No meu último texto, contei como fizemos a introdução alimentar da minha filha contrariando as recomendações francesas. Agora, quero falar sobre nosso caminho de amamentação. Neste primeiro texto, vou relatar um pouco do panorama geral do país e do início da nossa jornada.
Amamentar era uma certeza para mim desde a gravidez. Achava que amamentar era algo difícil, que precisava de muita informação e apoio, além de orientações corretas dos profissionais de saúde que muitas vezes desencorajam as mães a continuarem, “afinal para que ter esse trabalho, se o leite artificial está aí?” (Como muitos dizem).
Eu acreditava que praticamente todas as mães amamentavam quando seus filhos nasciam, mas que ao longo do caminho, por diversas razões, elas iam parando ou continuando. Porém, percebi que nem sempre é assim.
Amamentação na França
Vou contar um fato que me mostrou muito sobre amamentação na França. Era julho, e o verão havia chegado forte. As temperaturas passavam dos 30°C. E eu estava grávida de seis meses. Num domingo, decidimos fazer um piquenique num parque próximo.
O lugar borbulhava. Casais, jovens em grupo, famílias com crianças que andavam em suas bicicletas e patinetes e bebês que passeavam em seus carrinhos. Para muitos deles, como foi para a minha filha no ano seguinte, era uma das primeiras oportunidades de sair com os braços e perninhas de fora.
Escolhemos um local com sombra para sentar e logo três casais com bebês fizeram o mesmo ao nosso redor. O curioso é que todos eram bem pequenininhos, chutando com uma boa margem para erro, nenhum tinha mais de dois meses. Um deles com certeza nem um mês. Todos foram alimentados na mamadeira. Aquilo me deixou impressionada e intrigada. Perguntei ao meu marido se não era comum as mulheres amamentarem em local público, e ele disse que nunca tinha pensado nisso. Então fiz minhas pesquisas.
Segundo um estudo feito pelo Centro de Pesquisa Epidemiológica e Estatística da Sorbonne Paris Cité, e apresentada nesse artigo, 71% das crianças são amamentadas quando nascem. Mas apenas 50% continuam ingerindo o leite materno quando completam 1 mês. A taxa cai para 25% quando eles chegam ao 6 meses.
Esse outro artigo compara a amamentação no país com outros europeus. A França é um dos últimos no ranking.
Um dos motivos apontados para as taxas baixas de aleitamento materno é o tempo da licença-maternidade, que é de 16 semanas para bebê único (não múltiplo). Sendo 6 antes da data prevista do parto e apenas 10 após. Ou seja, as mães voltam ao trabalho quando os bebês têm apenas dois meses e meio. Com certeza um fator que complica e desmotiva mães a amamentarem.
Escolha sem julgamento
Na maternidade, quando dei entrada no dia do parto, me perguntaram se iria amamentar ou se seria mamadeira. Eu já sabia que as mulheres amamentavam pouco no país, mas não imaginava ainda que mesmo na maternidade elas não o faziam. As enfermeiras tratavam o assunto com muita naturalidade. Não havia nenhum tom de julgamento com a resposta.
No dia da nossa alta, participamos de uma reunião de pais com as enfermeiras. Éramos em 6 ou 7 casais/mães. Apenas eu e mais uma estávamos amamentando exclusivamente. A outra mãe disse inclusive que estava fazendo, mas sem saber quanto tempo duraria por conta da volta ao trabalho. Duas estavam fazendo o aleitamento misto (leite materno e artificial) e as outras partiram direto para a mamadeira. Aquilo me chocou. Ali eu entendi que amamentar é realmente uma escolha e sem pressão ou julgamento para fazê-lo até onde eu vivenciei. E a gente aprende a respeitar a decisão de cada mulher.
Ajuda no pós-parto
Durante a gravidez, a maternidade disponibilizava gratuitamente um curso sobre amamentação. Eu acabei não fazendo, mas li muito, conversei com minha prima que era consultora de amamentação e vi vários vídeos de posições e pega e me sentia bem segura.
