Cozinhar é amor. Bolo é amor. Sopa quentinha no inverno é amor. Todas são frases clichés com muito mais do que um fundo de verdade.
Uma vez escutei algo parecido durante uma aula informal de culinária com uma amiga chef de cozinha e mãe de duas pré-adolescentes: “Acho importante as crianças crescerem vendo a mãe cozinhar para elas”. Não entendi muito bem o significado desta fala na época, nem perguntei, mas fiquei pensativa com o conselho que recebi.
Essa frase sempre ficou na minha cabeça, talvez porque eu estava no início da minha jornada como mãe expatriada e aprender a cozinhar era um dos meus desejos. Mas talvez tenha também me impactado porque não cresci vendo meus pais cozinharem, e aquilo não fazia sentido para uma família no Brasil como a minha que tinha uma ajudante em casa todos os dias fazendo o almoço e o jantar. Mas a minha amiga cresceu na Europa, onde a cultura é a de todos ajudarem em casa, pois custa muito caro ter alguém para cozinhar, limpar a casa e lavar a sua roupa. Certo? Mais ou menos.
Mães e pais que cozinham
Hoje, morando na Inglaterra, entendo que os pais que cozinham para a família não fazem isso só pelo fato de ser caro ter uma ajudante. Cozinhar faz parte da rotina da família. Mesmo que os dois pais trabalhem fora e tenham alguém para ajudá-los com a casa, na maioria dos casos são os pais que cozinham o jantar da família, depois que chegam do trabalho.
Inspirada por essas mães e pais que cozinham, comecei a me dedicar à culinária desde que deixei o Brasil. No México, onde a cultura da ajudante em casa é como a do Brasil, a cozinha ainda era opcional para mim, mas fui tomando conta das refeições no fim de semana e vez ou outra assumia o jantar também durante a semana. Pouco a pouco, me revezava entre aprender as delícias de lá e cozinhar nosso feijão do dia-a-dia, com a ajuda da Dudua ao telefone, nossa ajudante no Brasil há mais de trinta anos.
Quando mudei para a Inglaterra, passei a ser a responsável pelas refeições da família da noite para o dia. Estava animadíssima com o desafio e deixei a criatividade fluir na cozinha, seguindo receitas, adaptando-as, conhecendo os ingredientes locais e pedindo ajuda para quem já cozinhava há mais tempo. Eu adoro receitas do Panelinha, da Rita Lobo, ou da Nigella, aqui da Inglaterra, por exemplo.
O que vai ter no jantar?
Na Inglaterra as crianças almoçam na escola, então meu foco era o jantar, uma refeição por dia. O que eu não imaginava era que meu esforço e dedicação na cozinha fossem ser recompensados quase imediatamente. Meus filhos desde o início passaram a comer muito bem no jantar, sempre elogiando e querendo repetir o prato. A pergunta “Mummy, o que vai ter no jantar hoje?” passou a ser rotina no caminho de ida ou volta da escola.
Com o tempo, o envolvimento das crianças com a cozinha foi natural. O cheiro da cebola refogada já desperta o apetite deles. O aroma dos demais temperos no preparo de jantar já os faz vir até a cozinha para sentirem o cheiro de perto, como quando jogo o cominho na sopa de lentilhas ou o manjericão fresco no molho de tomate. Meu filho mais velho já pega uma colher e vai abrindo a panela, querendo provar o que o espera para a janta. Na mesa, perguntam qual são os ingredientes de um determinado prato e tentam adivinhar os temperos usados na preparação daquela comida. Eles já têm noção do que combina com o quê, mas também dão palpites sobre um possível incremento na receita.
Nos dias muito apertados, compro algo pronto no supermercado e sirvo achando que vão adorar um prato diferente do que estão acostumados. E então me decepciono (com um gostinho de orgulho) ao ver meus filhos perceberem a diferença entre o congelado e fresco, o pré-preparado e o feito na hora. A comida pronta do supermercado não faz sucesso, por isso já aprendi que nesses dias de aperto é melhor fritar um ovo, picar um tomate e servir com o arroz do dia anterior. O simples e preparado em casa ganha do sofisticado do supermercado.
Cozinhar é amor
Diante do resultado do experimento da comida pronta, me pergunto porque meus filhos preferem o ovo frito à torta bonitona do supermercado. A explicação deve ser a mesma quando às vezes rejeitam um alimento pronto cheio de conservantes. Acredito que a rotina de verem os pais prepararem os alimentos, combiná-los em uma receita e perceberem o processo de cozimento deixam-nos com os sentidos mais apurados para a comida. Não só o paladar, que se torna mais exigente com o frescor da refeição, mas o olfato, que participa ativamente no deleite da comida, e o olhar para aquele alimento que vem cheio de fumaça da panela, numa mistura de cores e texturas no prato. Não comemos também com os olhos?
É óbvio que todo este processo é feito com amor pelos pais, que querem oferecer um jantar nutritivo para seus filhos, mas esta é parte cliché da frase ‘cozinhar é amor’. A parte não óbvia é o exemplo que as crianças estão recebendo em relação a pais que sentem prazer no preparo do alimento da família, à importância de um cardápio nutritivo para a refeição que fazem juntos e à criação de memórias afetivas em volta da mesa de jantar. Tudo isso ganha um outro sentido quando a comida é preparada por quem senta e come junto com elas.
“Tem muito sal?”
“Faltou sal?”
“Hummmmmmm…” (de olhos fechados)
“O que tem neste molho que está tão gostoso?”
A conversa sobre os alimentos na mesa é natural, pois quem faz a comida quer feedback e quem prova a comida que viu ser preparada não só está curioso para fazê-lo, mas também naturalmente quer dizer o que achou. As crianças percebem a dedicação de quem preparou aquele alimento gostoso e este retorno positivo gera mais motivação para quem cozinhou. Cria-se um ciclo de cuidado e valorização de quem cozinha para quem está sendo alimentado, e vice-versa. Viu como cozinhar é amor?
Agora, um convite
A cozinha foi um presente que a expatriação me deu. Mas o mundo todo passou por isso o ano passado, quando fomos obrigados a ficar em casa por conta da pandemia. Foi difícil pra você? Eu te entendo completamente. Principalmente porque nos vimos obrigados a preparar duas refeições por dia, café da manhã, lanche da tarde (as crianças queriam todos os lanches possíveis), e dar conta de todo o resto sem ajuda em casa.
Passou o sufoco? Espero que sim. Mas quero te fazer um convite. Que tal aproveitar que a cozinha já não é uma estranha para você e se aventurar mais no preparo das refeições em casa? Não precisa ser todos os dias, mas pode ser aos finais de semana, ou um jantar mais tarde na sexta, sem compromisso de horário. Não precisa ser nada sofisticado (lembra do ovo frito?) e nem ter ingredientes especiais.
Minhas memórias afetivas na cozinha são do frango ensopado da Vovó Nadir, da mandioca frita da Vovó Léa, da mistura com farofa que meu pai fazia com arroz, feijão e carne moída, do bolo de fubá no sítio, do chá de erva-cidreira colhida na hora e até do cheiro do arroz queimado da minha mãe. Baseado nessas lembranças, sigo confiante de que estamos criando novas memórias em família e meus filhos estão crescendo me vendo cozinhar para eles, com amor.
Sabe o que é amor também? Música! Te convido a ler meu texto ‘As músicas que nos unem‘.
1 Comentário
Ameiiii!! Texto lindo! Cozinhar é amor, é terapia, é parceria, é exemplo, é cuidado! É bom demais!