Tecnologia na infância e a geração do “Toma aqui!”
A Laura, minha filha, participa de um coral e fomos assistir a uma apresentação dela. Tudo tinha sido preparado com muito capricho, as crianças cantando com afinação e cuidado. A banda da escola tocando temas empolgantes. Tudo lindo, como manda o figurino até que…
Na minha frente, uma família com uma criança que aparentava ter seus 7 para 8 anos, o menino estava bastante inquieto e, num determinado ponto da apresentação, a mãe, que já estava cansada do menino, pegou o celular e disse: “toma aqui!”
Ver aquilo me causou um grande impacto. Uma sensação de vazio, uma tristeza.
O “toma aqui” virou o novo fazedor de paz! A criança não quer comer? Toma aqui. Precisa esperar a vez? Toma aqui. Os pais querem sossego? Toma aqui. Querem assistir o jornal? Toma aqui!
Espera, antes que você fale: “Ihhh, lá vem a saudosista! Daqui a pouco vai dizer: no meu tempo que era bom!”, quero salientar que amo a tecnologia. E, para ser bem sincera, não sei o que faríamos sem ela. Sei que cada geração vem carregada de novos desafios e acredito que, como os eletrônicos hoje, houve um tempo em que os livros deveriam ser a grande preocupação das famílias.
Às vezes, imagino a mãe de grandes escritores dizendo para as amigas: “Meu filho, está viciado em livros! Não consegue parar de lê-los nem por um segundo! Não quer brincar com os amigos, vive com os olhos pregados nas páginas! Não sei o que fazer!” Risos.
Sim, acho completamente possível! Mas aí eu pergunto, querido leitor, quando foi que perdemos a mão e o nosso “não” transformou-se em “toma aí”?
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Olhando para aquele menino, agora tranquilo com o celular entre os dedos, lembrei da minha infância. Na minha casa apenas uma televisão Sanyo com seletor, 6 canais, desenhos animados só pela manhã. Ouvir algo diferente só quando ligávamos a vitrolinha, que mais parecia uma maleta e colocávamos o disco do “Balão Mágico” ou do “Trem da Alegria”.
Lembro bem de ir a várias apresentações de Ballet, de assistir os desfiles de 7 de setembro na Avenida Tiradentes, de ficar horas esperando ser chamada para a consulta médica. Tudo isso sem nenhum recurso eletrônico!
Às vezes, quando as coisas estavam muito chatas mesmo, a única opção era encostar assim, de levinho, no braço da mãe e tirar um cochilo gostoso.
Mas o que será que nossos pais faziam quando estávamos entediados? Quando estávamos com “formigas nas calças”? Com “macaquinhos no sótão” e “vento nos pés”, como escreveu o querido Ziraldo em seu livro Menino Maluquinho?
Não tinha esse tal de “toma aqui!”. Era na base do diálogo ou não, um “em casa a gente conversa” daqui, ou um “olha o passarinho” de lá… Uma cara bem feia ou mesmo um sonoro “NÃO FAÇA ISSO!” Um tête-à-tête real e direto, que compõe o que somos hoje!
Você pode estar pensando: “Os tempos são outros! Não dá pra cobrar das nossas crianças o que nossos pais cobravam da gente!”
Querido leitor, eu bem sei disso! Eu também enfrento esses desafios aqui dentro da minha casa. Tenho uma menina apaixonada por jogos eletrônicos que reclama todas as vezes que dizemos: “Agora chega! Vamos fazer outra coisa!”
Mas sabe qual a minha maior preocupação?
Uma geração que só consegue admirar a natureza quando entra no site da National Geografic, que não consegue ouvir outra coisa que não seja o “Baby Shark”, crianças que não sabem comer sem assistir a um desenho, que não conseguem admirar uma apresentação se não for digital e com menos de um minuto, que perderam o gosto por aquele ventinho no rosto ao andar de bicicleta.
Nós estamos formamos adultos excelentes em programação digital e com experiências sociais deprimentes. Sem frustrações, tudo ao alcance de um touch (toque).
Mas será que o “toma aí” é tão do ruim assim? Não, não acho! Apenas penso que ele precisa ser um recurso e não uma desculpa. Em certas horas, os aparelhos eletrônicos são super bem-vindos, mas eles não podem substituir momentos!
Como no caso do menino que contei acima, agora ele estava tranquilo, olhos fixos na tela do celular, num determinado ponto da apresentação as crianças tocaram a música tema do filme “Piratas no Caribe”. Eu estava particularmente emocionada por poder ver e ouvir aqueles adolescentes tocando de maneira tão concisa. Na minha época de criança (Saudosista!), isso seria um grande evento e renderia excelentes recordações. Daí olhei para o menino e ele estava num joguinho qualquer, finalmente tinha dado paz aos seus pais, mas perdia o melhor da noite!
3 Comentários
Alerta ! Muito bom!
Ainda há tempo das crianças serem humanas e sensíveis viverem seus sentimentos! 👏👏
Concordo muito com tuas opiniões, Tatiana! Acho horrível essa onda de procurar sossego entregando os filhos a todas essas babás eletrônicas que são a televisão, as PS, os tablets… Ninguém quer se incomodar… Mas ter filho TAMBEM se incomodar e procurar resolver as coisas sem apelar para a facilidade dos eletrônicos.
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