Mas assim que minha bebê nasceu, pedi ajuda para colocá-la no peito. A enfermeira que nos assistiu no parto, me disse para esperar que ela mesma iria procurar o seio, e quando o fizesse, elas me ajudariam. Em seguida, minha bebê faminta começou a abrir a boquinha e a procurar sua fonte de alimento. A enfermeira me ajudou a colocá-la e eu senti a maior dor! Nada de momento mágico. Foi ruim mesmo. Ela ficou no peito por mais de uma hora.
Nos dias que se seguiram, as enfermeiras me ajudavam com a pega, para tirá-la do peito quando ela ficava por mais de uma hora, com emplastos para aliviar os machucados, a ordenhar o leite que desceu com tudo e formou vários nódulos.
Minha filha mamava bem, recuperou o peso que perdeu após o nascimento rápido, tinha a pega boa. Mesmo assim, tive pequenos machucados que em 10 dias sararam e não tive mais problema com isso. Senti um pouco de dor ao amamentar até ela ter uns 2 meses, quando a boquinha já estava maior e a mamada mais eficaz. Porém nada que fosse ruim. Eu sentia prazer em amamentar, euforia. Olhava aqueles olhinhos pequenos e aproveitava o momento para fazer muito carinho.
Eu contava com ajuda da minha prima no Brasil. Ela me dava conselhos, respondia minhas dúvidas, me explicava como e quando usar a bombinha para tirar o leite, via por foto e vídeo se a pega estava correta.
Visitas que confortavam
Além disso, no primeiro mês pós-parto, uma puericultrice (enfermeira de bebês) vinha até a minha casa para pesar minha filha, ver como eu estava e conversar sobre questões relacionadas ao recém-nascido. Ela me explicou que na terceira semana havia uma queda hormonal grande e uma baixa na produção de leite. Esse período coincidia com o primeiro pico de crescimento do bebê. O resultado era que ficávamos mais desanimadas e o bebê solicitava mais leite. Que era normal ter a impressão que ele não parava de mamar e que era nesse período que a amamentação acabava para muitas mulheres. Pois desesperados os pais acreditavam ser fome a razão de tanto choro e corriam na farmácia para comprar uma lata de leite. Com o uso da mamadeira, a amamentação começava a declinar aos poucos até acabar.
Ela me aconselhou a descansar ao máximo, tentar manter a calma e dar o peito sempre que a bebê pedisse. Realmente não foi fácil. É desesperador passar o dia inteiro com um bebê grudado no peito. Mas essas explicações me ajudaram a passar por esse período com menos tensão e dúvidas.
Leia mais sobre Amamentação e veganismo em Israel e Amamentar em público na Inglaterra
Nessa época, tivemos consulta com a pediatra e meu marido perguntou se o leite não era fraco. Eu quase o matei. Influenciado por palpites, ele começou a achar que poderia ser isso. Entretanto a pediatra foi categórica e respondeu que leite fraco não existia. Além disso, nossa filha ganhava peso e se desenvolvia muito bem.
Mudamos de pediatra pouco tempo depois para uma da PMI (centro de saúde público para mães e crianças). As consultas incluíam a conversa com a puericultrice para peso, dúvidas, etc e logo após com a médica. Eram pelo menos 40 minutos a cada vez. Eu saia sempre mais tranquila quanto à amamentação. Em pouco tempo, sentia que a situação estava estabilizada.
Na segunda parte do texto, contarei como foi o apoio do marido e reação da família francesa, além da nossa saga por causa de tantas cólicas e noites jamais dormidas. Até lá.
3 Comentários
[…] para vocês no texto anterior como foi o início da amamentação da minha filha, do apoio que tive para isso na maternidade no […]
[…] Leia também sobre a experiência de Amamentação na França […]
[…] também meu relato de amamentação: Amamentação na França – minha experiência parte 1 e parte […]