuldades que enfrento, diariamente, para manter viva a língua portuguesa em minha casa e parte da herança que quero deixar para o meu filho.
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Indo direto ao assunto, eu não me sinto brasileira. São muito poucos os aspectos culturais brasileiros com os quais eu me identifico. Orgulho de ser brasileira, aquela coisa de carregar a bandeira, amar o meu país, sentir saudades, eu não tenho estes sentimentos. Sinto saudades, claro, de aspectos da minha vida, dos meus amigos, das pessoas a quem amo que ficaram para trás, mas não passa muito disso. Minha identidade brasileira é forte em dois aspectos: na língua, pois AMO a língua portuguesa de vertente brasileira e é nela onde minhas emoções podem ser expressas com maior legitimidade, e na culinária, pois sim, acho a comida brasileira a melhor do mundo. Mas se formos falar de amor patriota, peço desculpas a quem possa se ofender pela minha realidade, mas não tenho nada disso.
Não sei explicar se isso se dá pelo fato deu ser binacional, de meu pai ser finlandês e de a cultura finlandesa sempre ter estado presente em minha vida, na minha casa e no meu dia a dia, ou se isso é algo natural. Acredito que seja, pois já conheci diversos brasileiros que se sentem como eu sem nunca terem nem saído do Brasil e sem terem parentes estrangeiros. Acho que nascemos em determinado lugar, mas não necessariamente precisamos pertencer a ele.
A questão para mim é: eu pertenço à Finlândia, mas não posso negar minha herança brasileira e, muito menos, negar este direito ao meu filho. Mas preciso me esforçar muito.
Quando Luke ainda estava em minha barriga eu já havia decidido que só falaria com ele em português, pois é importante para mim que meu filho entenda a língua dos meus sentimentos. Sempre falei com ele em português, mas não consigo passar para ele brasilidade alguma.
Ele está com 4 anos, entende português muito bem, apesar de responder a maioria das coisas em finlandês ou com palavras em português usando gramática finlandesa. Por exemplo: quando ele quer brincar, ele constrói a frase da seguinte maneira: “Brincataanko carrolla? Que seria: “vamos brincar de carro?” Este sufixo “aanko”, seria algo correspondente a “vamos” em português ou “let’s” em inglês. “Carrolla”, seria de carro, sendo o “lla”correspondente ao “de”. E por aí vai. Como eu falo finlandês, entendo o que ele quer dizer, mas sei que ele está criando um dialeto e não falando português.
Mas como corrigir?
Se é certo ou não, não sei, mas eu normalmente repito corretamente a pergunta e tento estimulá-lo a repetir o que eu disse. Ele repete direitinho, mas depois fala de novo do mesmo jeito e eu não forço, não digo que ele está errado e não o obrigo a falar comigo em português quando ele quer conversar, apesar deu responder a ele em português 90% das vezes.
Já fui muito criticada por isso, aliás sou. Várias pessoas já me disseram que eu estou fazendo errado, que eu tenho que forçar e fingir que não entendo quando ele falar comigo em finlandês. Mas eu simplesmente sou cabeça-dura demais para aceitar esse conselho. Na verdade, confesso que me irrita profundamente quando alguém diz isso para mim. Meu filho não é bobo, ele sabe que eu falo finlandês, ele sabe que eu entendo, então por que eu mentiria? E forçar? Qual a justificativa? Porque eu decidi que ele vai falar português sem dar a ele a menor chance de escolha? Não, não quero fazer dessa forma. Eu realmente acredito que se eu continuar a falar com ele em português, mesmo que ele me responda em finlandês, ele vai passar a falar em algum momento e acho que o fato dele entender a língua é o mais importante. Também não me importo com o fato dele ter sotaque e nem com o fato dele cometer errinhos na hora de falar.
Música, literatura e eventos de brasileiros
Galinha Pintadinha, Palavra Cantada e etc eu colocava muito quando ele era menor e eu estava mais em casa. Agora, confesso que só de vez em quando. Mas canto com ele quando passeamos na rua e ele sabe algumas musiquinhas. Quanto à literatura, dessa eu realmente não abro mão. Tenho um acervo de livros de historinha em português e leio para ele todos os dias antes de dormir. Assim tento ensinar o vocabulário sem pressionar.
