Culinária brasileira como herança.
A culinária é parte importante da cultura de um povo. Portanto algo que quero passar para a minha filha. Não é simples manter tradições morando em outro continente, com clima totalmente diferente. Mas não é impossível. Com um pouco de observação e adaptação, a gente consegue manter boa parte do que temos no Brasil. Neste texto, quero contar o que encontramos aqui na França e como temos feito para deixar essa herança a ela.
Vale lembrar que especialistas já notam um afastamento da tradição culinária brasileira. A globalização, as redes fast-food, o novo ritmo de vida que nos obriga a comer fora de casa mais frequentemente e até as dietas que priorizam o baixo consumo de carboidratos têm nos feito deixar de lado o nosso arroz com feijão de cada dia. Este artigo fala um pouco das consequências dos novos hábitos.
Eu confesso que quando morava no Brasil torci muito o nariz para essa base da nossa culinária. “Arroz com feijão de novo?”, disse por anos, em tom de desprezo, para a minha mãe. Nada como a distância para a gente sentir falta dessa combinação bem temperadinha.
Não preciso dizer que aqui na França ela não existe. Eles acham até estranho comer todo dia o mesmo alimento. Porém, aqui podemos encontrar facilmente arroz e feijão. Só o tipo é que muda. O Arroz mais consumido é o basmati. Feijão pode ser branco – utilizado para o tradicional cassoulet ou servido como acompanhamento para carnes como a de carneiro, porém sem arroz neste caso – ou feijão vermelho. Carioquinha e o preto só em mercados brasileiros ou portugueses.
Uma curiosidade: o arroz é feito como fazemos macarrão. Coloca-se os grãos na água quente e, quando estão cozidos, retira-se a água que sobrou. Nada de casas perfumadas pela cebola e alho fritando no óleo. Na nossa, claro, mantemos o jeito brasileiro. Para mim, o cheiro dessa mistura não é só questão de sabor, é lembrança.
Menos variedade de frutas e legumes
Cores. Falta um pouco. A inexistência daquela variedade de frutas e legumes o ano todo se sente de início. Passamos meses comendo os mesmos alimentos por falta de opção. Batata, batata-doce, cenoura, tomate (muitos tipos), laranja, banana (sem a diversidade que encontramos no Brasil), pera e maçã são alguns dos que encontramos o ano todo. Os preços variam de acordo com a estação.
Espinafre, alface, abobrinha, abacaxi, tangerina, figo, berinjela, pimentões, vagem, frutas vermelhas, kiwi, lichia também são tranquilos de achar. Beterraba é muito vendida já cozida e descascada em embalagens a vácuo ou apenas cozida a granel. Grão-de-bico, lentilha (verde e coral) estão em todos os mercados.
No inverno, temos à disposição: uvas, diversos tipos de abóboras, couve-flor, brócolis, couve-de-bruxelas, endívia, erva-doce, salsão, alho-poró, repolho e raízes que eu não conhecia como:
Topinambour – de sabor bem forte e específico. Uso em sopas, pois o gosto realmente se sobressai.
Navet – um nabo com tamanho bem maior do que costumava ver no Brasil. Também bastante utilizado em sopas.
Panais– lembra o formato da mandioquinha, porém maior e mais claro.
Celeris rave – o bulbo do salsão que é muito usado ralado, temperado com creme de leite fresco e mostarda e servido como entrada.
Leia mais: Disciplina, crianças e a família francesa
No verão, as frutas reinam. Melancia, avocado (aquele abacate menor) e o melão laranja enchem as prateleiras dos mercados. Entretanto, essas especificamente são servidas como entrada. Pêssegos de vários tipos, damasco, nectarina, ameixa, cereja também aparecem nessa época.
Carnes no geral eu acho bem caras. O quilo do frango é em torno de 10 euros. O peru, bem consumido em filé, em média 12 euros. A carne bovina é ainda mais cara e eu, particularmente, não acho boa. A suína é um pouco mais barata, por volta de 8 euros o quilo.
