As músicas que nos unem
Nunca ouvi tanto a música Home, a minha preferida do Michael Bublé, como nesta quarentena. Às vezes com lágrimas nos olhos, enquanto cozinhava, me alimentando da saudade de casa, aquela do outro lado do Atlântico que nunca deixou de ser minha. A música preenche o espaço vazio, traz memórias, alegrias e aconchego. Posso lembrar com facilidade do meu tio querido cantando Elvis com um sorriso no rosto, embora ele tenha falecido quando eu era adolescente. É a vivacidade da memória que a música traz. E quanta gente mandou mensagem uns para os outros durante Evidências, na live dos Amigos? A música aproxima. Eu me vejo nas rodas de violão no sítio com meus primos.
Com todos em casa, vi o confinamento deixar latente o quanto a música cria momentos na família que serão lembrados para sempre – especialmente as músicas que nos unem aos nossos filhos.
Não toco instrumento algum e nem sou das mais afinadas, mas amo música e gosto mais ainda de criar uma playlist (lista de músicas). Tenho playlists para correr, cozinhar, dirigir, relaxar, receber amigos e até para jantares românticos com o marido. Eu poderia criar playlists para lembrar de cada fase dos meus filhos, começando por Beatles para bebês, Palavra Cantada, Cocoricó e a tal da Galinha que é criticada, porém cumpre muito bem o papel de apresentar nossas cantigas de roda às novas gerações.
Mas gosto mesmo das músicas que nos unem. Aquelas que ensinei meus filhos a gostarem e vice-versa. As que cantamos juntos, com o volume alto, fazendo caras e bocas, apertamos o replay (para tocar de novo), e as que compartilhamos em nossas playlists.
E quais são as músicas que nos unem?
Eu começaria por Beatles – olha eles aí de novo – porque já vem carregado de história. Minha mãe me ensinou a gostar, nos emocionamos juntas durante o show de Paul Mc Cartney no Brasil e fomos a Liverpool durante a primeira estadia dela na minha casa aqui na Inglaterra.
Depois que tive os meus filhos, a conexão entre as gerações fez ainda mais sentido. Como quando assisti ao espetáculo “Love”, uma homenagem do Cirque du Soleil aos Beatles, em Las Vegas, na volta da minha licença maternidade. Deixei meu bebê pela primeira vez, estoquei litros do meu leite para durar os sete dias da convenção de vendas, levei a bomba elétrica para manter a produção e chorei compulsivamente durante a encenação de Hey Jude, focada na relação entre John Lennon e sua mãe. Agora meu bebê já tem nove anos e canta alto comigo o “Lá lá lá lá”, sem saber que ele é parte desta canção de amor. E o melhor: Hey Jude faz parte das playlists dele, assim como Drive My Car e Come Together.
Do lado dele, ele me apresenta músicas da Camila Cabello, dos meninos do One Direction em suas carreiras solo, e traz de volta Bon Jovi e Beach Boys, que achou nas playlists do meu marido. Quando eu tive a ideia do tema deste artigo, eu estava correndo e tocou “Ain’t No Mountain High Enough”, do Marvin Gaye. Comecei a sorrir, lembrando dos momentos de cantoria e o volume alto que escutamos esta música, que é um dos nossos hinos.
Como compartilhamos a nuvem onde as músicas ficam e se conectam aos nossos equipamentos, seguimos descobrindo músicas novas um do outro e trocando dicas para as nossas playlists. Agora mesmo, enquanto escrevo, estou ouvindo-o cantar Elevation, do U2, que ele provavelmente pegou de alguma playlist minha. “Mãe, tenho certeza de uma música do Maroon 5 que você vai adorar para a sua playlist de corrida!” Ele chega colocando o fone no meu ouvido e eu logo vejo que ele acertou, até porque ele as conhece bem por serem “as mais animadas” e, por esta razão, as que ele mais gosta. E fica todo orgulhoso quando eu pergunto “Filho, que música é esta do Ed Sheeran que você está escutando? Quero colocar na minha playlist”.

As playlists que nos unem. Foto: Arquivo pessoal.
Música na quarentena
Nossos dias tem tido mais música do que nunca e as caixinhas de som estão todo o tempo na tomada, sendo recarregadas, assim como os computadores e tablets compartilhados por pais e filhos nas casas mundo afora. Uma delas deixo na cozinha.
Minha filha, que tem adorado me ajudar a cozinhar, já chega negociando: “Eu te ajudo, mas você pode colocar a minha playlist?” Então sou convencida a cozinhar com a trilha sonora de Frozen e acabo perdendo a minha ajudante, que vira uma bailarina distribuindo saltos, piruetas e sorrisos pela cozinha.
