Expatriação com adolescente nos EUA: entrevista com mãe e filha – Parte 1
Não sei se você sabe, mas sou psicóloga e faço atendimento online de expatriados pelo mundo afora. E alguns dos meus atendimentos se dão com adolescentes que, após imigrar, estão sofrendo com a adaptação e todas as crises que dela se originam. Por isso, tenho trazido essa questão em meus textos (e também porque tenho uma quedinha pela adolescência).
Tudo bem que a adolescência é uma fase difícil para os pais, mas sempre gosto de lembrar que para o adolescente é ainda mais difícil. Falo sobre isso no meu outro texto.
Enquanto morei no estado da Geórgia, nos EUA, tinha uma preocupação que às vezes me consumia os pensamentos: como seria ter um filho adolescente naquela cultura? Antes mesmo de ir morar na América acompanhava os noticiários e não gostava do que via de lá. Sempre trabalhei em escolas com a prevenção do bulliyng e com o desenvolvimento de saúde emocional. E as notícias que ouvia eram sempre em relação ao bullying, agressividade nas escolas, tiroteios, mortes e consumo de drogas e álcool. É claro que não era só a parte negativa que ouvia, mas de acordo com os meus valores e com o que eu queria para os meus filhos, tinha esses medos.
Bom, chegando lá fui me inteirando de como funcionava o sistema de ensino e como se dava a educação, os valores e a criação dos filhos na Geórgia. Meus filhos estavam longe ainda de ter contato com a galerinha adolescente, mas as notícias continuavam as mesmas.
A educação americana é mais independente
O fato é que fui percebendo que o americano (pelo menos ali naquela região) tem uma forma de criar muito diferente da gente. Eles criam as crianças muito independentes desde bebês. Não sei se pelo fato de trabalharem muito ou de ter menos trabalho, mas essa era a regra.
O que eu via era que existia muito afeto, demonstração de carinho e acompanhamento até eles atingirem a adolescência e depois disso o quanto mais independentes eles fossem, melhor. Aquela história de que fez 15 anos vai para faculdade ou vai morar sozinho é a mais pura verdade.
No meu entender, o rompimento ou o “poder” que o indivíduo ganha na adolescência é muito grande para a maturidade que ele tem. Com 15 anos eles já podem morar sozinhos, tirar carteira de motorista, trabalhar, ser presos e se responsabilizar por muito da sua rotina.
Acho certo eles tomarem para si as responsabilidades dos seus atos, mas o que via na prática é que muitas vezes eles ainda são imaturos, precisam de monitoramento e de ajuda nas decisões. E o que eu percebia era que na adolescência grande parte dos pais saem de cena e deixam que eles se virem. Acredito que grande parte dos problemas relacionados com os adolescentes se dá nessa ruptura brusca e falta de apoio por parte dos pais.
E como ficam os nossos adolescentes que são imigrantes nessa cultura?
E os pais? Como educá-los? Essa sempre foi minha dúvida e tem sido dúvida de outros pais que atendo também. Há muitos medos e inseguranças com relação à nossa forma de educar e à da cultura que agora se está inserido.
Resolvi então ouvir os dois lados da moeda. Convidei uma adolescente e sua mãe para me darem uma entrevista e conhecermos o dois pontos de vista. Ambas eram de Santos, no Brasil, e hoje moram em Alpharetta, na Geórgia.
Como vocês viram, eu adoro falar e o meu texto acabou ficando um pouco extenso, então precisei dividi-lo em duas partes. Neste mês você irá acompanhar o ponto de vista da mãe. No mês que vem, o trago a segunda parte da entrevista, com o olhar da adolescente.
Mães Mundo Afora: Qual seu nome, idade e quantos filhos você tem?
Lauriane, 33 anos, uma filha.
Por que e quando você foi morar nos EUA? Quantos anos tinha sua filha?
Meu marido foi transferido pelo trabalho em junho de 2017. Ela tinha 15 anos na época.
Qual era a expectativa para a expatriação, quais preparativos foram feitos antes da ida com sua filha?
Tinha a expectativa de ter a vida mais tranquila, de poder passar mais tempo com minha filha. Que ela poderia ter outras oportunidades, conviver com outras culturas, tornar-se fluente no inglês.
Quanto aos preparativos, estudamos a região que iríamos morar, como funcionavam as escolas. Nos EUA a escola é pública, mas você precisa morar na área da escola. Traduzimos os documentos da escola do Brasil para o inglês (não precisamos utilizar, mas não quis arriscar).
Quais suas preocupações antes de ir, em relação à adaptação da sua filha?
A minha filha é muito apegada às pessoas, tinha medo de ela não conseguir desapegar dos amigos do Brasil e não conseguir fazer novos amigos nos EUA. Também tinha medo de ela sofrer bullying por ser estrangeira.
O que você acha que foi mais fácil e mais difícil para sua filha no início, quando chegaram no novo país?
Minha filha não teve dificuldade de se comunicar. Como ela tinha estudado inglês no Brasil, chegando aqui ela conseguiu fazer rapidamente amigos, o que ajudou na adaptação. Também tinham outros brasileiros na escola dela, da mesma idade, que tinham passado pela mesma situação anos antes.
No começo ela estranhou ficar muitas horas na escola e a quantidade de lição de casa. Outro ponto que ela ainda não se acostumou até hoje é com a locomoção. Na região onde moro você precisa de carro para tudo e ela reclama que se sente presa, enquanto no Brasil ela fazia tudo a pé com as amigas.
Quais foram suas dificuldades como mãe em relação à adaptação da sua filha?
A minha maior dificuldade foi com o inglês. Como não entendia direito o que as pessoas falavam não conseguia me comunicar para poder ajudá-la nesse processo de adaptação.
No seu ponto de vista, o que fez com que sua filha se adaptasse ao novo país?
Acredito que se sentir acolhida.
Você acha que é muito diferente criar um filho no Brasil e um filho no exterior? Por quê?
Acredito que existem muitos fatores que influenciam na criação de um filho, e o ambiente é um deles. Criar um filho no exterior exige que você ensine ao seu filho a sua cultura e ao mesmo tempo que você aprenda, entenda e ensine a respeitar a cultura do país que vocês estão morando.
Uma das partes que influencia indiretamente é em relação à violência. Como moro em uma região tranquila, a criação muda um pouco de como a criaria no Brasil. No Brasil você acaba inserindo muito mais a “malícia” no seu filho para protegê-los.
Se você pudesse dar dicas de como ajudar na adaptação de um adolescente em um novo país, quais dicas daria?
Estude a língua antes da mudança, se possível. Tente fazer amigos brasileiros. Procure outros adolescentes que passaram pela mesma situação que você. Faça esportes, ou participe de algum clube/grupo. Se conecte com seus amigos do Brasil, mas tenha tempo para seus novos amigos. Tenha paciência, a adaptação leva tempo.
Hoje você acompanhou a entrevista da mãe, mas no próximo texto trago a entrevista da filha. Aguarde a conclusão dessa história.
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[…] No mês passado, você acompanhou a entrevista e opinião da mãe Lauriane e hoje trago a entrevista da adolescente Beatriz. […]