A charcutaria é uma tradição na França. Diversos tipos de linguiças (merguez, chipolata, boudin blanc, boudin noir), presuntos, salames, entre outros, fazem parte do cardápio de muitos franceses. Eu evito aqui em casa, pois não acho saudável.
Formato da refeição
A refeição dos franceses é feita em etapas: entrada, prato principal, queijos e/ou sobremesa. A quantidade de cada uma delas é pequena e se complementam. O mais curioso disso é que tudo é servido realmente por etapa. Normalmente não se coloca tudo na mesa junto e nem no prato. Essa parte é fácil de mantermos do nosso jeito. Exceto quando recebemos alguém em casa.
Orgânicos
Um aspecto super positivo é o mercado de orgânicos, aqui chamado de Bio. Todos os supermercados possuem diversos produtos desses. Não apenas alimentos frescos. Os industrializados também ganham cada vez mais espaço. Produtos lácteos, cereais, farinhas, grãos, molhos, geleias, chocolates, queijos e vinhos. Praticamente tudo tem versão orgânica. Os preços são mais altos, mas ainda assim acessíveis. Muitas vezes não chegam a ser o dobro do preço do não-orgânico.
Algo que descobri recentemente é que os produtos com mais agrotóxicos na França são diferentes dos do Brasil. Por isso, deixo esse link com uma classificação atual dos que possuem mais pesticidas.
Produtos comuns no Brasil
Bolo de fubá, pão de queijo, pastel, tapioca, bolinho de chuva, goiabada. Sabor de infância, casa de vó, lar. Quando a gente vem morar num outro país como a França, é fácil se encantar pela culinária. Mas em pouco tempo a saudade da comida conforto que estamos acostumados aparece. E aí saímos desesperados procurando os ingredientes das nossas lembranças.
Uma dica: os mercados daqui possuem um setor de “produtos estrangeiros” ou “produtos do mundo”. É verdade que há mais itens asiáticos, mexicanos e árabes. Porém, vale a pena dar uma pesquisada, pois lá podemos encontrar tapioca, polenta e mais um ou outro produto que faz parte da culinária brasileira.
Fácil de achar nos mercados franceses é inhame, cará, mandioca, tamarindo, manga (geralmente pequena), limão Tahiti (aqui é limão verde ou brasileiro). Para quem é apaixonado por brigadeiro, não se preocupe. Leite condensado também é simples de encontrar. Doce de leite é chamado de geleia de leite (confiture de lait), e, geralmente, fica no corredor delas.
Polvilho e farinha de mandioca só acho em mercados específicos na minha região. Neles também têm feijão, mistura pronta para pão de queijo, coxinhas e salgados congelados.
Na nossa casa
Mesmo sem toda a variedade, dá para manter a cozinha brasileira na França. Conhecer bem os mercados é algo importante, pois alguns produtos a gente encontra em um e no outro não.
Aqui em casa, arroz só se faz com cebola e alho refogados. Tem feijão preto no freezer. Sempre compro mandioca e cará quando encontro. O polvilho e o fubá também estão no armário. Na Páscoa, a gente faz bacalhau (não é tradição aqui). Claro que tem pão e queijo. Ratatouille de vez em quando. Mas os temperos que usamos, as escolhas de alimentos e o modo de preparo são bem mais brasileiros.
De resto, é matar a saudade e apresentar os sabores quando vamos ao Brasil. E como sobra coisa para comer lá: acerola, jabuticaba, jaca, pitanga, caju, cajá, pinha, fruta do conde, couve, quiabo, mamão, mandioquinha, batata-doce branca e por aí vai.
5 Comentários
[…] Leia meu texto anterior: Culinária brasileira como herança – parte 1 […]
[…] manter o costume e paladar brasileiro. Que tal conferir? É um texto muito legal dividido em dois: parte 1 e parte […]
[…] Leia também: Culinária brasileira como herança – parte 1 […]
[…] também: Culinária brasileira como herança – parte 1 e parte […]
[…] Leia também: Culinária brasileira como herança […]