Culinária brasileira como herança – parte 2
Como contei anteriormente, a culinária brasileira é algo que quero que passar para minha filha, pois considero ser parte importante da nossa cultura. Por isso, neste texto, gostaria de compartilhar como fizemos a introdução alimentar (IA) dela estando na França.
Leia meu texto anterior: Culinária brasileira como herança – parte 1
A forma de começar a oferecer alimentos aos bebês aqui, globalmente falando, é bem diferente do que eu estava acostumada a ver e do que aconselham os nutricionistas no Brasil. É comum eles comerem papinhas processadas no liquidificador e com alimentos misturados. Neste artigo, por exemplo, são mencionadas duas receitas pra bebês, as duas liquidificadas e com acréscimo de manteiga ou creme de leite fresco. Neste outro, é explicado como fazer a IA segundo os franceses.
Quando minha pequena tinha quatro meses, pesávamos com a pediatra da PMI (um tipo de centro de saúde público para crianças). Lá nos perguntaram se já queríamos começar a introdução, chamada aqui de diversification. Eu afirmei que iniciaríamos apenas aos seis meses. Ela confirmou que não haveria problema em esperar, embora a média dos franceses fosse de começar aos cinco. Mesmo assim, nos entregou um papel com instruções para já irmos nos familiarizando.
Esse documento continha basicamente o que fazer e quais alimentos deveriam ser privilegiados no início da introdução, após o primeiro mês e assim por diante. Entretanto, as indicações eram: começar com frutas, algo que eu não queria por saber que os bebês já possuem o paladar acostumado ao doce, o que pode ocasionar uma rejeição dos legumes depois; fazer papinhas trituradas com dois ou três legumes, o que não ajuda a identificar sabores isolados e texturas; e o mesmo processo deveria ser feito com as frutas (cozinhar e triturar).
Mas ele me ajudou a descobrir legumes que eu não conhecia, tais como panais, topinambour, navet, celeri, fenouil, entre outros. (Falo melhor deles na parte 1 do texto).
Outro material que explica a introdução alimentar à francesa é o “carnet de santé”, a caderneta de saúde que o bebê ganha na maternidade e que o acompanha até a vida adulta. Lá, alimentos, quantidades, modo de preparo vêm especificados de acordo com a idade. Entretanto, as informações não eram modificadas há 12 anos. Dá para imaginar que muito mudou de lá para cá, né?!
Papinhas industrializadas
Aos sete meses da minha filha, trocamos de pediatra, que me perguntou se ela já comia “um pote grande”. Eu demorei alguns segundos para entender que ela estava mencionando um pote de papinha pronta e tentei imaginar se a quantidade que colocávamos no pratinho era equivalente.
A médica percebeu minha hesitação e falou, um pouco titubeante, que talvez eu fizesse em casa e por isso não sabia especificar. Foi aí que percebi como o hábito de dar no dia a dia as papinhas prontas são comuns aqui. Sempre que via bebês comendo fora, era com elas. Eu era a única mãe a carregar frutas in natura e comida feita em casa no potinho térmico. Mas não imaginava que dentro de casa elas também eram tão consumidas.
Realmente, há uma gama grande dessas comidinhas prontas para bebês, inclusive orgânicas. Em todo o mercado estão disponíveis diversas opções. Algumas com óleo, outras sem. Algumas com sal, outras sem. Em recipientes de vidro, plástico ou em embalagens com bico dosador para colher. Este artigo, porém, mostra que nem sempre a qualidade é real, mesmo entre as que parecem mais saudáveis e balanceadas.
Produtos lácteos e açúcar para os pequenos
Outro ponto de desagrado meu com a cultura alimentar francesa. Mesmo antes de completar um ano, a pediatra indicou dar iogurte, petit suisse (natural) ou queijo para minha filha. E como ela parou de ganhar peso aos nove meses, ela me disse para fazê-lo no café da manhã, após o almoço e após o jantar. Um exagero enorme!
Os produtos lácteos são, realmente, grandes queridinhos dos franceses para a hora da sobremesa e para o lanchinho das crianças no meio da tarde (goûter). Por falar nele, bolinhos industrializados também são comuns nessa hora. Ou o pão ou brioche com geleia. Esse texto da Helena Silva explica melhor o hábito.
Além do iogurte em excesso, a médica me indicou dar um tipo de biscoito conhecido aqui como boudoir. Super parecido com a bolacha champanhe, mas sem o açúcar de fora. Desconfiei e, quando fui ao mercado, confirmei minha suspeita. O açúcar está presente na composição. Minha filha tinha sete meses nessa época, o que contraria o conselho de órgãos de saúde como a Sociedade Brasileira de Pediatria.