Quantos aos eventos, essa parte eu deixo a desejar, confesso, pois ela cai no problema inicial do meu texto. Eu não me identifico e me sinto forçada de uma maneira não muito positiva a isso. Eu quase não frequento evento brasileiro algum aqui na Finlândia e não gostaria de fazer isso por obrigação, apesar de achar importante ele conviver com outras crianças que falem português. Isso para mim é um grande paradoxo e ainda não consegui resolver.
Resolvi escrever este texto para mostrar o outro lado da moeda, pois sei que não estou sozinha nessa e sei que mães como eu, podem sentir-se frustradas ao serem criticadas em suas intenções. Acho que todas nós faz o melhor que pode.
Além de tudo isso, a rede de apoio mínima que eu tenho aqui é toda finlandesa. Meu marido também não fala português, portanto, vivemos em um lar finlandês onde o português só existe entre meu filho e eu. Na cabecinha dele, ele já entende que essa é uma outra língua, mas não acho que ele me veja como “estrangeira”, como diferente do meio dele, não sei até que ponto isso atrapalha o sentimento dele de querer falar a língua.
Mais uma vez peço desculpas a quem ache que só leu atrocidades aqui, mas acho importante dividir uma história que não é a convencional. Acho importante mostrar que nem todas as brasileiras pelo mundo têm a mesma identidade cultural, e que a decisão de manter o português vem atrelada a uma série de outros aspectos que podem sim, dificultar o processo.
Concordando ou discordando de mim, será bem legal ler a sua opinião. Deixe um comentário!
Abraços e até
18 Comentários
“Tamo junta”! Excelente artigo, Mailinha!
Adorei também o seu artigo Maila! Nunca achei que brasilidade é patriotismo, entendo perfeitamente o seu sentimento. Eu adoro ir para o Brasil, mas nunca me identifiquei muito com a cultura, religiosidade, músicas, essas coisas. Acho que de música brasileira só gosto de um estilo, Bossa Nova e das bandas punk. Para mim, música é rock, já fui metaleira, mas minha alma é Punk, então…nada de brasilidade nesse sentido. Mas olha Maila, o que acontece com o seu filho acontece aqui com as minhas meninas. Só respondem em Inglês, falam em Inglês, brigam em Inglês, embora eu só fale Português com elas. Também não consigo baixar a lei imutável aqui em casa de só se falar Português. Não acho amoroso, quero que elas associem o Português ao amor, ao bem-estar, ao carinho, à risada, à comida, à alegria! Associo a brasilidade a um estado de ser no mundo. Então a gente passa brasilidade pelo exemplo, pelo modo de sentir, creio eu.
Adorei o texto, Maila, e a coragem de expôr um ponto de vista não romantizado. Tenho uma experiência parecida mas diferente. Nasci no Uruguai e vim para o Brasil aos 10 anos. Durante toda a adolescência senti verdadeira ojeriza da língua e costumes do meu país (provavelmente negação para me proteger). Sentia falta das pessoas e lugares mas não da cultura (até hj não posso com tango). Meus filhos nasceram no Brasil, de pai brasileiro, falo esporadicamente com eles em espanhol, mas a minha mãe fala portunhol. A questão é que na primeira viagem mais longa ao país saíram falando espanhol até com sotaque uruguaio. Hoje, já maiores, conversamos em espanhol, eles tem uma comunicação boa, não é perfeita mas já os ajudou muito na vida acadêmica.
Sobre os livros, acho a melhor escolha. E se precisar de alguma dica de literatura infantil nacional mantenho junto com outra colega escritora o site de resenhas @kidsindoors
Olá Catherine,
Muito obrigada por seu comentário e por dividir a sua experiência. Eu entendo perfeitamente o que você sente. Acho que ninguém é obrigado a amar o país onde nasceu. Eu concordo que aprender línguas abre caminhos e acho muito legal que seus filhos tenham se interessado e aprendido o espanhol.
vou ver o seu site e se quiser que o compartilhemos em nossa página no FB, mande um email para mim no maila@brasileirinhospelomundo.com, será um prazer.
