Como parte do esforço de conscientização da Semana Mundial do Aleitamento Materno, aproveito para contar um pouco da minha experiência e entrevistar a enfermeira obstétrica Patrícia Salles, para desmistificar alguns tabus da amamentação. Em sua entrevista, ela – que é diretora científica do Hospital Maternidade Fernando Magalhães, no Rio de Janeiro – nos prepara para fechar o Especial de Amamentação do Mães Mundo Afora, que terminará com uma live no nosso Instagram (@maes.mundo.afora) na próxima terça-feira, dia 13 de agosto, às 16 horas (horário de Brasília).
Tenho boas recordações do período em que amamentei meus filhos. Foi um período muito gostoso de entrega, em que no ato de amamentar nada mais importava e parecia que era só eu e eles. Amamentar para mim nunca foi uma opção, mas sim parte do processo de ser mãe e alimentar o próprio bebê. Na minha primeira gestação tive uma doula e uma amiga, que mora na Alemanha e na época também estava amamentando. Trocamos muitas experiências por mensagens. Ambas tiveram um papel muito importante e foram a minha rede de apoio, além do meu marido.
Mãe de primeira viagem no Chile
Apesar de todo esse contexto acolhedor, a fase inicial foi bem desafiadora, principalmente após o nascimento da minha primeira filha no Chile.
O parto dela foi muito cansativo e longo: fiquei 24 horas com a bolsa estourada sem ter contrações e em observação no hospital. No Chile, como no Brasil, a maior parte dos partos é cesariana, mas o meu médico sabia que eu queria parto normal e me tranquilizou que eu poderia esperar. Meu marido passou o dia pesquisando em sites da Bélgica e Holanda, onde é comum a grávida até voltar para casa caso não apresente contrações após a bolsa estourar. Mesmo assim, tive a sensação de estar indo contra um sistema de cesarianas, que são tratadas como “normais” na cultura latinoamericana.
Ela nasceu bem e depois de três dias tivemos alta. A amamentação começou bem, mas quando voltei para casa ela teve uma febre alta e acabamos voltando para o hospital. Disseram-me que por eu ter esperado o parto normal, poderia ter risco de infecção, e ela ficou internada por três dias na UTI neonatal. E assim passei os três piores dias da minha vida, longe dela, sem poder amamentá-la nem ficar no hospital perto dela. Eu só podia visitar e amamentar duas vezes por dia.
Eu e meu marido ficamos revoltados com o hospital por não terem me deixado ficar lá também em um quarto para amamentá-la quando ela necessitava. Os meus peitos estavam produzindo muito leite e tive a ajuda de uma amiga, que me emprestou uma bomba de tirar leite e me ensinou como ordenhar. A cada três horas tirava leite e congelava para dar posteriormente. No final das contas, descobriram que ela não tinha nenhuma infecção. Ela teve apenas uma desidratação por causa do calor e provavelmente por não ter mamado suficiente.
O segundo filho no Brasil
Com o meu segundo filho foi tudo mais tranquilo. Estava no Brasil, perto da minha família, e tive uma equipe maravilhosa de parto humanizado. Após o nascimento, ele veio direto mamar no meu peito. Mas mesmo com a experiência anterior de amamentar, os primeiros dias não foram fáceis e a ajuda da Patrícia, que além de enfermeira é minha amiga, foi fundamental. Ela foi na minha casa várias vezes me ajudar com massagens para retirar o leite que estava sendo produzido em excesso. O bebê tem uma boca pequenininha e no início o peito fica muito grande e duro, dificultando para o bebê mamar. Após a massagem e retirada do excesso do leite, a auréola ficava mais macia e mais fácil a sucção.
Durante essa fase, estamos rodeadas de tabus da amamentação e escutamos muitos conselhos de parentes e amigos, que nem sempre são verdadeiros. Para esclarecer algumas dúvidas e mitos, Patrícia, que é também chefe do ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio, falou com o Mães Mundo Afora.
– Qual a importância de amamentar o bebê em livre demanda?
Patrícia Sales: Existem benefícios para a mãe e para o bebê. Livre demanda significa ofertar o seio sempre que o bebê der sinais de fome. Não existe tempo mínimo para a livre demanda.
Para a mãe, essa oferta é um estímulo hormonal para a produção de leite e evita ingurgitamento mamário, principalmente à noite quando a produção tende a ser maior. Quando se interrompe a oferta de leite materno, o corpo materno entende que as necessidades do bebê estão reduzindo. A amamentação exclusiva retarda a volta do ciclo menstrual, podendo ser usada como método contraceptivo único ou associado a hormônios específicos.