Uma vez, também na companhia dos temperos, meu filho chegou criticando minha seleção de Bublé e John Mayer, dizendo que as músicas eram muito calmas. Lembra que ele gostava das animadas? Então continue acompanhando. Expliquei que nem sempre queremos ouvir músicas agitadas como as que escuto para correr, pois temos momentos que queremos baixar a energia e relaxar, como quando cozinho tomando calmamente o meu vinho.
Reforcei o conceito depois da experiência do DJ no jantar. Eles me pediram música e eu vetei, dizendo que o jantar “era hora de conversar, prestar atenção um no outro, olhar nos olhos” e deixar o silêncio ser a trilha sonora da casa até a hora de dormir. Porém, fizemos uma exceção no fim de semana e deixamos nosso filho mais velho ser o DJ na hora do jantar. Ele veio com uma seleção toda animada que, obviamente, não combinou. Dissemos que a intenção era relaxar e ele entendeu, mas saiu frustrado. Dias depois, fui escolher a minha playlist para correr – tenho várias, de acordo com a distância que quero fazer – e me deparei com uma lista nova, chamada… Dinner (jantar, em inglês)! “Tem gente aumentando o repertório…”, pensei. A lista estava cheia de músicas gostosas de ouvir, sem necessidade de querer cantar e sair dançando por aí.
A música e a nossa jornada
E por falar em cantar e sair dançando por aí, vejo o quanto as músicas acompanham a nossa jornada de expatriados, não só por marcar momentos que colecionamos pelo mundo, mas também ao compartilhamos juntos a saudade dos amigos que ficaram pelo nosso caminho.
O reggaeton que carregamos conosco do México está presente em várias de nossas playlists e devemos ser os únicos do planeta que não cansamos de Despacito, pois nos traz lembranças maravilhosas que vivemos no país da tequila. Aliás, foi durante um karaokê na nossa festa de despedida do México que eu me emocionei quando eu e meu filho cantamos juntos uma das música que nos une, um olhando para o outro, do início ao fim, como se estivéssemos nos fortalecendo para enfrentarmos de mãos dadas a nossa segunda mudança de país. A letra estava na ponta da língua e o ritmo era o da batida dos nossos corações.
Leia também: Criando novos laços durante a quarentena
Não sei se meus filhos vão querer cantar comigo em karaokês na adolescência ou se vamos levantar do sofá durante um filme para dançarmos ao som de Marvin Gaye. Provavelmente não. Mas tenho a certeza de que as dicas de música continuarão, pois o que é compartilhado entre nós é muito maior do que a nuvem que conecta as nossas playlists.
A lista de músicas que nos unem segue crescendo e a quarentena acrescentou mais algumas nesta seleção. Daqui a um tempo, vou escutá-las e lembrar de quando uma bailarina dançava na minha cozinha, eu corria pelas ruas sorrindo e nossa casa se enchia de música do café da manhã ao jantar.
6 Comentários
Como sempre me deliciei lendo seu texto musical !!
E participei dos seus dias na Inglaterra junto de sua família
You”ll beber find com o Michel Bouble é a minha favorita é ele canta com a Laura Pausini
Seus filhos participam destas escolhas e isto é lindo !
Que bom sentir vc mais perto !! Sou sempre a primeira a descobrir e lê vc
Breve vamos ter vc aqui e fazer uma playlist das nossas músicas brasileiras
Com saudades envio meu abraço carinhoso 😘
Combinado, faremos uma playlist só de músicas brasileiras!
Deixei pra ler esta crônica deliciosa só agora de madrugada, depois da agitação do dia! Música me deixa eufórica, toca lá no fundo da alma e me transporta pra muitos lugares e momentos vividos! Como esquecer do show do Paul McCartney que assistimos juntas? Inesquecível!!! Momentos mágicos! E como esquecer do Bruno cantando”Love me tender”! Que bom que a música tá numa ligação forte com toda a família! Enquanto lia fui vendo mentalmente o Pepê como dj, Giogio dançando na cozinha! Que dom maravilhoso este seu, sua escrita é de alma! Doida pra te abraçar, aquele abraço prometido, do “purê de batatas”. Chega logo, filha querida!🥰
É isso, os momentos ficam eternizados com as músicas!
Que texto lindo, Ana! Me identifiquei demais com a parte que você menciona de Beatles, poderia ter escrito a mesma coisa, trocando “mae” por “pai”, já que foi ele que me apresentou, com ele fui ver Paul no Brasil e com ele fui a Liverpool anos atrás! hahaha! Obrigada por compartilhar um texto tao tocante!
Aaaaaaah, que legal! Adorei