Beijos
Maila e outras mães de pequenos , tem uns vídeos sensacionais, são animações das músicas infantis do Balão Mágico , Toquinho… sou Profa da rede municipal do Rio de Janeiro, fiz Letras e pós-graduação em Língua Portuguesa. Vou mandar o link de alguns vídeos.
https://youtu.be/EjooYybCBJI
https://youtu.be/DQ9iK7Nu8Nw
https://youtu.be/u07Td4VPWgA
Muito obrigada, Giselle!
Um beijão para você.
Olá Maila, eu concordo e discordo de você.
Concordo que seja uma batalha diária a rotina de outra língua. Quando sentamos para comer a língua da casa prevalece e se o pai não fala português, então precisamos adaptar e falar Da forma que todos entendem.
Porém, travo essa batalha com unhas e dentes aqui, comigo meu filho só pode falar em português, de uma forma carinhosa não entendo outra língua que não seja a minha.
Ele tem 3 anos e fala fluente português comigo e com o irmãozinho bebê (foi opção dele). Quando brinca sozinho ele fala em português o que me enche o peito de orgulho e felicidade. Sei que se um dia a minha família se tornar só eu e meus filhos, terei essa confiança de que eles não terão nenhum problema em se comunicar comigo. Não importa o quanto fluente eu sou na língua do país em que vivemos, temos a nossa língua do coração e é essa que vai persistir por toda a vida. É o nosso laço mais forte.
Porém, existem muitas outras formas de se ter esse laço de amor materno. A língua é só uma delas.
Concordo que a língua é muito importante, por isso não deixo de ensinar e de falar com ele em português. Muito legal conhecer um pouco de sua história e de saber como decidiu trabalhar isso. Um beijo grande!
Minhas queridas, que delicia ler estes textos de voces e partilhar coisas tao importantes! eu nao tenho filho, mas cresci como uma “madastra” brasileira, que meu enteado nao entendia muito bem. Agora com os netos, filhos dele e os sobrinhos, eles todos adoram e se interessam pela cultura brasileira porque me amam. Eu trago cançoes, livros e ele aprendem porque se sentem interessados na cultura, é algo ludico! O sonho de todos é ir pro Brasil passar um tempo um dia, acho que a maturidade ajuda, como crianças eles nao entendem muito bem porque devem falar outra lingua, eles querem ser “iguais” as outras crianças, Mas como adulto ou jovens, escuto sempre, agradeço a minha mae de ter insistido pra que eu aprendesse portuguesü O tempo vira minhas lindas! Continuem! Linguas estrangeiras, ainda mais como herança, parte da identidade vai ajuda-los muito no futuro! Bjus w Parabens pelo texto querida Maila!
Muito obrigada, Ana! Adorei conhecer um pouco da sua história também. Um beijão
Olá Maila, eu te conheci no evento Brasileiras prlo Mundo em Stuttgart, no ano passado. Obrigada pelo seu depoimento, assim nós brasileiras patriotas, amo o Brasil demais e sou verde e amarelo até morrer. , possa entender o outro lado da moeda. Entendo você e Pátria é onde a pessoa se sente em cssa e no seu caso a Finlandia. Eu moro na Alemanha há 37 anos, sou feliz aqui e tenho a Alemanha como segunda Pátria. Tenho necessidade de ir ao Brasil pelo menos uma vez por ano. Duas vezes seria o ideal. Parabéns por insistir em deixar a nossa lingua portuguesa como herança para o seu filho.
Grande abraços de Düsseldorf – Alemanha.
Muito obrigada, Iramaia!
Me lembro de você e fiquei muito feliz com o seu comentário. Sim, concordo que pátria é onde nos sentimos em casa. Quanto a língua de herança, considero um presente que nós pais damos aos nossos filhos, pois as línguas abrem caminhos e eu não sei como o meu filho se sentirá: pode ser que ele queira conhecer suas raízes brasileiras e é importante para ele saber a língua. Um beijão
Oi Maila!
Gostei muito do artigo, é importante mostrar as várias facetas que são enfrentadas.
Você diz que a comida brasileira é um dos seus pontos de identificação; já pensou em trazer a brasilidade para o Luke através dela? Muitos eventos/feriados brasileiros tem comidas ou guloseimas típicas que a gente espera o ano todo para comer naquela época (tem o ano todo mas a graça é comer NAQUELE feriado). Isso é um aspecto forte da nossa cultura e mostraria ao Luke como ela é rica.
Um abraço!