Para o bebê, a amamentação pode ser cansativa. Então, a livre demanda ajuda a garantir o aporte nutricional adequado. A produção materna, independente da idade gestacional que o bebê nasceu, se adequa às necessidades da sua prole. Então, o leite de uma mãe que teve parto prematuro é diferente do leite de uma mãe que teve seu bebê aos nove meses, porque as necessidades são diferentes. O colo materno dá uma sensação de conforto e segurança para o bebê. Para ambos, o aumento do vínculo familiar é uma realidade.
– O leite materno deve ser o principal alimento no primeiro ano de vida da criança?
Patrícia Sales: Sim! Nos primeiros 6 meses de vida deve ser usado exclusivamente leite materno. Depois já é possível iniciar a transição gradativa, com frutas, fontes protéicas, até a introdução de todo o cardápio familiar. Essa transição entre a amamentação e a introdução alimentar pode durar até o bebê fazer 1 ano ou mais. Todavia, o aleitamento materno pode se manter depois da introdução de dieta por 2 anos de vida ou mais.
– O leite materno perde os nutrientes ao longo do tempo? Qual o benefício da amamentação prolongada?
Patrícia Sales: Na verdade, as necessidades nutricionais mudam ao longo do desenvolvimento de todos os seres vivos. O trato digestório de um recém-nascido não tem condições de digerir corretamente muitos nutrientes. Isso porque muitos alimentos são complexos para a sua estrutura. Com o amadurecimento do bebê, vamos preparando a digestão introduzindo, aos poucos, alimentos de mais difícil digestão.
Vocês repararam que quando uma criança que usa leite materno golfa não tem cheiro? Porque tudo foi digerido. Tudo foi utilizado. Ao usar leite industrializado, a digestão é extremamente lenta e fica por muito tempo no trato digestório, não é totalmente absorvido.
– A mamadeira e a chupeta podem causar confusão de bicos e fluxo? O uso pode atrapalhar a amamentação do bebê?
Patrícia Sales: Podem sim. A forma de sugar a mamadeira e a chupeta são diferentes daquela para sugar o peito materno. Alguns bebês transitam facilmente por essa variação. Mas muitos outros têm dificuldade devido à imaturidade. Sugar o seio materno é uma tarefa muito mais árdua do que deixar o leite vazar pelo buraco da mamadeira. Eles são pequenininhos, mas são espertos. E quem não iria querer o que gasta menos energia? Vale ressaltar que se o bebê não sugar o seio materno ou não tiver ordenha, a produção diminui, o que pode ser um fator a mais para o bebê preferir a mamadeira. Portanto, caso a mãe queira amamentar, o melhor é sempre oferecer o peito.
– Quais dicas você daria para um mãe que pretende amamentar o seu filho?
Patrícia Sales: Empodere-se e confie em você! Seu corpo é capaz. Muitos relacionamentos precisam de um tempinho para se ajustar, e o da mãe e do bebê pode seguir essa regra. Tenha calma. Se o bebê ainda precisa aprender a sugar o peito, a mamãe pode fazer ordenha para ofertar seu leite mais facilmente.
– Como o pai pode ajudar nesse processo de amamentação? E qual o papel dele nesse contexto?
Patrícia Sales: O pai tem várias tarefas de extrema relevância: estimular o aleitamento materno, auxiliar nas tarefas do dia a dia e no cuidado com os filhos mais velhos, compreender que amamentar exige tempo e energia materna, auxiliar na oferta de água e nutrientes à mulher. Ele ainda pode se eleger o responsável oficial pela hora do arroto ou troca de fralda. Mamães, ensinem aos papais com calma como eles podem ajudar! E tenham em mente que eles terão um jeito próprio de realizar as tarefas diárias e com os bebês. Incentivem seu companheiro.
– Todas as mães que amamentam já devem ter escutado essa frase: “O bebê acabou de mamar e ainda chora, ele deve estar com fome!” ou “O seu leite deve ser fraco!”. Qual a sua opinião?
Patrícia Sales: Tente saber se algo o incomoda. Se for fome, continue com a livre demanda até esvaziar um seio e só então ofereça o outro. O leite materno posterior (o que vem por último na mamada do seio) é o mais rico em gorduras e ajudará a saciar o bebê. Não é recomendado trocar de seio antes que o primeiro ofertado esvazie naquela mamada. Se o choro continuar, ele pode estar cansado, pode ter se sujado ao longo da mamada, estar com frio ou calor, com cólica. Há uma listinha de coisas a checar. Tente identificar o que há, acalme o bebê e se você achar que é o momento, retorne com a amamentação.