A minha experiência de amamentação tem sido gratificante, surpreendente e cansativa. Foi também uma grande cuspida para cima, já que antes de ser mãe estranhava uma criança com mais de dois anos amamentando, e hoje estou aqui amamentando em livre demanda a minha filha de dois anos e sete meses.
Acredito que, quando grávidas, a maioria das mulheres pensa muito sobre o parto e bem menos sobre a amamentação. A verdade é para a maioria das mulheres, a amamentação, em especial no início, é um processo difícil e muitas vezes doloroso e frustrante. Vivendo na Inglaterra, já vi muitas mulheres terem partos normais sem problema algum para serem surpreendidas por dificuldades na amamentação.
No meu caso, a amamentação foi uma surpresa. Antes de a Clara nascer, achava que teria um parto normal, livre de complicações, e uma amamentação mais difícil, pois havia ouvido muito relatos de mulheres que tiveram dificuldades no início. Porém o que aconteceu comigo foi o oposto. Eu descrevo a amamentação como a calmaria depois da tempestade. Depois de um parto longo, doloroso e cansativo e que acabou em uma cesárea de emergência, fui supreendida com uma amamentação fácil e indolor desde o primeiro minuto. Ao todo foram seis meses de amamentação exclusiva, e hoje, depois de mais de dois anos e meio, ainda estamos na amamentação continuada.
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Entretanto relatos de amamentação tranquila como o meu são raros e apesar de a natureza com certeza ter me dado uma boa ajuda, acredito que fatores como acesso a informação e apoio social/familiar e institucional foram importantíssimos para que nossa experiência tenha sido bem sucedida.
Acesso à informação e equipe médica
Acesso à informação sobre amamentação é super importante. Durante minha gravidez, fiz uma oficina sobre amamentação onde aprendi o que era “apojadura” e como a dor é sinal de que algo não está certo, seja na apojadura ou algo mais sério como língua presa. Aprendi sobre possíveis dificuldades e diferentes formas de segurar o bebê na hora de amamentar. Mas o mais importante foi aprender que quando há um problema, ao invés de ir diretamente à fórmula, deve-se antes procurar ajuda de uma consultora de amamentação ou o que aqui se chama de “breastfeeding clinics” (clínicas de amamentação).
Usei o que aprendi logo que a Clara nasceu: nas raras vezes que ela tinha uma apojadura ruim, eu fazia o que aprendi no curso e consertava a pega dela. No início, Clara não gostava de mamar do meu lado direito, então usei uma das outras pegadas chamada aqui de “rugby hold” (pegada de rugby) para segurá-la de forma que ela mantivesse a cabeça sempre virada para o mesmo lado.
Outro fator que ajudou com certeza na amamentação em livre demanda foi o incentivo ao aleitamento materno pelo NHS (National Health Service) e o tratamento que recebi no hospital. Assim como sempre fui incentivada pelas minhas midwives (parteiras) a ter um parto normal, o mesmo ocorreu com amamentação em livre demanda. Clara não nasceu de um parto normal. Mas nasceu de quase 42 semanas, no tempo dela, em uma cesárea intraparto, o que facilita muito a amamentação. Clara foi colocada o quanto antes no meu colo e depois disso nunca foi separada de mim. O hospital também não tinha berçário ou seja, minha filha ficou o tempo todo comigo. Apesar de cansativo, essa é a melhor forma de iniciar a livre demanda, permitindo que mãe e filho fiquem juntos o tempo todo.
Apoio da família, do governo e da sociedade
Porém de nada teria adiantado ser informada e ter uma excelente equipe médica, se não houvesse uma rede de apoio com a qual eu pudesse contar. Além de ter tido o luxo de não precisar trabalhar e meu marido ter sempre me apoiado, minha mãe passou o primeiro mês de vida da Clara todo comigo, o que foi uma ajuda indispensável. Ela fazia tudo em casa: comida, ajudava na limpeza, fazia compras e acordava de madrugada para trocar a fralda da Clara. Meu marido e ela também se ficavam com ela durante o dia para que eu pudesse dormir.
A lei no Reino Unido protege o direito de toda mulher amamentar em qualquer espaço público. Já ouvi e li sobre casos onde mulheres foram repreendidas por fazer isso, mas nunca aconteceu comigo. Além da lei estar do nosso lado, é comum encontrar espaços especiais designados para amamentação, caso a mulher prefira privacidade. Particularmente, eu nunca senti necessidade de buscar um deles e já amamentei em restaurantes, bares e igrejas.
Um outro fator que contribuiu para a livre demanda e para a amamentação continuada, foi a falta de privações. Eu nunca me privei nem fui aconselhada a me privar de nada, incluindo bebidas alcóolicas (apesar de que eu praticamente não bebi nos primeiros 2 meses) e certos alimentos. Também voltei a praticar atividades físicas mesmo tendo escutado o mito de que isso pode “secar o leite”. Tenho certeza que se tivesse que me privar de uma taça de vinho no fim do dia, ou de praticar atividades físicas como eu gosto, nossa jornada teria sido muito mais curta.
Amamentando pelo Mundo
Nossa família tem um ritmo agitado de viagens. Meu marido sempre viajou muito a trabalho e nós viajamos muito a passeio e para visitar nossas famílias no Brasil e na Dinamarca. O que eu descobri é que grande parte dos países protege o direito da mulher em amamentar. De todos que visitei, o único no qual eu usei uma “tenda” foi os Emirados Árabes e, mesmo lá, tive experiências super positivas, como a funcionária de uma mesquita que me cedeu sua cadeira para que eu pudesse amamentar a Clara, então com três meses.
Em outra ocasião em Paris, passávamos em frente a Sorbonne em um dia muito frio em janeiro, quando o segurança nos deixou entrar sem pré-agendamento ao saber que era para amamentar. Aqui em Cambridge, ao amamentar Clara em um café, uma moça veio me oferecer água. Em Xangai, uma senhora Chinesa me viu amamentando e chegou bem perto, observou por um tempo e depois de me deu um sinal de “OK” com as mãos e um sorriso.
Apesar de hoje em dia haver muitas histórias de mulheres sendo repreendias por amamentar em público, eu sempre fui muito bem tratada e respeitada e com certeza isso também ajudou.
Uma aldeia para apoiar a livre demanda
Eu sempre digo: amamentar é difícil mesmo quando é fácil. Mesmo quando não há dor, o cansaço é quase enlouquecedor. A perda de independência também foi algo que me chocou. Descobri com a livre demanda, que bebês não mamam de três em três horas. Eles mamam quando querem! Pode ser de três em três horas ou de 20 em 20 minutos!
Isso quer dizer que você não sai de casa sem o bebê por um bom tempo, fora saídas rápidas. Quando a Clara tinha dois meses, comecei a tirar leite para poder voltar à academia. Mesmo assim, é um bom tempo gasto tirando leite, esterilizando tudo e estocando os saquinhos no freezer.
Não basta uma mulher querer amamentar, ela precisa da rede de apoio. Precisamos ter acesso a informações, do apoio da família e, sim, precisamos de políticas públicas que nos incentivem e forneçam a estrutura necessária para amamentar. Estou falando de licença-maternidade, clínicas de amamentação, profissionais atualizados e leis que protejam nosso direito e dos nossos filhos. Maternidade é política também!
Minha experiência com a livre demanda tem sido bastante positiva e um grande aprendizado. Agora, já sinto que chegou a hora do desmame, um novo desafio, mas com certeza muito mais aprendizado pela frente.
1 Comentário
Parabéns, Joana! Linda história e você tem razao: maternidade, especialmente amamentacao, é sim política!