Quando cheguei no país, eu idealizava que lanchinho e sobremesa seriam frutas, às vezes com iogurte natural e quando adoçado, com mel. Afinal, os franceses têm fama de serem magros. Mas não é bem assim. Indústria alimentícia é indústria em qualquer lugar. Crianças são alvo fácil. Açúcar vicia.
Sabe aquele petit suisse de morango famosíssimo no Brasil? Aqui ele também existe, e até os bebês comem. Sempre vejo em paradas nas rodovias, na hora do lanchinho, em salas de espera de pediatra. As prateleiras do setor de bebês dos mercados têm uma variedade enorme de sobremesas para eles.
Introdução alimentar à brasileira
Por essas questões, foi muito importante ter pesquisado bastante sobre o assunto e ter tido um apoio no Brasil de uma profissional do assunto. A minha irmã é nutricionista, o que facilitou muito o processo da IA. Ela havia passado 40 dias comigo na França e, especialista no assunto, observou bem o que tinha disponível no mercado. Assim, minha filha ganhou o seu plano alimentar semanas antes de começarmos a oferecer alimentos a ela, aos seis meses.
Já não é simples se adaptar aos hábitos alimentares em outro país e tentar manter a base da nossa alimentação. Cozinhar é a única forma de eu poder passar a tradição culinária brasileira para minha filha. Além de garantir aquilo que acredito que seja mais saudável.
Fiquei muito feliz por, apesar de estar em um país diferente, conseguir fazer a IA como eu pretendia, deixando de lado as indicações francesas. Começamos aos seis meses, com alimentos apenas amassados no garfo, sem misturá-los, deixando ela os pegar, sentir as texturas. Aos poucos fomos amassando menos e dando pedaços. Escolhia principalmente aqueles aos quais eu já estava acostumada e, conforme conhecia outros, ia dando a ela.
Leia também: Culinária italiana, o que aprendi com ela
Outro ponto importante foi tê-la apresentado a frutas e legumes que não encontramos aqui quando fomos ao Brasil. Embora elas não façam parte do nosso dia a dia, são também uma parte da cultura dela. Acredito que essa seja uma forma de criar um vínculo ao país. Além disso, sempre que encontro mandioca, inhame, cará, chuchu, eu compro. Mesmo que sejam um pouco mais caros.
Antes de fazer um ano, minha filha já comia alimentos em pedaços e tentava comer sozinha com a colher. Não aceitava as papinhas de fruta, só as frutas em si. Isso surpreendeu as cuidadoras na creche, pois os bebês da mesma idade continuavam a comer tudo em forma de purê.
A introdução alimentar pode ser bem estressante para um primeiro filho, ainda mais quando se está em um novo país. Meu conselho para as mães e pais que forem passar por esse momento é de se informarem muito, confiarem na intuição e não terem medo de seguir a linha na qual se sentem mais seguros, mesmo que ela seja diferente do lugar em que moram.
6 Comentários
Eu moro na Itália e estou fazendo a IA da minha filha tb como vc! Acho tb um absurdo as indicações de produtos lácteos ou bolachinhas com açúcar já tão cedo!!! Além das farinhas para fazer a papinha, mas pelo visto isso não tem na França?
Tem! Tem indicação de pediatra para dar farinha, sim! E todo mês eu recebia pelo correio amostras da Nestlè.
Achei esse texto muito interessante. Dei-me conta que por ter dado à luz aqui, não questionei os conselhos dos pediatras. Fiz tudo pela cartilha deles.
E hoje posso constatar diferenças incríveis entre uma criança que come com a mão desde cedo e que se acostumam com os “pedaços”, das outras que ficam na papinha por mais tempo. Quanto mais se acostumam com o purê mais tarde aceitam comer pedaços e mais dificuldade aprensentam para engolir, não sabem mastigar, não tem esse reflexo.
Comer com a mão também auxilia naaquisição da autonomia, permite que a criança “sinta” o alimento utilizando um terceiro sentido, além do paladar e do olfato.
A variedade de produtos alimentícios para bebês e a propaganda em torno deles é realmente muito grande aqui na França. E tem mãe, sim que alimenta seu bebê somente com produto industrializado.
Eu imagino que como suas filhas são mais velhas, as informações também fossem menos difundidas, né? Desde que minha filha tinha 4 meses eu recebia amostras de farinhas e formula da nestlè pelo correio. Vem de todos os lados essa propaganda. Também recebo vouchers com desconto de papinhas atée hoje. E é impressionante ver crianças sendo alimentadas apenas por industrializados.
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