Obrigada, Mariana! Nossa, adorei a ideia!!! Adorei mesmo.
Um beijão
Que delicia ler sua história Maila, acompanho ha tempos e vc escreve muito bem, sempre com muita clareza, mas também de forma intimista, gostosa, é quase um papo entre amigas, cheia de verdade e coração. Linda por fora e por dentro. E seu filhote é lindo do mesmo jeito, parabéns.
Linda sua experiencia e muito bom vc ser cabeça duravo suficiente para seguir seus instintos e exercer a sua maternidade do seu jeito, que é exatamentevo que o Luke precisa.
Conselho é uma forma de auto-afirmação e em 98%dos casos desnecesário porque experiencias são intransferíveis. Bom mesmo é trocar sabedorias, impressões, vivências, porque aí a gente se encontra no meio do caminho e ninguém se cansa e todo mundo ganha.
Eu sofro da mesma sindrome de estrangeiro e me sinto muito feliz aqui, Apesar de brasileira de pai e mae nunca me senti brasileira.. Minha mãe dizia que eu brincava de falar ingles desde que aprendi a falar. Meu filho nasceu e viveu ate os 4 anos na Dinamarca e depois 20 anos de Brasil. Sem cobrança criança cresce e aprende tudo, hoje, adulto, é fluente “de fábrica” em portugues, dinamarques e inglês. Cada caso é um caso, claro, mas pessoamente acho lindo que vc e seu filho também tenham esse código pessoal, intimo e cheio de amor que só a mae bilingue pode criar. Eu e meu filho curtimos até hoje o fato de termos palavras só nossas, que sela a cumplicidade e o amor que desse relacionamento eterno, único e incondicional. Acho que o amor tudo pode e ensina. O tempo cuida do resto. Parabéns e bia sorte ness caminhada, obrigada por compartilhar e deixar a gente viajar junto de vez em quando. Beijocas, Lu
Querida Luciana,
Você sempre tão querida…
Muito obrigada pelas palavras carinhosas e por dividir a sua história. Esse sentimento de não sentir-se muito parte de onde nascemos é complexo porque somos muitos julgados por isso, mas também é fato de que, depois de uma certa idade, paramos de ligar para julgamentos e acreditamos mais em nós mesmos e em nossas decisões. Eu amo escrever, esta é a minha forma de expressão e desde que decidi escrever para pessoas, me sinto muito responsável pelo conteúdo que produzo, por isso escrevo de maneira sincera, como realmente penso e “sem medo de ser feliz”. Saber que acompanha minha trajetória me deixou feliz. Obrigada
O problema é que as pessoas querem impor o que nós mães devemos fazer, e cada caso é um caso. Minha filha e marido são espanhóis e nossa residência fixa é na Espanha. Mas estamos numa fase que temos que viver em países diferentes a cada ano. Por isso, estou num dilema: a língua dela é o espanhol e está aprendendo o inglês, que será útil pelo tipo de vida que nós temos. Ela ainda escuta a língua do país temporário que siempre muda (finlandês, atualmente). Tenho medo de forçar o português e que seja demais pra cabecinha dela. Leio livros, cantamos músicas e falo um pouco, mas noto que ela não tem interesse. Nem gosta de falar com a família brasileira porque é em português, e isso me deixa triste. Não sei o que fazer, pois não sei se é bem assim: “as crianças são como esponjas”. Por motivo diferente, faço como você, pouco a pouco e sem pressão, mas estou bem insegura 🙁
Olá Lidiane,
Muito obrigada por dividir a sua história. Eu concordo com você que sua situação é particular, visto que sua filha acaba por estar exposta a tantos idiomas. Não sei o que faria no seu lugar, mas se ela entende português quando você conversa com ela na língua, acho que não há nada demais você falar com ela em português e deixar que ela responda no idioma que se sente confortável. Entendo o sentimento que você dividiu sobre ficar triste por ela não querer se comunicar com os membros da família que falam português. Meu filho também não gosta de interagir com minha mãe e isso acaba por partir meu coração, pois sei que ela fica triste. Mas não podemos forçar. Acredito que o tempo é o nosso melhor amigo nessa empreitada. Eles crescerão e escolherão se querer ou não falar português. Acho válido ensinarmos, mas jamais forçar. Beijos