Amamentação é mesmo de graça? Entre muitas vantagens que se propaga sobre a amamentação, uma é que não custa nada. E realmente, quando penso em termos financeiros direto, ou seja, na ausência de gasto com fórmula e com mamadeiras ou outros apetrechos que a indústria insiste em oferecer como essenciais, então sim, a amamentação é gratuita. O peito está lá, disponível, e é uma fábrica de leite, que produz conforme o bebê suga. Perfeito, né?
Mas a vida não é tão simples assim, né? Eu amamento minha filha de 2 anos e 9 meses, e defendo a naturalização desse ato (que é natural, né?). Porém, para ter chegado até aqui, teve um preço sim, que vai muito além do dinheiro. Para que eu, nos dias de hoje, pudesse escolher amamentar (e ainda mais, escolher manter essa amamentação prolongada), precisei sobretudo de informação correta. E acredito que uma mulher pode sim escolher não amamentar – ou amamentar por mais ou menos tempo. Mas será que essa escolha, sem acesso a conhecimento (e apoio), é realmente uma escolha? Tema para o futuro.
Infelizmente essa informação nem sempre é exatamente gratuita, ainda que devesse ser. Além disso, precisa de rede de apoio (de preferência também bem informada) e de condições que vão para muito além da vontade da mulher, como por exemplo políticas públicas que apoiem a amamentação. E, como bem sabemos, nada disso sai exatamente de graça.
Semana do Aleitamento Materno
A Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM) esse ano fala de desenvolvimento sustentável, de como o aleitamento materno pode contribuir para um planeta mais saudável. Vários pontos foram destacados para mostrar a relação existente entre amamentação e a saúde do planeta:
- a forma como alimentamos os bebês pode ajudar a diminuir a pegada de carbono e a pegada ecológica;
- amamentar salva vidas infantis e pode contribuir com uma melhora na saúde de mãe e bebê a curto e a longo prazo, inclusive em situações de emergência, como a pandemia que estamos enfrentando;
- a produção/embalagem/distribuição de alimentos, inclusive dos substitutos do leite materno, afetam o meio-ambiente e contribuem para a degradação do ecossistema;
- amamentação está ligada a um índice maior de inteligência, que a longo prazo poderia acarretar em ganhos econômicos.
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Essas e outras justificativas parecem até claras e diretas para que se incentive o aleitamento materno, certo? E de maneira alguma estou aqui para dizer que se você não amamentou, seja qual for a razão, você está contribuindo para a degradação do nosso planeta. Até porque existem milhares de maneiras para uma pessoa diminuir sua pegada de carbono, por exemplo. A minha crítica maior aqui é à sociedade como um todo. Quem vem falhando é todo um sistema que pensa no aqui e no agora. E por isso a importância de eventos como a SMAM.
É verdade tudo isso aí em cima? Sim. E claro, uma população mais saudável levaria a menos gastos a longo prazo com saúde, menos mortes por doenças que podem ser prevenidas. Mas os governos precisariam investir em políticas públicas de longo prazo para promover o aleitamento materno, para garantir o acesso a informações, o treinamento de agentes de saúde, controle sobre propagandas de incentivo ao consumo de substitutos do leite materno e, principalmente, licenças parentais pagas que permitam tanto à mãe quanto ao pai segurança financeira. Nada disso é de graça.
Falta de incentivo político
Há quem diga que amamentar é para a população pobre, que não tem condição financeira para comprar latas e latas de leite artificial. Um estudo da UNICEF de 2018 realmente mostra que em países de alta renda uma em cada cinco crianças nunca foram amamentadas (nem sequer um dia), em contraste com até uma em cada vinte e cinco em países de média e baixa renda.
Por outro lado, em países como a Suécia (alta renda), que tem uma licença parental paga de mais de um ano, o índice de mulheres que amamentam é mais alto. Ou seja, faz muita diferença poder contar com políticas governamentais que permitam à mulher não precisar escolher entre amamentar ou voltar rapidamente ao mercado de trabalho, por exemplo.
O Brasil, por mais que ainda precise de melhorias em termos de políticas públicas trabalhistas em relação à maternidade e à amamentação, possui uma política nacional de aleitamento materno que é vista como referência no mundo. Mas infelizmente falta informação e acesso a profissionais atualizados, sem contar que muitas mulheres precisam voltar ao trabalho aos 4 meses ou até antes (e muitas são logo demitidas), e os homens possuem a vergonhosa licença de 5 dias. Minha filha nasceu na Alemanha, onde a licença paga de 12 meses pode ser dividida entre os pais, e meu marido tirou os primeiros 2 meses para ficar em casa com a gente. Só eu sei o quanto a presença dele (e da minha mãe no primeiro mês) em casa foi um fator positivo! Mas teve investimento financeiro do governo, e teve também planejamento nosso, pois ele recebeu 80% do seu salário neste período.
Aqui na Itália, as mulheres que amamentam mais são as que possuem um nível de instrução mais alto. Uma hipótese levantada é que essas mulheres têm mais acesso e possibilidade de participar de cursos de pré-parto e, portanto, se informam mais sobre amamentação, parto e tudo que pode acabar influindo positivamente. Os maiores obstáculos são a falta de profissionais especialistas em amamentação, seja nas maternidades, seja para fazer visitas domiciliares e, especialmente, a falta de investimento político. Nem toda maternidade tem um número adequado de enfermeiros para atendimento às recém mães, e muitas sequer possuem a possibilidade de “rooming in” (quando o bebê fica no quarto com a mãe desde o nascimento, não em berçários – prática que ajuda no estabelecimento da amamentação). Além disso, como no Brasil, muitas mulheres precisam voltar logo para o trabalho e não tem o apoio necessário para conciliá-lo com amamentação (pelo menos não exclusiva).
Por isso insisto, amamentar não é de graça.
Fantasia X realidade
O acesso a informações imprecisas (ou até a falta delas), aliada à falsa imagem de uma mulher plena amamentando pode levar algumas mães a se sentirem fora de lugar quando se deparam com a realidade. Só eu sei o quanto me senti incapaz e desamparada porque minha filha não mamou perfeitamente desde o início, ficava horas e horas grudada no peito, o que me fazia ficar de pijama e descabelada por horas, e acordava inúmeras vezes de noite para mamar. E enquanto isso não for mais normalizado, quem paga o preço é a mãe.
Enquanto a sociedade (e a indústria) continuar fomentando uma maternidade irreal, pintando bebês tranquilos com suas chupetas e mamadeiras (e nunca no peito) e amamentação for relacionada a amor, e não à saúde e sustentabilidade, os investimentos para promovê-la serão reduzidos. Por que investir em algo que é de graça e é por amor? Mas não é de graça, tem um preço (para a mulher) muito maior do que o financeiro, sobretudo na sociedade atual, que desvaloriza e coloca até uma ideia de perda de liberdade associada à amamentação. Mas na real, será que é mesmo amamentar que nos priva de algumas coisas no início da maternidade? E não é sobre amor, é sobre oferecer o alimento mais natural. Menos glamour do que se possa imaginar.
2 Comentários
Nunca tinha parado para pensar que na pratica amamentar nao e de longe gratuito. Parabens pelo texto esclarecedor. Amei!!!
Que bom que gostou! Obrigada!